Sem votar medida provisória há quinze dias e projeto de lei há três meses, a Câmara dá início à era Aldo Rebelo (PCdoB-SP) com o desafio de se livrar da imagem de paralisia que tomou conta da Casa desde o início da crise política, limpar a pauta, obstruída por cinco MPs, e definir uma agenda legislativa mínima para este mês. Mesmo sem consenso sobre o que priorizar de agora em diante, os líderes partidários se reúnem nesta terça-feira com Aldo para definir um calendário para as próximas votações.
Embora avalie que a eleição do comunista irá amenizar a crise política, o Planalto encontrará dificuldades nas votações por dois motivos: o troca-troca partidário – que, mesmo tendo devolvido de última hora a maior bancada para o PT, fortaleceu a oposição – e o custo da vitória do ex-ministro da Articulação Política. Os 15 votos que garantiram a ascensão de Aldo aumentaram o poder de rebelião dos aliados. Cooptados com promessas de liberação de emendas parlamentares, PP, PTB, PL e parte do PMDB ameaçam dar o troco no plenário, caso o dinheiro não saia.
Leia também
Risco Severino
Para resgatar a imagem da Casa, o novo presidente da Câmara só não poderá seguir o conselho de seu antecessor, que renunciou após denúncia de que teria recebido mesada para prorrogar o contrato de concessão de um restaurante. Um dia após a vitória do governista, Severino Cavalcanti (PP-PE) declarou que Aldo daria “continuidade” à sua gestão. Que a profecia não se concretize. Pois em apenas 12, das 97 sessões deliberativas realizadas desde o início do ano até quinta-feira passada, a pauta não esteve trancada por medidas provisórias.
Isto é, a cada nove sessões deliberativas, em apenas uma os deputados puderam definir o que votar. A expectativa do governo é de que a afinidade entre Aldo e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva possa recompor a base aliada e tornar mais ágil o processo de votação. A tarefa, contudo, não será das mais fáceis.
Reforma e Super-Receita
Já em sua primeira semana, o deputado comunista deve encontrar, pelo menos, dois grandes desafios em Plenário: costurar um acordo com os partidos políticos para votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 446/05) que prorroga o prazo – vencido semana passada – para mudar a legislação eleitoral para as próximas eleições e a Medida Provisória da Super-Receita (258/05), a mais polêmica das cinco MPs que trancam a pauta desde o dia 8 de julho.
A PEC 446/2005, de autoria do deputado Ney Lopes (PFL-RN), estende até o dia 31 de dezembro a possibilidade de fazer alterações nas regras eleitorais de 2006. A proposta do pefelista foi encampada pelo governo, que, acossado com denúncias e com a substituição de Severino, perdeu o tempo para liberar a pauta e votar o projeto. A resistência à iniciativa de Lopes vem exatamente do líder do seu partido, Rodrigo Maia (PFL-RJ). O PFL e o PSDB condicionam a aprovação da emenda constitucional à votação de temas eleitorais menos polêmicos, como é o caso da mini-reforma eleitoral aprovada em agosto pelo Senado (leia mais).
Partidos divididos
Aí é que reside o embaraço. Estão longe de consenso a diminuição da cláusula de barreira – fundamental para a sobrevivência política do PCdoB de Aldo e do PPS, por exemplo –, defendida à exaustão pelas bancadas menores, e o sistema de votação em listas preordenadas, entre outras propostas. “Não queremos nenhuma armadilha que possa fazer com que amanhã haja um retrocesso na legislação eleitoral”, avisa Alberto Goldman (SP), líder do PSDB. Rodrigo Maia adota um discurso mais incisivo: se o governo insistir em baixar a cláusula de barreira para 2%, a oposição vai tentar ressuscitar a discussão da autonomia do Banco Central, proposta que divide ainda mais a bancada petista.
Além das reformas eleitoral e política, a agenda mínima para este mês pode contemplar a votação da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, o Plano Nacional de Habitações e o aumento no Fundo de Participação de Municípios (FPM).
Acordo negado
Reconhecendo o tamanho da polêmica em que se meteu, o governo começou a negociar a votação da MP da Super-Receita um dia após a vitória de Aldo. Na quinta-feira, o ministro de Relações Institucionais, Jacques Wagner, fez uma proposta para a oposição: se a Câmara aprovasse a MP, que tramita na Casa desde julho, o governo retiraria as outras quatro medidas da pauta, viabilizando assim a votação do projeto de mini-reforma eleitoral do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC). Não houve acordo.
A medida provisória que unifica as Receitas Previdenciária e Federal para coibir fraudes tem sido criticada dentro e fora do Congresso: recebeu 522 emendas e dois requerimentos de retirada de pauta, desencadeou paralisações de auditores do fisco e ações de contestação na Justiça.
No início do mês passado, foi criado um fórum suprapartidário contra a MP. Os presidentes das comissões de Trabalho, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e de Finanças, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), e até os petistas Tarcísio Zimmermann (PT-RS) e Dra. Clair (PT-PR) estão à frente do movimento. “Temos a intenção de convencer o governo a retirar a MP 258 e a elaborar um novo projeto, que, inclusive, poderá ter uma tramitação de urgência, desde que seja construído com o diálogo e a participação de todos os setores interessados”, declarou Zimmermann, durante a criação do fórum.
Leia amanhã: Tudo sobre a polêmica MP que cria a Super-Receita