Soraia Costa
A discussão sobre o fim do vestibular e a criação de um curso de “pré-graduação” como forma alternativa para ampliar o ingresso ao ensino superior estão na pauta de votação de hoje (29) da Comissão de Educação e Cultura da Câmara. Essas propostas fazem parte do Projeto de Lei 6.137/2005 (leia a íntegra), apresentado pelo deputado Alex Canziani (PTB-PR) e inspirado na idéia do professor universitário aposentado José Carani, da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
De acordo com o projeto, que está sendo relatado pelo deputado Eliene Lima (PP-MT) e recebeu parecer (clique aqui para vê-lo) por sua aceitação, o acesso aos cursos de graduação oferecidos pelas instituições de ensino superior se dariam “por intermédio de um curso de pré-graduação com um ano de duração, constituído por disciplinas básicas do curso de gradação correspondente”.
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A extinção do vestibular, no entanto, não garantiria a entrada direta na universidade àqueles que concluem o ensino médio. A idéia é que a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) seja considerada pelas faculdades e universidades como uma forma de pré-selecionar seus alunos.
“É uma maneira de democratizar o acesso ao ensino superior e de reduzir a pressão que os alunos têm com o vestibular”, explica o autor do projeto, Alex Canziani. “Às vezes, um jovem brilhante vai mal no vestibular por causa da pressão da prova e fica de fora da universidade. Com o curso de pré-graduação, os alunos vão ter oportunidade de entrar em contato com o ambiente universitário e de mostrar seu potencial ao longo de um ano”, completa o deputado.
A extinção do vestibular e a adoção da “pré-graduação” estão em fase de testes em duas universidades federais – no Espírito Santo e no Paraná – e em análise pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Londrina.
Para o idealizador da proposta, professor José Carani, as duas medidas ajudariam a ampliar o acesso à universidade e a melhorar a qualidade dos alunos. Ele ressalta, no entanto, que este não é um projeto para ser adotado de uma vez. “É um sistema para ser implantado ao longo de quatro ou cinco anos”, ressalta.
Ampliação do acesso
O Projeto de Lei 6.137 prevê que seja oferecido na pré-graduação “pelo menos o triplo das vagas estabelecidas para o curso de graduação correspondente”. A idéia, de acordo com José Carani, é dar “igualdade de oportunidades e de condições para os alunos”.
Ele explica que nas universidades onde o modelo está sendo testado, ao final do curso os alunos recebem um “certificado de conclusão do 1° ano da graduação correspondente” e, com isso, mesmo quando não conseguem uma das vagas para continuar a fazer a graduação, podem tentar um lugar no segundo ano de outra faculdade.
“Historicamente há uma evasão muito grande após o primeiro ano dos cursos de graduação, e a pré-graduação minimizaria esse problema, uma vez que o número de alunos ali seria maior do que as vagas para o restante do curso”, defende o professor.
Questionado sobre se o excesso de alunos na pré-graduação não causaria confusão ao final dos cursos mais concorridos, uma vez que os alunos passariam o ano sob a proteção da universidade, Carani rebate: “Nas universidades que adotaram esse modelo como teste também havia esse temor inicial, mas isso foi resolvido com um contrato feito entre a instituição e o aluno, no qual ficava claro que a entrada na pré-graduação não implicaria na admissão na graduação”, argumentou.
O professor deu como exemplo o curso de Direito da PUC de Londrina. “A universidade me procurou dizendo que 40% dos alunos que passam no vestibular abandonam o curso após o primeiro ano. Com isso, o segundo ano fica com sobra de vagas. Com o sistema de pré-graduação, os alunos que cursassem o primeiro ano de Direito, mas não conseguissem uma vaga definitiva em determinada universidade, poderia ir direto para o segundo ano em outra que estivesse com sobra de vagas”, explicou ele.
“Da quantidade se tira a qualidade”, defende José Carani, acrescentando que ao longo do curso os alunos terão um estímulo maior para estudar e se dedicar sabendo que ainda não estão com vaga garantida na graduação. “Isso irá melhorar o nível dos alunos não apenas nas universidades que adotarem a pré-graduação como nas que ficarem com a demanda excedente quando da conclusão do curso”, acredita.
Impacto financeiro
Outra dúvida levantada sobre a criação do novo curso é o impacto financeiro que ele causará. Para o deputado Alex Canziani, a despesa com a pré-graduação ficaria com as próprias instituições de ensino superior, mas isso não implicaria em um aumento significativo.
“Oferecer três vezes o número de vagas não exige que sejam criadas três novas turmas”, diz ele. E o professor Carani acrescenta: “No primeiro ano não há despesas com laboratório ou outros recursos. Além disso, porque o aluno saberá que está em concorrência, ele irá se esforçar para aprender mesmo em uma turma grande”, argumenta o professor.
O deputado Alex Canziani também sugere que, para compensar os custos com a pré-graduação e uma vez que as matérias introdutórias serão nele ministradas, a graduação seja reduzida em um ano.
“Tem o lado conceitual e o financeiro. Do lado conceitual o vestibular não é mais adequado, então qual é a alternativa? Análise de aptidões ao final do ensino médio, como é feito em outros países? Pode ser uma boa solução. A novidade é esse curso. Mas como ele será financiado? Se for o caso de reduzir a graduação, que impacto isso terá?”, questiona o professor Bernardo Kipnis, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
Vice-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior e professora da Universidade Tuiuti, no Paraná, Carmen Luiza Silva destaca que a idéia de “enterrar” o vestibular é positiva. Ela ressalta, contudo, que se não for para ampliar o acesso ao ensino superior, a proposta não faz sentido e que é preciso “estudar o impacto financeiro do projeto”.
Extinção do vestibular
A proposta do governo, prevista no Plano Nacional de Educação, é de que 30% dos jovens na faixa etária de 18 a 24 anos tenham acesso a cursos superiores até o final desta década. Um dos grandes entraves para se atingir essa meta é justamente o funil chamado vestibular.
Para o presidente da Comissão de Educação e Cultura, deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), a adoção das notas do Enem na seleção será positiva mesmo que as pessoas comecem a se preparar para o exame como fazem hoje para o vestibular. “No fundo essa é a intenção do MEC [Ministério da Educação]. Transformar o Enem em um processo seletivo tão importante que as pessoas se preparem para ele”, afirma.
“Temos um sistema anacrônico de vestibular, principalmente nas instituições particulares. Elas até chamam de vestibular, mas, na prática, nem sempre há uma seleção, pois o que conta é o dinheiro das mensalidades”, reclama.
O professor Bernardo Kipnis também destaca que a grande diferença do Enem é que ele procura avaliar os conhecimentos apreendidos e não apenas os aprendidos pelo aluno. “Eles são diferentes conceitualmente. Do jeito que é hoje, os cursinhos ensinam os alunos a passar no vestibular e não a entender os conceitos ensinados no 2° grau”, destaca.
“Esse projeto que será votado na comissão é uma boa idéia, uma boa discussão, mas o assunto é polêmico”, diz Gastão Vieira.
Procurado para comentar o projeto, o Ministério da Educação informou, por meio de sua assessoria, que não se manifestará sobre o assunto, alegando que a proposta está sendo discutida apenas no âmbito do Legislativo.
“Pós-secundário”
Inspirado na idéia da pré-graduação, o professor Bernardo Kipnis sugere que, em vez de se fazer um curso que sirva apenas como introdução e pré-seleção para os cursos regulares do ensino superior, seja criado um sistema de educação continuada que ele chama de “pós-secundário”.
Esse sistema acolheria os estudantes que concluem o ensino médio, mas não pretendem fazer cursos completos de graduação. Aí poderiam ser incluídos, cursos técnicos e de introdução a certas profissões. A seleção dos alunos também levaria em conta as notas do Enem. “Seria uma maneira de valorizar e otimizar o estudo do aluno”, defende.
Ele ressalta, porém, que nenhum desses cursos, mesmo os voltados para a admissão na graduação, terá sentido caso não sejam aproveitados os recursos tecnológicos. “Sem o uso da tecnologia e da informação e sem essa diversificação do ensino superior, ficará inviável para o governo cumprir a meta de ampliação do acesso à universidade”, conclui.
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