Andrea Vianna
A Câmara deve votar, ainda hoje, um projeto de lei que reduz os custos das campanhas eleitorais e implementa medidas de combate ao caixa dois a serem aplicadas já nas eleições de outubro. Entre as novas regras, a que fixa teto máximo para os gastos com as campanhas promete gerar polêmica entre as bancadas, rompendo uma quase unanimidade em torno de uma matéria editada para moralizar a disputa eleitoral em tempos de mensalão.
A divisão das bancadas em torno do tema pode fazer com que algum partido dissidente conteste no Supremo Tribunal Federal (STF) a validade das novas regras já para as próximas eleições. Segundo dois ex-ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ouvidos pelo Congresso em Foco, mesmo se aprovadas pelo Congresso, as mudanças podem ser derrubadas pelo STF, por contrariarem dispositivo da Constituição que proíbe mudanças na lei eleitoral até um ano antes da eleição.
Para esclarecer o projeto, contornar divergências e costurar acordos, o relator, deputado Moreira Franco (PMDB-RJ), reúne-se com os líderes partidários às 10h desta quinta-feira. Ontem, o deputado esteve com o senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), autor da proposta – já aprovada no Senado – para debater as alterações a serem feitas pela Câmara.
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Em sua cruzada pelo resgate da imagem da Casa, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), manifestou a intenção de votar a matéria o mais rápido possível, ainda durante a convocação. A expectativa entre os parlamentares é de que, ao aprovar o projeto, o Congresso estará prestando contas à opinião pública depois de uma seqüência de denúncias de corrupção.
A avaliação é do líder da minoria, deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA): “Em relação a esse projeto, não existe oposição, nem governo. A moralização do processo eleitoral é de interesse do povo brasileiro”.
Fim dos showmícios
Em linhas gerais, o projeto de lei proíbe a realização de showmícios (comícios com shows de artistas); as propagandas em outdoors, banners e outros engenhos publicitários, e também veda a distribuição de brindes, como camisetas, bonés, chaveiros, entre outros.
“O objetivo é que haja uma eleição barata sem essa orgia de dinheiro que tem caracterizado as eleições nos últimos anos”, explica Moreira Franco.
Mas a relatora do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), deputada Iriny Lopes (PT-ES), desfia críticas mais contundentes à matéria. Para ela, o tom dramático da atual crise política fez com que o Senado apresentasse medidas de resposta imediata mas de alcance restrito.
“No entanto, apesar de aperfeiçoar pontos específicos, barateando as campanhas e estabelecendo mecanismos para a transparência das contas eleitorais, (o projeto) não ataca as causas que determinam o encarecimento das campanhas e nem permite reduzir o tráfico de influência entre empresas e candidatos”, assinalou em seu parecer.
Buscando uma medida para controlar esse “tráfico de influência” entre as empresas, tradicionais financiadoras das campanhas eleitorais, Iriny Lopes apresentou uma emenda para proibir pessoas jurídicas de fazerem contribuições aos candidatos.
“Seria um primeiro passo para a aprovação, na reforma política, do financiamento público das campanhas”, explicou a deputada. Mas o anseio da petista ficará para depois, porque a sugestão não será incluída no substitutivo de Moreira Franco.
Gastos comedidos
Tamanha boa vontade política para a aprovação da matéria pode esmorecer se, em compensação, outra proposta de Iriny Lopes for acolhida por Moreira Franco: a regra que impõe um teto máximo para os gastos com as campanhas eleitorais.
O substitutivo do relator ainda não esclarece de que forma esse teto será calculado, limitando-se a prever que será fixado pela Justiça Eleitoral, depois de ouvidos os partidos políticos. Segundo a assessoria do relator, a meta é que seja definido um valor para cada candidatura. Assim, enquanto a campanha para deputado federal poderá custar X, uma disputa para a presidência da República poderá ser fixada em 3X.
O líder do PTB, deputado José Múcio Monteiro (PE), que afirmou que a bancada votará favoravelmente à matéria, hesitou ao ser questionado sobre a limitação. “Desse ponto eu discordo. A medida vai acabar estimulando o caixa dois. O deputado que tiver gasto além do teto previsto vai se refugiar no caixa dois. É melhor ter liberdade para gastar e declarar, corretamente, quanto gastou”, argumenta José Múcio.
Para o advogado e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral José Eduardo Alckmin, a criação de um teto para gastos com a campanha muda pouca coisa e não tem relação direta com a prevenção ao uso do caixa dois. Segundo Alckmin, pela legislação em vigor, os candidatos são obrigados a declarar à Justiça Eleitoral quanto pretendem gastar na campanha. “Em 2002, o presidente Lula declarou um valor no início da campanha. Depois, pediu ao TSE para aumentar a estimativa de gastos”, lembra o advogado.
Recurso ao Supremo
A divergência que deve surgir por causa da fixação do teto para os gastos com as campanhas pode acabar no Supremo Tribunal Federal se um dissidente impugnar a validade da nova regra eleitoral para as eleições de outubro. A alegação seria de afronta ao artigo 16 da Constituição Federal, que proíbe mudanças na legislação eleitoral até um ano antes da eleição.
“Se forem aprovadas, essas mudanças não serão válidas para esse ano. Quando se incluiu o artigo 16 na Constituição, foi para evitar casuísmos como este. Antigamente, para cada eleição se fazia uma lei nova. Não dá para continuar assim”, protesta o advogado e ex-ministro do TSE Walter Costa Porto.
Antevendo a polêmica, o deputado Moreira Franco vem se municiando de argumentos jurídicos e pareceres para escapar da barreira imposta pelo dispositivo constitucional. O parlamentar ouviu amigos juristas, ministros do TSE e até o presidente do Supremo, ministro Nelson Jobim, para driblar a Constituição e fazer com que as mudanças sejam válidas já para as próximas eleições.
Mudança de procedimentos
A saída encontrada por Moreira Franco foi incluir no substitutivo apenas as mudanças atinentes às regras das campanhas eleitorais, como procedimentos e controle dos gastos. Segundo o deputado, são medidas que não alteram o processo eleitoral em si; apenas mexem com os procedimentos. Por isso, ele deixou de fora do projeto outras medidas constantes do texto do senador Jorge Bornhausen, aprovadas no Senado, e que poderiam causar ainda mais polêmica na Casa.
Assim, os deputados não votarão o fim do uso de imagens externas e de qualquer efeito visual nos programas eleitorais para a televisão; a restrição à divulgação de pesquisas eleitorais 15 dias antes das eleições, ou quaisquer mudanças no calendário eleitoral.
Entre as modificações no cronograma das eleições, estavam a redução do período de campanha de 45 para 35 dias e a prorrogação do prazo para o registro dos candidatos de julho para o dia 5 de agosto, o que incomodava o TSE, por reduzir o tempo para as medidas administrativas do órgão.
Contudo, de acordo com o também ex-ministro do TSE José Eduardo Alckmin, há muita controvérsia sobre a definição dos temas que envolvem o processo eleitoral. “Muitos acham que o assunto se restringe às candidaturas, aos registros, às impugnações, aos prazos para recursos. Mas grande parte dos juristas entende que qualquer medida que implique a alteração das regras das campanhas e das prestações de contas modifica, sim, o processo eleitoral”.
O fato é que as recentes mudanças nas regras das eleições implementadas pelo Congresso vêm mexendo com os brios dos inveterados guardiões da Constituição Federal, que podem tomar medidas para revertê-las. Ainda ontem, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, advertiu que a derrubada da verticalização (que exigia que os partidos repetissem, na esfera nacional, as alianças firmadas nos estados) não é válida para as próximas eleições porque fere a Constituição.
“Se queremos um país respeitável, republicano, não podemos nos afastar da Constituição. Ela nem sempre é respeitada pelos agentes políticos, que deveriam ser seus guardiões. Agora mesmo, tivemos drástica mudança nas regras eleitorais, a poucos meses das eleições. A revogação da verticalização fere o artigo 16 da Constituição”, acusa Busato.
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