Rodolfo Torres*
Na última terça-feira (25) morreu em São Paulo o jornalista Sérgio de Souza, aos 73 anos. Serjão, como era chamado na intimidade, era o editor e um dos fundadores da revista Caros Amigos. Na opinião unânime dos que o conheciam, Serjão era um humanista por excelência.
Ele começou a carreira na imprensa no jornal Folha de S. Paulo, no final da década de 50. Depois, foi para a revista Quatro Rodas, da Editora Abril; em seguida foi um dos fundadores de outra revista: a Realidade. Serjão também participou da fundação de O Bondinho, revista quinzenal de contracultura, e trabalhou em TVs, como a Bandeirantes e a Rede Globo.
Em 2003 conheci aquele sujeito alto, magro e extremamente elegante. Havia concluído a faculdade de Comunicação menos de um mês antes e me encontrava em São Paulo, sem saber muito o que fazer.
Com apenas um curso de extensão em fotografia, um documentário experimental e dois anos de estágio em TVs de Natal (capital do Rio Grande do Norte) no currículo, resolvi escrever para algumas redações. Dezenas delas, para dizer a verdade.
Leia também
A única que me respondeu foi a Caros Amigos. Na mensagem, o estilo seco e preciso do mestre Sérgio de Souza: “Apareça”. Logo ao chegar à redação, o que mais me chamou a atenção foi a existência de uma mesa de sinuca oficial naquele ambiente de trabalho.
Depois disso, tivemos quase um ano de convivência profissional, período extremamente precioso, do qual destaco alguns momentos. O primeiro deles foi quando notei que Serjão editava à maneira antiga. Ele imprimia o texto, fazia as modificações e os cortes a lápis e pedia a uma assistente para colocar no computador. Pedi para ser o encarregado de redigir as modificações do editor, e fui prontamente atendido.
Outro momento, dessa vez um tanto quanto tragicômico, foi quando colaborava para a matéria do repórter Sérgio Kalili sobre um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre violência policial no Brasil. Transcrevia uma entrevista em que Kalili conversava com uma mulher que teve seu marido assassinado no morro do Borel, no Rio de Janeiro (confira a reportagem).
A mulher explicava que seus filhos, na época com cinco e três anos, perguntavam incessantemente pelo pai. E ela respondia que o pai deles estava com o “papai do céu”. Até que um deles, o mais velho, perguntou: “Mamãe, você pode falar com o papai do céu para deixar o papai voltar?”.
Nessa hora, parei o trabalho e resolvi buscar uma palavra de apoio de Serjão, que se encontrava na mesa imediatamente atrás da que eu estava. A entrevista era muito forte, extremamente desagradável. Foi difícil de escutar aquilo sem chorar… Achei que teria uma palavra de apoio do mestre e lhe falei da minha vontade de chorar. Ele olhou para mim com seu sorriso característico e disse: “Então chora!”.
Sérgio de Souza era um homem reservado, que falava baixo, dono de uma timidez clássica. Mas que não negava conversa. Mesmo quando editava o livro Socialismo: Uma Utopia Cristã (uma obra com mais de mil páginas), do procurador Luiz Francisco F. de Souza, Serjão encontrava tempo para um papo. Se não me engano, foi durante esse trabalho que ele me sugeriu assistir aos filmes do cineasta italiano Ettore Scola. “Já que você gosta de cinema, dá uma olhada nele”, sugeriu.
Certa vez, pedi para cobrir a primeira edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). O objetivo era entrevistar o historiador e escritor britânico Eric Hobsbawm. Bom, o máximo que consegui foi um autógrafo dele. Mas ao menos valeu ter conhecido aquela bela cidade do litoral fluminense… De volta à redação, confessei-lhe a minha timidez e uma sensação incômoda de estar importunando a vida de quem não quer falar com a imprensa. “Também não gostava de incomodar quando era repórter”, disse.
Ao final do meu último dia de trabalho na Caros Amigos, abracei Serjão e lhe disse que havia sido uma honra ter trabalhado com ele. Guardo na lembrança aquele editor que me perguntou, ao final de um dia de trabalho, se eu queria jogar sinuca na redação; um editor que cumprimentava a todos na redação, um por um, e pelo nome; um editor que me pagou alguns chopps em um bar qualquer da Vila Madalena.
Nosso último diálogo foi em maio de 2007. Mandei um e-mail a ele, avisando de uma entrevista em vídeo que o Congresso em Foco fez com o ex-presidente Fernando Collor (confira o vídeo da entrevista).
Perguntei como estava sua antiga idéia de montar a TV Caros Amigos. Sem desanimar, ele respondeu que os programas-piloto ainda não haviam dado muito resultado e revelou sua sensibilidade em relação ao futuro da imprensa. “Não vamos desistir, porém, e parece que o mais certo é mesmo pensar em internet”, escreveu o saudoso Serjão.
*Rodolfo Torres, 28 anos, é repórter do Congresso em Foco. Formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, trabalhou na Caros Amigos.
Texto publicado em 30.03.2008. Última atualização em 03.04.2008