Mário Coelho
O avanço da candidatura do Rio de Janeiro para sediar a Olimpíada de 2016 fez uma vítima no Congresso: a CPI do Esporte Olímpico. Após forte pressão do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e de autoridades do Rio, a comissão parlamentar de inquérito que pretendia investigar o destino de recursos públicos repassados pelo governo federal para entidades esportivas e a realização dos Jogos Pan-americanos acabou abortada com a retirada de dezenas de assinaturas do requerimento de criação.
Parlamentares ouvidos pelo Congresso em Foco apontam que a eventual vitória do Rio, logo mais, na disputa pelo posto de cidade-sede, enterrará qualquer possibilidade de apresentação de um novo pedido de investigação. Dezenas de deputados retiraram o apoio às investigações, na última hora, a pedido dos organizadores da candidatura brasileira, sob o pretexto de que o Congresso poderia prejudicar a imagem do projeto olímpico do Brasil.
O desinteresse pela CPI atinge agora até um dos autores do requerimento de criação da CPI, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). O pedetista afirma agora que organizar uma olimpíada pode ser “uma maneira mais suave” de mudar as estruturas do esporte brasileiro.
“Não vejo utilidade na volta de uma CPI”, diz o pedetista, responsável desde o ano passado pela coleta de 194 assinaturas de apoio à comissão na Câmara. Outras 33 haviam sido colhidas pelo senador Álvaro Dias (PSDB-PR) no Senado, para que as apurações fossem feitas por deputados e senadores, em comissão mista de inquérito.
O movimento pela CPI começou no segundo semestre de 2008, após o fracasso da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos de Pequim mesmo com o repasse recorde de recursos públicos para entidades desportivas. A injeção de dinheiro público no COB e os gastos na organização do Pan do Rio, em 2007, também entrariam na mira da comissão parlamentar de inquérito. “A CPI não seria um processo inquisitório, para prender pessoas. Seria algo mais propositivo”, explica Miro.
Legado do Pan
A eventual escolhida do Rio como sede tende a encobrir um legado sombrio do Pan 2007. Inicialmente estimado em R$ 360 milhões, o orçamento dos jogos entre os países das três Américas acabou sendo dez vezes superior. O governo federal acabou sendo chamado a pagar a conta e a prometida herança de benefícios – praças esportivas modernas e melhorias em infra-estrutura – não se concretizou.
Mais de dois anos após o encerramento da competição, evento muito menor do que uma Olimpíada, o Tribunal de Contas da União (TCU) ainda não terminou de investigar licitações, contratos e execuções de obras. Mas uma série de irregularidades já desponta.
Técnicos do TCU indicaram a existência de superfaturamento – efetivo ou potencial – em 17 dos 22 itens selecionados por amostragem. Eles encontraram irregularidades na contratação de marceneiros, na compra de aparelhos de ar-condicionado e até de furadeiras. Só no serviço de hotelaria da Vila Pan-americana, foi apontado superfaturamento de R$ 2,74 milhões, conforme relatório do agora ministro aposentado Marcos Vilaça. O TCU ainda condenou o aluguel de equipamentos e serviços de hotelaria, o que, na avaliação do tribunal, restringiu a participação de empresas no processo de licitação.
Segundo o blog do jornalista José Cruz, um dos mais experientes na cobertura de políticas esportivas, o secretário nacional de Esporte e representante do Ministério do Esporte no Pan-2007 já foi condenado duas vezes pelo TCU a devolver recursos aos cofres públicos. Somando-se os gastos apontados como irregulares pelo tribunal nos dois casos, o prejuízo passa dos R$ 18 milhões. Ainda cabe recurso (leia mais).
“Faltou planejamento no Pan, as contas não foram feitas da maneira adequada. Todos os problemas deixam dúvidas se o dinheiro foi usado de forma adequada”, afirma o primeiro-vice-presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS).
Para ele, o fato de o Brasil sediar a Copa do Mundo de Futebol de 2014 pode ajudar na organização dos Jogos Olímpicos. Mas, ressalta Maia, é preciso “incorporar as experiências” de 2007 para não errar novamente.
Na ausência do presidente Michel Temer, o vice-presidente da Câmara leu uma carta, na última terça-feira, de apoio à candidatura brasileira em nome de todos os deputados. Temer viajou para a Dinamarca, onde será anunciado no início da tarde o nome da cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016.
O Rio disputa com Chicago (EUA), Madri e Tóquio a preferência dos jurados. Até agora, mais de R$ 130 milhões foram usados pelo Comitê Rio 2016 com a atual candidatura, a mais sólida em comparação com as três vezes em que a cidade postulou sediar a competição. O orçamento previsto para os jogos no Brasil é de US$ 14,4 bilhões – cinco vezes superior ao estimado pela capital espanhola, três vezes maior que o esperado pela cidade norte-americana e duas vezes o que a capital japonesa pretende gastar.
Melhorar a cidade
Os defensores dos jogos defendem que a candidatura vai impulsionar a economia brasileira e revolucionar a capital fluminense, melhorando as condições de vida da população carioca, além de atrair todo tipo de investimento privado estrangeiro.
“Como diria Nelson Rodrigues, é a pátria de chuteiras. Mas, desta vez, a pátria veste tênis de atletismo”, brinca o líder da minoria no Congresso, deputado Otávio Leite (PSDB-RJ). Para ele, organizar um evento desse porte “valerá à pena” para o Rio e para o Brasil. Mas o tucano aponta dois problemas que podem fazer os membros do COI escolherem outra cidade. “O transporte dentro da cidade e a rede hoteleira são dois problemas que devem ser equacionados”, disse Leite.
Para Miro Teixeira, o Rio precisa melhorar consideravelmente seus serviços. Além disso, mudar a percepção de que os turistas são bem tratados e a população local, não. “A cidade precisa melhorar. Existem precariedades para o cidadão, como o estado das ruas, a iluminação pública, os hospitais e a segurança”, cita.
Lula em campo
Ao contrário das outras vezes em que disputou a organização de uma Olimpíada, o Brasil entrou com força total para receber os jogos de 2016. A candidatura ganhou reforço de peso do presidente Lula, que desde o início da semana faz corpo-a-corpo em Copenhague atrás dos votos que vão definir o local de realização da Olimpíada. “As informações que temos dizem que Lula fez todos os contatos possíveis para angariar votos para o Rio. E se tem uma coisa que Lula faz bem é política”, disse Miro.
A articulação feita por Lula tem como objetivo também neutralizar a presença do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, principal cabo eleitoral de Chicago. O democrata chegou ontem à capital dinamarquesa. Junto com ele, várias estrelas de esportes olímpicos do país. Os organizadores da candidatura Rio 2016 também levaram atletas pra Dinamarca e dois brasileiros mundialmente conhecidos: o eterno craque Pelé e o escritor best-seller Paulo Coelho.
Em entrevista a agências internacionais de notícia, Lula afirmou ontem que levou a palavra final de vender o futuro do Brasil e do Rio de Janeiro no último dia de campanha. “Quem acompanha a economia sabe que o Brasil está em uma situação mais favorável que muitos países desenvolvidos. E que a descoberta do pré-sal vai trazer desenvolvimento. Nenhum país hoje tem tanta certeza de seu futuro quanto o Brasil. E é este Brasil de 2016 que queremos mostrar aos delegados e delegadas e conquistar os votos deles”, afirmou Lula.