Paulo Henrique Zarat
A Câmara dos Deputados gasta por ano R$ 19 milhões para custear a moradia dos deputados. O dinheiro seria suficiente para construir casas populares, com 55 metros quadrados cada, que resolveriam definitivamente o problema habitacional de 1.151 famílias brasileiras. Mas esta é só uma pequena parte do problema. Dos 432 apartamentos funcionais da Câmara, 217 estão abandonados. Enquanto isso, a Casa paga auxílio-moradia a 295 parlamentares, inclusive deputados eleitos pelo Distrito Federal que têm residência própria em Brasília. Para completar, dois imóveis funcionais são ocupados por parlamentares cassados.
Um deles é Rogério Silva, eleito pelo PPS de Mato Grosso em 2002 e que teve o mandato cassado em janeiro de 2004 pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Mato Grosso por tentativa ilícita de compra de votos. Ele teria que ter devolvido o apartamento, situado na Super Quadra Norte (SQN) 302, bloco G, apartamento 104, em fevereiro de 2004. A reportagem do Congresso em Foco foi ao local e constatou que a mulher e três filhos do ex-deputado continuam ocupando o imóvel.
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Segundo relato de um de seus filhos, Rogério Silva é empresário e passa a maior parte do tempo cuidando dos "negócios da família em Mato Grosso". O outro apartamento ocupado irregularmente fica na mesma quadra, na SQN 302, bloco E, apartamento 502. O imóvel permanece com o ex-deputado do PL do Maranhão Paulo Marinho, cassado pelo TRE maranhense em 2005 depois de um processo que se arrastou por anos na Justiça eleitoral. Marinho foi acusado de improbidade administrativa no tempo em que foi prefeito da cidade de Caxias (MA).
A Câmara dos Deputados esgotou todas as vias administrativas para obter os apartamentos de volta, mas não teve sucesso. Agora, a questão está nas mãos da Advocacia Geral da União, que vai entrar com uma ação de reintegração de posse contra os dois ex-parlamentares.
No apartamento, quem atendeu a reportagem foi a empregada doméstica de Marinho. Ela, que faz faxina no imóvel uma vez por semana, disse que o ex-deputado pouco vem a Brasília. Na residência de Paulo Marinho em Caxias, a informação obtida por telefone é que ele costuma ficar em sua fazenda, a 25 Km da cidade.
Nem Paulo Marinho nem Rogério Silva parecem interessados em falar sobre o assunto. Deixamos recados nos telefones dos dois ex-deputados, mas, até o fechamento desta matéria, não tivemos retorno.
A reforma sempre adiada
Responsável pela gestão dos apartamentos funcionais, o quarto-secretário da Mesa Diretora da Câmara, deputado João Caldas (PL-AL) também optou por não se manifestar. Poderia vir dele a iniciativa que, na opinião de alguns, reduziria os gastos da Casa com moradia dos parlamentares: o fim do auxílio-moradia pago atualmente a 295 deputados, despesa que hoje consome R$ 10,6 milhões por ano.
Para fazer isso, porém, seria necessário reformar os apartamentos funcionais, o que depende de uma decisão da Mesa Diretora. A reforma, defende o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), deveria ter dois objetivos: recuperar os apartamentos, que se encontram todos (inclusive os ocupados) em estado precário de conservação; e diminuir a área privativa das unidades, de modo a contemplar todos os deputados.
Enquanto não se faz a reforma, um patrimônio público avaliado em no mínimo R$ 151 milhões vai se deteriorando nas quadras nobres da capital federal.
A reforma dos apartamentos foi autorizada pela Câmara no dia 4 de maio de 2005. Mas os quase R$ 24 milhões destinados no ano passado para esse fim não puderam ser aplicados porque a Câmara economizou no orçamento para conseguir pagar o reajuste de 15% no salário dos servidores da Casa.
Para este ano, estão disponíveis R$ 36 milhões, mas o início das obras depende da autorização da Mesa Diretora da Câmara, que ainda não deu início ao processo de licitação. Com a dotação orçamentária de 2006, seria possível reformar cinco dos 18 prédios residenciais que a Câmara mantém em quatro ótimas quadras da capital federal: a 302 Norte, a 202 Norte, a 311 Sul e a 111 Sul.
A reforma de todas as unidades funcionais está prevista no Plano Plurianual de Investimentos (PPA) 2004-2007 e seu valor global é estimado em R$ 129,6 milhões. Segundo o diretor de Coordenação de Habitação da Câmara dos Deputados (Cohab), Luiz Sousa Neto, a reforma seria de fato um investimento porque valorizaria os apartamentos e o patrimônio como um todo. Hoje, no estado em que se encontram, os imóveis estão avaliados em R$ 350 mil, cada um.
"Nós acreditamos que com a reforma, cada unidade passaria a valer em torno de R$ 900 mil. Ou seja, seriam aplicados R$ 129 milhões num patrimônio que vale hoje cerca de R$ 151 milhões e após a reforma esse patrimônio passaria a valer R$ 388 milhões", avalia o diretor da Cohab.
Auxílio-moradia para quem tem casa
Os 18 prédios onde estão localizados os apartamentos da Câmara foram construídos no final dos anos 1960 e início dos 70. São unidades amplas, com 225 metros quadrados em média, três quartos grandes, uma suíte, escritório e uma sala de mais de 50 metros quadrados, além das dependências de empregados com dois quartos.
A Câmara gasta R$ 8,4 milhões por ano com a manutenção dos prédios. O valor inclui todas as despesas de consumo, mão-de-obra, serviços de terceiros, obrigações tributárias e contributivas, obras, instalações, equipamentos e material permanente. Nenhum dos prédios passou por um reforma ampla ou estrutural desde que ficaram prontos, há mais de 25 anos. "Os reparos que têm sido feitos são paliativos, pontuais", diz Luiz Sousa.
A maioria dos edifícios possui tubulações em ferro galvanizado que se encontram totalmente podres. As esquadrias da fachada dos prédios também são de ferro e estão avariadas pelo tempo, o que provoca infiltrações nos apartamentos quando chove. Além disso, a tubulação das caixas de água é de capacidade inferior às necessidades.
O deputado Alberto Fraga (PFL), da bancada do Distrito Federal, chegou a morar num apartamento por um mês, no início do mandato em 2003. Desistiu de permanecer no imóvel por causa do estado de conservação em que se encontrava o apartamento. "Eu abria a torneira e saía água com cor de ferrugem", conta o deputado, que agora recebe o auxílio-moradia e mora em casa própria.
Mesmo sendo deputado por Brasília, Fraga não vê problema em receber o benefício. "Eu acho que o salário de deputado é muito baixo. Então, se é previsto ele receber o auxílio-moradia, é normal ele receber. Não vou ficar fazendo demagogia", diz Fraga.
Já o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) acha um absurdo os deputados de Brasília receberem o auxílio-moradia. "Devia ser como é nas câmaras municipais. Os vereadores não recebem nenhum auxílio para morar porque eles trabalham na cidade deles", compara Gabeira.
Com a reforma, a Cohab prevê que o custo com a manutenção dos prédios terá uma redução de 25%. Mas a maior economia decorreria mesmo da eliminação do auxílio-moradia.
Reformar ou vender?
Mesmo se todos os 432 apartamentos estivessem em condições de se habitar, porém, haveria um déficit de 80 apartamentos para os 513 deputados. Nessa conta não entra o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que mora na residência oficial no Lago Sul, reservada ao ocupante do cargo. Daí a idéia de diminuir o tamanho dos apartamentos para aumentar o número de unidades por prédios não está descartada.
O tamanho dos imóveis é um dos fatores que interferem na escolha pelo auxílio-moradia. A maioria dos parlamentares vem para Brasília sozinho, sem a família, e o imóvel acaba sendo muito grande para uma pessoa só. Por isso, muitos deputados preferem ficar em flats que, além de menores, oferecem serviço de lavanderia e a faxina já está incluída na diária.
"Eu acho desnecessário um apartamento daquele tamanho para uma pessoa só", critica o deputado Gabeira, que recebe o auxílio-moradia. Gabeira é contra a reforma dos imóveis. Ele é favorável à venda dos apartamentos para que a Câmara não tenha mais despesa com a manutenção dos prédios.
O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) concorda com Gabeira sobre o tamanho exagerado dos apartamentos, mas discorda sobre a venda dos imóveis. "Vale a pena reformar se for para acabar com o auxílio-moradia e oferecer apartamentos menores em boas condições para os deputados morarem", avalia Delgado, que ocupa um apartamento na 311 Sul.
O auxílio-moradia existe desde 1979. Foi criado para resolver o problema do déficit de imóveis, que vem de longe. No entanto, nos últimos cinco anos, por causa da piora no estado de conservação dos apartamentos, a procura pelo auxílio-moradia aumentou.
Os deputados podem optar por duas formas desse benefício: em espécie ou por reembolso. Ao receber em espécie, os R$ 3 mil do auxílio-moradia caem direto na conta do deputado, sendo descontado 27,5% de imposto sobre o benefício. Pelo sistema de reembolso, o parlamentar deve apresentar a nota fiscal do hotel, flat ou aluguel que paga para ser ressarcido.
A opção pelo auxílio ou por um apartamento é feita mediante ofício encaminhado à 4ª Secretaria da Câmara, que, além de encarregada de administrar os imóveis, é responsável pela gestão do benefício.
Benefício, aliás, que tem uma história controvertida. Em novembro de 2002, a revista Veja publicou reportagem denunciando parlamentares que estavam utilizando a verba do auxílio-moradia para comprar flats em Brasília. Atraídos por financiamentos especiais oferecidos a parlamentares por incorporadoras locais, alguns deputados estavam comprando flats e colocando em nome de parentes. Inversão total de valores: a verba do auxílio é para o parlamentar poder morar em um bom lugar para exercer o seu mandato, não para constituir patrimônio.
No entanto, os deputados não são obrigados a prestar contas do benefício que recebem. "Uma vez que ele paga imposto por essa remuneração, ele não tem que prestar conta à Casa. O importante para a Câmara é que ela está custeando a estada dele em Brasília para que ele possa desempenhar o seu mandato", afirma o diretor da Cohab, Luiz Sousa Neto.
Eles não recebem
Quatro deputados optaram por não ocupar apartamentos funcionais nem receber o auxílio-moradia, abdicando de ambos benefícios. São eles: Sigmaringa Seixas (PT-DF), Custódio Mattos (PSDB-MG), Dr. Pinotti (PFL-SP) e Paulo Gouvêa (PL-RS).
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