André Lima*, Marcello Fragano Baird** e Livi Gerbase***
Trezentos bilhões de reais é o valor aproximado de quanto o Brasil deixa de arrecadar com benefícios fiscais todos os anos. Uma quantia maior do que a soma de tudo que o governo federal deve investir em saúde e educação em 2021. Como podemos renunciar a tanto dinheiro e continuar de olhos fechados, sem saber onde vão parar esses recursos? Para exigir a transparência na política de isenção de impostos, organizações da sociedade civil convocam a população a assinar o manifesto Só Acredito Vendo.
Somente com a divulgação do nome das empresas beneficiadas podemos começar a corrigir distorções que marcam o nosso sistema tributário. Muitas vezes essas isenções se destinam a grandes empresas que têm altos lucros desenvolvendo atividades associadas a diversos problemas de saúde. Por exemplo, se a gente somar quanto os setores de bebidas adoçadas (refrigerantes e suco de caixinha) e de agrotóxicos deixam de contribuir chegamos a aproximadamente R$5,5 bilhões por ano. Já a indústria de petróleo e gás, beneficiada desde 1999, recebeu cerca de R$ 29 bilhões em incentivos só em 2019.
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O financiamento desses segmentos representa desvio de recursos que poderiam ser direcionados para políticas públicas mais efetivas e justas. Mas não é tudo. Voltando aos exemplos das bebidas adoçadas e dos agrotóxicos: a literatura científica não deixa dúvida que o consumo desses produtos está relacionado ao surgimento de câncer, diabetes ou complicações cardiovasculares, doenças que, quase sempre, acabam sendo tratadas pelo SUS, sobrecarregando, ainda mais, o orçamento da União.
A situação se agrava se levarmos em conta a crise sem precedentes que se instalou desde o início da pandemia. Nesse cenário de morte, fome e desemprego, a transparência em relação à política de concessão de benefícios pode ser decisiva para distinguir os incentivos que, de fato, fazem bem ao país daqueles que apenas favorecem determinados grupos econômicos.
PublicidadeO movimento #SóAcreditoVendo convoca a população a fazer a sua parte apoiando o Projeto de Lei Complementar 162/2019, que propõe a transparência dos incentivos fiscais recebidos pelas empresas. Depois de ser aprovado no Senado e passar por todas as comissões na Câmara dos Deputados, o texto aguarda a votação no plenário. Esse alvissareiro projeto está alinhado com debates correntes da reforma tributária e, ainda, com a PEC Emergencial, aprovada no primeiro semestre, e que prevê a revisão paulatina dos incentivos fiscais.
Além disso o PL 162/2019 viabiliza na prática um dos principais fundamentos do Estado Democrático de Direito: o pleno exercício da cidadania (fiscal). Sem transparência (ativa) no trato de recursos públicos não há exercício real da Cidadania, pilar da Democracia.
É um direito da sociedade saber para onde vão esses incentivos. Somente assim poderemos debater de forma criteriosa e com participação social quais investimentos promovem um Estado mais justo, sustentável e eficiente e, portanto, devem ser priorizados. Não há espaço nem tempo, diante da atual crise sanitária e climática, para desperdiçar preciosos recursos públicos. Transparência à destinação dos incentivos fiscais deve ser nossa palavra de ordem.
* André Lima é consultor sênior de Política e Direito do Instituto Democracia & Sustentabilidade (IDS)
** Livi Gerbase é assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
***Marcello Fragano Baird é coordenador de advocacy da ACT Promoção da Saúde
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.