Ludmila Tito Fudoli*
Se os bate-bocas, atos secretos e últimos escândalos ocorridos no Senado reabriram a discussão sobre a redução do número de parlamentares e sobre a extinção daquela Casa, o teor de algumas das leis ordinárias publicadas nesse ano constitui definitiva pá de cal sobre o defunto e fétido Poder Legislativo.
Existe um site por meio do qual é possível ter acesso à toda a produção legislativa brasileira, dividida por ano e espécies normativas. Foi lá que me deparei com algumas das novidades do ano de 2009.
A Lei nº 11.983, do último dia 16 de julho, por exemplo, revogou o artigo 60 da Lei de Contravenções Penais que impunha pena de prisão simples de quinze dias a três meses àqueles que mendigavam por cupidez ou ociosidade. Lei muito coerente. Se o sistema não dá a mínima importância para a cobiça dos lavadores de dinheiro e daqueles que transformam recursos públicos em privados e os desviam para o exterior, por que haveríamos de nos preocupar com a cobiça dos mendigos?
A notícia de que os presos já não possuem fichas e não usam mais orelhões não chegou ao Congresso. Falha de comunicação. Resultado: a Lei nº 12.012 impôs a rigorosa pena de 3 meses a 1 ano de detenção à pessoa que “ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional”.
Fazendo uma contagem rápida, constatei número que vai causar inveja aos vereadores. Quase 10% das leis ordinárias publicadas em 2009 dizem respeito a novas denominações de ruas, praças, rodovias e pontes. A ponte transposta sobre o Rio Tacutu, no Km 133, por exemplo, passou a ser denominada Ponte João Monteiro Barbosa Filho. Já no Km 120 a ponte sobre o mesmo Rio Tacutu se chama “Ponte Prefeito Olavo Brasil Filho”. Excelentes inovações legislativas trazidas pelas Lei de nº 11.919 e 11.918, ambas de 9 de abril de 2009. Que dia produtivo, não? Podia virar nome de romance: A Ponte sobre o Rio Tacutu e seus dois nomes.
Com todo o respeito ao ex-Governador Mário Covas, político natural de Santos que construiu sua trajetória política em São Paulo, fiquei sem saber por que o Complexo Industrial e Portuário do Pecém, no Estado do Ceará, deveria receber seu nome e ser objeto da Lei nº 11.915?
Não bastasse o Congresso estar dando nome às pontes, está também dando nome aos bois, digo, aos dias.
Nada contra os vaqueiros nordestinos, mas será mesmo necessário instituir o dia deles, que deve ser matematicamente comemorado no terceiro domingo do mês de julho por determinação da Lei nº 11.928? Fiquemos aliviados. Podia ser pior. Se o dia escolhido fosse útil, poderiam ter instituído outro feriado nacional.
Mas, cuidado! Essa possibilidade não está descartada! Atenção, caminhoneiros e amantes da Bossa Nova! Os dias 16 de setembro e 25 de janeiro foram dedicados a vocês!
A Lei nº 11.932 também me deixou intrigada. Seu objeto: inscrever o nome do Brigadeiro Sampaio no livro dos Heróis da Pátria.
Primeiramente, fiquei preocupada com o nível do meu histórico escolar. Nunca ouvi falar no referido militar. Não tenho a menor idéia do que ele tenha feito para ser considerado “herói da Pátria”.
Não me espantarei se disserem que ele desempenhou papel importante nas guerras de que participou. Temos essa mania. Condecoração ao presidente que presidiu, medalha ao cachorro que latiu, elogio ao servidor público que recebeu seu salário inteiro e não faltou ao trabalho, homenagem ao empresário que contratou muitos funcionários e lucrou com o trabalho deles, palmas para quem achou dinheiro alheio e devolveu.
Depois fiquei me perguntando quem pode ser considerado herói da Pátria e descobri que existe outra lei ordinária, publicada em 2007, que prevê que “o Livro dos Heróis da Pátria, depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, destina-se ao registro perpétuo do nome dos brasileiros ou de grupos de brasileiros que tenham oferecido a vida à Pátria, para sua defesa e construção, com excepcional dedicação e heroísmo”. Objetividade zero.
Continuo sem saber quem elege os heróis da pátria. Por um instante, pensei em sugerir que a população fosse consultada sobre seus heróis. A idéia não é boa. Arrepia-me a possibilidade de assistir a eleições para heróis da pátria. E a programas transmitidos pela televisão para que os candidatos exponham suas idéias. Ou ainda, poderíamos ter que nos submeter à indicação de algum “big brother” ou de um ídolo do campeonato brasileiro para ocupar o cargo. Ou a ter que assistir à sabatina do eleito pelo Senado.
Melhor esquecer a história dos heróis. Vamos tentar salvar a Pátria. Ou o que ainda resta dela.
*Advogada da União
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