O Ato 42, de 2000, que disciplina a concessão de transporte aéreo a deputados, não faz qualquer referência a uma eventual utilização do benefício por terceiros. Criado na primeira gestão de Michel Temer, a norma abriu espaço para as atuais distorções no uso da cota.
Como mostrou hoje o Congresso em Foco, cinco dos 11 membros da Mesa Diretora utilizaram a cota para viajar ao exterior, inclusive com familiares. Como a iniciativa de mudar as regras cabe ao colegiado, há resistência para a exclusão dos parentes, como quer o MPF.
O ato anterior, de 1971, limitava o benefício a quatro passagens aéreas, apenas entre os meses de março a dezembro. Os trechos permitiam o parlamentar se deslocar do estado de origem a Brasília. O deputado também tinha direito a uma passagem para o Rio de Janeiro, antiga capital.
“Art. 1º Requisição, pela Câmara dos Deputados, para fornecimento de passagens de transporte aéreo, ida e volta, nas seguintes condições:
1) Quatro passagens, nos meses de março a dezembro a saber:
a) duas passagens de Brasília à Capital do Estado;
b) uma passagem de Brasília à Capital do Estado, via Rio;
c) uma passagem de Brasília ao Rio.”
A norma era clara ao restringir o benefício ao parlamentar:
“Art.2º As requisições serão feitas diretamente pela Câmara às companhias de navegação aérea, para emissão de passagens em nome pessoal do Deputado, em ofício-padrão, assinado pelo Diretor-Geral e visado pelo Senhor Terceiro-Secretário.
Art.3º Emitidas as passagens, em nome do parlamentar, elas ficarão à sua disposição.”
Um dos parlamentares que usaram a cota para viagem internacional é o atual terceiro secretário, Odair Cunha (PT-MG). Responsável pela distribuição do benefício entre todos os deputados, o mineiro cedeu um bilhete para um passageiro ainda não identificado por ele. Desde ontem, a reportagem tenta ouvir esclarecimentos de Cunha sobre o assunto.
Hoje cada deputado tem direito a um crédito mensal para usar com passagens aéreas. O valor varia conforme o estado de origem. Com a redução em 20% da cota, a Câmara diz que espera economizar R$ 20 milhões. Só em 2008, a Casa gastou R$ 78,5 milhões com passagens (leia mais)
A regra é clara
O uso de passagens aéreas por terceiros ou em viagens que não tenham qualquer relação com o exercício do mandato é vedado pelo ato normativo que disciplina o benefício. Esse é o entendimento do professor da PUC-SP Pedro Estevam Serrano, especialista em direito constitucional e público, e do presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo.
Serrano e Cosenzo são taxativos ao dizerem que o benefício é funcional, e não individual, e que não pode ser tratado como se fosse uma remuneração indireta para os parlamentares. Além do deputado, apenas assessores em serviço podem se valer da cota quando estiverem auxiliando o parlamentar no exercício do mandato, consideram.
O professor da PUC-SP lembra que no direito público a lógica é inversa à do direito privado. “O particular pode fazer tudo exceto o que a lei proíbe. No direito público, o que não está autorizado na lei é proibido”, sentencia Serrano. O Ato 42, de 2000, não faz qualquer menção ao uso da passagem por terceiros.
Para o presidente da Conamp, os deputados mascaram a realidade ao dizerem que podem fazer o que quiserem com a cota. “O parlamentar não é dono da passagem. Ele não pode fazer o que quiser com ela. O benefício existe apenas para auxiliá-lo no mandato”, afirma Cosenzo.
A Mesa Diretora do Senado também anunciou hoje (16) novas regras para o uso de passagens aéreas. A mudança reduz gastos, mas não proíbe uso de passagens por parentes de senadores. Segundo o 1º secretário do Senado, senador Heráclito Fortes (DEM-PI), as cotas mensais de passagens gastas pela Casa terão redução de 25%, passando de R$ 1,3 milhão para R$ 975 mil (leia mais).
Artistas
Desde o início desta semana, o Congresso em Foco tem denunciado com exclusividade desvios no uso da cota de passagens aéreas. O deputado Fábio Faria (PMN-RN), por exemplo, usou o benefício para transportar atores e atrizes para o carnaval fora de época de Natal, e presentear a ex-namorada, a atriz e apresentadora Adriane Galisteu, e sua mãe, com uma viagem a Miami, nos Estados Unidos (leia mais).
O uso da cota por ministros que deixaram a Câmara para atuar na Esplanada dos ministérios também foi denunciado. Entre os que aproveitaram o benefício mesmo depois de deixar o mandato parlamentar está o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro (leia mais).
*Colaborou Daniela Lima
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