Deputados rejeitaram há pouco em plenário, com 205 votos a favor e 238 contra, com uma abstenção, o trecho da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 77/2003 referente ao sistema eleitoral chamado “distritão” – voto majoritário para deputados federais e estaduais (já a partir de 2018) e vereadores (2020 em diante), em modelo que elege quem recebe mais votos e, segundo seus críticos, favorece a reeleição e os candidatos mais conhecidos e impede a renovação. Para aprovar tal tipo de proposição, são necessários ao menos 308 votos, 103 a mais do que foi obtido no final da noite desta terça-feira (19). A frustração sobre o baixo número de apoio à PEC 77/2003 foi tal que o outro item nela reunido – fundo público de campanhas eleitorais – sequer foi levado a votação.
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“205 é muito pouco, hein?”, disse um deputado em plenário, depois de anunciado o resultado da votação e confirmada a desidratação da reforma política na Câmara.
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O texto rejeitado em plenário foi o substitutivo do relator Vicente Candido (PT-SP) para a PEC 77/2003, que também previa sistema distrital misto a partir das eleições de 2022. Por esse modelo, o eleitor vota duas vezes: a primeira, em candidatos em disputa em um dos distritos em que o estado foi dividido; a segunda, em uma lista de candidatos preordenada pelos partidos no pleito.
Já o “distritão” determina a eleição dos mais votados em cada estado, como nas votações majoritárias (presidente da República, governadores, senadores e prefeitos), reunidas as regiões eleitorais estaduais em único grande distrito, origem do apelido. Assim, põe-se fim ao modelo de redistribuição de votos em que candidatos campeões nas urnas elegem outros com poucos votos em uma coligação, como é feito no atual sistema proporcional (deputados e vereadores). Mas mesmo antes da votação, o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP), já havia sinalizado a dificuldade de aprovação de um e outro modelo.
“Votaremos aqui contrariamente às mudanças no sistema eleitoral previstas na PEC 77. Votaremos a favor da possibilidade de coligações em 2018, do fim das coligações a partir de 2020 e da cláusula de desempenho, que vai garantir um quadro partidário mais nítido para a população de nosso país e um quadro partidário mais fortalecido”, sintetizou o petista, completado pelo colega Ivan Valente (Psol-SP).
“Chegamos a um acordo para derrotar a proposta que era o sumo da reforma política: distritão, distrital misto, fundão. Então, nós vamos votar para derrotá-la. Isso mostra como é patético. Como se faz uma reforma política a 15 dias de vencer o prazo para mudar sistema político, para mudar financiamento de campanha? E, no futuro, virá o tal do distrital misto, que é defendido pelo PSDB para chegar ao parlamentarismo rapidamente. É isso que querem votar aqui e que nós vamos derrotar”, emendou o deputado paulista.
Mas houve quem tenha defendido a PEC 77/2003 em plenário. “Se há uma certeza neste país é de que o sistema atual deu errado. O que nós mais escutamos nos quatro cantos do Brasil é que a população sente fragilidade no seu elo com esta Casa, na sua representação. Se há fragilidade no elo com esta Casa, na representação, como alguns podem defender com tanta veemência a manutenção desse sistema?”, reclamou Daniel Coelho (PSDB-PE).
A propósito:
O tucano teve discurso endossado por Arthur Lira (PP-AL). “Nós, do Partido Progressista, defendemos o sistema eleitoral do sistema majoritário, como sistema de transição para 2022, o distrital misto. O Brasil precisa ter tempo para discutir, tempo para implementar, para saber que trinta e tantos partidos políticos no país, 20 e tantos representados neste Congresso Nacional, não há representação popular que resista! O deputado não representa o seu povo, nem dá sustentação a sistema de governo nenhum”, defendeu o parlamentar alagoano.
Segue o baile
A PEC 77/2003 já teve diversos conteúdos negociados em plenário, mas nenhum deles deu sinais de que poderia reunir ao menos 308 votos de apoio. Com o desempenho insuficiente da proposta – nas últimas semanas, diante do cenário desfavorável e depois de diversos adiamentos de votação, Vicente Cândido sequer foi visto defendendo seu relatório em plenário –, a Câmara abriu caminho para outra PEC, esta relatada pela deputada Shéridan (PSDB-RR). Também sem consenso em torno de seu conteúdo, a PEC 282/2016 estabelece limites às coligações partidárias e à cláusula de barreira, que privilegia os partidos com mais votos e, consequentemente, restringe o acesso ao dinheiro sazonalmente distribuído para as legendas via Fundo Partidário.
Mas tanto uma quanto outra PEC dificilmente terá tramitação concluída até o início de outubro, a tempo de valer para as eleições de 2018. São exigidos dois turnos de votação para tal tipo de matéria, com intervalo de cinco sessões entre cada um. Mesmo assim, o vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (PMDB-MG), já avisou: “Nós vamos votar essa matéria [PEC 282/2016] nem que o dia amanheça”. Com o resultado da primeira votação anunciado pouco depois das 23h, a sessão desta terça-feira (19) deve adentrar a madrugada desta quarta-feira (20).
E, se a primeira PEC naufragou, nada indica que a segunda navegará em mares mansos. “Nós, do PMDB, vamos votar a favor do fim das coligações para 2018. Eu, particularmente, sou favorável ao fim das coligações. Na verdade nunca deveria nem existir coligação, assim como a subfederação. A federação, tudo bem, porque protege os pequenos partidos ideológicos, mas subfederação é para promover a continuação dos partidos que existem apenas debaixo do sovaco do dirigente partidário, é para fazer balcão de negócios. Nós não podemos permitir que haja a continuação dos balcões de negócio, que ocorrem durante os períodos eleitorais, que são fundamentalmente a raiz de toda corrupção que nós estamos vivendo”, defendeu Hildo Rocha (PMDB-MA).
Por sua vez, o deputado João Rodrigues (PSC-SC) criticou os próprios rumos que a reforma política tomou na Câmara. Para ele, os responsáveis pela condução dos debates “levaram com a barriga”, uma vez que a sugestão de lei com mais chances de aprovação só terá efeitos a partir de 2020: a proibição das coligações partidárias nas eleições proporcionais, um dos temas centrais da PEC 282/16. “Vamos dizer ‘não’ a tudo que poderia ser novo e aprovar uma série de coisas para 2020. O que estamos evitando votar o Tribunal Superior Eleitoral fará em 2018, porque me parece que já não vai haver coligações”, vislumbrou.
A discussão sobre a PEC da deputada Shéridan já está em curso em plenário. Partidos como PT, PDT, PCdoB, PPS e Podemos já anunciaram obstrução dos trabalhos (mais de dez legendas haviam anunciado obstrução a certa altura do debate), em sinal de que a proposição enfrentará muitas dificuldades e só será votada em plena madrugada. Ou sequer chegará a ser votada nesta sessão deliberativa.
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