Após a escalada de denúncias de abuso e violência contra mulheres no transporte público, a Câmara discute uma proposta que torna crime constranger alguém mediante a prática de ato libidinoso sem consentimento, como os registrados na semana passada em São Paulo. O projeto, apresentado nessa segunda-feira (4) pelo líder do Solidariedade na Casa, Áureo (RJ), prevê pena de um a cinco anos de prisão para quem for condenado por constranger sexualmente outra pessoa. O deputado vai pedir que a proposta seja votada em regime de urgência.
A mudança legislativa foi sugerida uma semana após a decisão do juiz José Eugênio do Amaral Souza Neto de liberar um homem que ejaculou em uma mulher em um ônibus, menos de 24 horas após sua prisão, alegando que não houve “constrangimento tampouco violência” por parte do acusado. Em seu despacho, o juiz considerou que o caso se enquadrava como “importunação ofensiva ao pudor”, uma contravenção penal, que não prevê pena privativa de liberdade. Na visão do magistrado, o episódio só poderia ser classificado como estupro se houvesse provas de violência ou grave ameaça, conforme estabelece o Código Penal.
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Três dias depois, o mesmo homem, o ajudante de serviços gerais Diego Ferreira de Novais, de 27 anos, voltou a assediar outra mulher no transporte coletivo. Nesse caso, porém, ele foi preso preventivamente por estupro após esfregar suas partes genitais em uma mulher e tentar segurar a vítima.
Áureo defende a criação de um delito intermediário, entre o estupro e a importunação ofensiva ao pudor, para reprimir crimes como o praticado pelo ajudante de serviços: o constrangimento sexual. Pelo novo tipo penal, a pena será de reclusão de 1 a 5 anos. Se a vítima for menor de 18 e maior de 14, a punição será de 3 a 8 anos. Se o crime for praticado em lugar público ou de acesso público, como transporte coletivo, a pena seria agravada em um quinto, podendo chegar a quase 10 anos de prisão.
Pela Lei 12.015/2009, caracteriza-se como estupro “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Nesse caso, a pena prevista é de 6 a 10 anos de prisão. Caso a vítima tenha entre 14 e 18 anos, a punição sobe para 8 e 12 anos de reclusão. Se houver morte, vai de 12 a 30 anos.
PublicidadeO capítulo do Código Penal que trata da liberdade sexual tipifica, além da importunação ofensiva ao pudor e do estupro, os crimes de ato obsceno (em local público), assédio sexual (quando há relação de hierarquia entre vítima e assediador), e satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (menor de 14 anos).
Segundo o autor do projeto, a legislação atual não é suficiente para coibir a onda de crimes contra mulheres. “Nenhum desses enquadra casos como a ejaculação na mulher, beijo forçado que ofenda a dignidade sexual e toque nas partes íntimas da vítima, por exemplo”, diz Aureo. “Com isso, o julgador fica limitado pelos requisitos da própria lei e não pode aplicar punição mais grave”, acrescenta o deputado.
O líder do Solidariedade vai pedir urgência para votação do projeto. “Precisamos preencher o vácuo legislativo que hoje assombra a sociedade diante de casos como os relatados nos transportes públicos. Trata-se de uma solução legislativa bastante esperada pela população e que exige pronto atendimento do Congresso Nacional”, alega o deputado.
Acusado de abusar de duas mulheres em menos de uma semana dentro de um ônibus em São Paulo, Diego Ferreira foi preso no último sábado pela quarta vez por estupro. Ele já havia sido detido 13 vezes por atos obscenos e importunação ofensiva ao pudor.
Ao liberá-lo da prisão na última quarta-feira, um dia após ter sido preso, o juiz José Eugênio disse que o caso não poderia ser enquadrado como crime, apenas como contravenção. “Entendo que não houve constrangimento tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em um banco de ônibus, quando foi surpreendida pela ejaculação do indiciado”, escreveu o juiz em seu despacho. A decisão foi criticada por diversas entidades e por ativistas de direitos humanos e feministas.
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