Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o diretor do programa de estudos brasileiros da Universidade de Harvard, o inglês radicado nos EUA Kenneth Maxwell, defendeu a existência de um partido conservador no Brasil.
"O que o Brasil precisaria mesmo era de um partido conservador moderno, que fosse honesto ao defender o liberalismo e que assumisse suas crenças. Seria uma grande revolução. Já existe um partido de centro-esquerda, que é o PT. O que faltou na última eleição era: quem é a centro-direita? Serra tem estado sempre à esquerda de Lula, mas o PSDB tem mais alianças à direita".
Na avaliação do brasilianista, o PSDB não defende o seu legado e o PT hoje é um partido "com muito índio, mas só um cacique, porque não tem quem suceder o Lula".
Leia os principais trechos da entrevista:
Reformas necessárias
“Reforma tributária, diminuir a distância entre ricos e pobres, melhorar a polícia, dar segurança às áreas das grandes cidades brasileiras dominadas pelo narcotráfico e melhorar a performance da burocracia estatal. A questão é se Lula vai usar a popularidade que provou ter na eleição para acelerar as reformas. Nada no Brasil muda rápido. A maldição do segundo mandato é forte, ele terá que correr nos primeiros seis, nove meses de lua-de-mel. Depois, já vai começar a disputa por quem será seu sucessor”.
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Consolidar conquistas
“Ele [Lula] precisa consolidar suas conquistas, aprofundar a diminuição das diferenças entre ricos e pobres, esse equilíbrio que começou a mudar e é algo muito positivo, que nunca tinha acontecido na história brasileira. Ainda é marginal, mas está na direção correta. Não só pelo Bolsa Família, mas pela estabilidade dos últimos doze anos".
Vitória surpreendente
“Sua vitória [Lula] foi tão surpreendente que até agora a classe média e a classe alta estão chocadas pela atitude das massas”.
Partido de centro-esquerda
"Há um perigo aí. Brasileiros sempre tentam dar um novo nome a algo quando não conseguem consertar o que já existe. O que o Brasil precisaria mesmo era de um partido conservador moderno, que fosse honesto ao defender o liberalismo e que assumisse suas crenças. Seria uma grande revolução. Já existe um partido de centro-esquerda, que é o PT. O que faltou na última eleição era: quem é a centro-direita? Serra tem estado sempre à esquerda de Lula, mas o PSDB tem mais alianças à direita.
Privatizações
“Ainda persistem dúvidas ou uma percepção de que houve negócios obscuros durante as privatizações. Não há provas, ninguém sabe, mas muita gente acredita nisso. A ironia é que hoje a maior parte dos brasileiros têm celulares e as linhas fixas foram vendidas para espanhóis, italianos, portugueses em um momento em que a tecnologia celular estava emergindo. Os estrangeiros pagaram muito dinheiro por essas linhas. De forma objetiva, o governo ganhou. Se houvesse um sólido partido conservador, teria dito durante a campanha: "Estamos felizes pela privatização". O PSDB fugiu do problema.
Lula-FHC
“FHC não soube se reinventar como ex-presidente. Sarney ainda é poderoso no sistema político, descolado do seu governo. FHC vive relembrando seu governo e se defendendo. A saga Lula-FHC se tornou tão visceral que é necessário um psicólogo para saber quando as diferenças políticas terminam e quando começa a provocação mútua. É uma pena porque o Brasil deve muito de sua estabilidade, continuidade e espírito democrático ao que ambos significam e mantiveram como presidentes. Em seus diferentes estilos, ambos são homens admiráveis, e não somente no contexto brasileiro”.
PSDB versus PT
“O PSDB era um partido de líderes, de caciques, sem índios. Eles têm cinco candidatos para 2010. Esse foi o problema deles durante a campanha, eles já estavam disputando 2010 em 2006. E agora o PT é um partido de índios com um só cacique. Sem Lula, não se sabe quem será o sucessor”.
Escândalos de corrupção
“Acho que o governo será como qualquer outro governo brasileiro. O risco é que haja pessoas que saibam coisas e queiram usá-las. Escândalos surgem quando algo está para mudar. Tirando o último, o do dossiê, todos os outros se referiam a coisas que aconteciam há anos. Como historiador sempre me pergunto: por que esse escândalo surgiu agora, e não no mês passado ou há dois anos? Sempre há uma razão para se preocupar e saber o que está por trás de cada um”.
Política externa
“O Brasil sempre aspirou a ser uma força e agora é. Isso traz problemas e você tem que enfrentá-los. A América Latina tem problemas. Chávez é um problema, Evo Morales é outro, e a Argentina provavelmente será mais um nos próximos 12 meses. Não adianta só dizer "somos grandes amigos e formamos uma só região". O mesmo em negociar com Europa e EUA, que são complicados. O Brasil nunca decidiu como negociar e o que negociar com os EUA, com Alca ou sem. Se você quer acesso ao mercado americano, que o Brasil quer e precisa, você precisa trabalhar com o sistema americano, ter negociadores duros, fazer lobby”.