Sionei Ricardo Leão, especial para o Congresso em Foco
Doutor em artes plásticas, o professor da Universidade de Brasília (UnB) Nelson Inocêncio é um ativista da causa da igualdade racial reconhecido nacionalmente. Para ele, é inegável o avanço conquistado pelos negros no país desde a implantação das cotas nas universidades. Mas o momento, acredita, é de reavaliar as políticas afirmativas, voltadas sobretudo para a população afrodescendente.
Um dos maiores desafios, aponta, está na área da segurança pública em razão dos dados alarmantes sobre homicídios de jovens negros. Em Brasília, para cada jovem branco assassinado, há sete jovens negros vítimas de homicídio, exemplifica o professor. Uma realidade que se repete em todo o país, segundo as estatísticas. “Os governos, com uma mão, oferecem e implementam medidas para o avanço; e com a outra, agridem. Isso é muito estranho”, diz Nelson Inocêncio.
De acordo com o último Mapa da Violência, divulgado este ano, houve um salto assustador no número de vítimas de assassinato negras na última década. Enquanto diminuiu de 19.846, em 2002, para 14.928, em 2012, o contingente de vítimas brancas, o de negras aumentou de 29.656 para 41.127 no mesmo período.
“Precisamos de medidas mais enfáticas em relação à violência, porque estamos numa situação limite. Esse dano terrível que é a mortalidade da população negra precisa ser enfrentado”, defende. Militante do PSB, mesmo partido do governador eleito, Rodrigo Rollemberg, o professor diz que é preciso reformular a secretaria distrital de Promoção da Igualdade Racial para enfrentar problemas de gestão e aproximá-la das demandas da sociedade.
Congresso em Foco – A seu ver, qual é o contexto em que estamos quando se trata da defesa da igualdade racial e combate ao racismo no Brasil?
Nelson Inocêncio – Estamos num momento em que precisamos avaliar o alcance dessas políticas, pois nos falta compreensão mais abrangente sobre os êxitos delas. Além disso, precisamos nos situar do ponto de vista institucional. É inquietante verificar que, ao mesmo tempo em que o Estado adota ações avançadas nessa área, por outro, conduz e mantém um aparato que reprime de forma extremamente violenta a população afrodescendente, principalmente, a juventude negra. Ou seja, os governos, com uma mão, oferecem e implementam medidas para o avanço; e com a outra, agridem. Isso é muito estranho.
O que o leva defender que é momento de reflexão?
Em primeiro lugar, temos que reconhecer que o Brasil é outro desde a adoção dessas políticas afirmativas, até porque se passaram pelo menos dez anos de que essas ações vêm sendo adotadas na área da igualdade racial, um conceito que se consagrou. Portanto, é chegada a hora de verificarmos os resultados disso tudo. Ao mesmo tempo, é preciso mais diálogo com os movimentos sociais propiciados pelas estruturas de governo que estão à frente desses projetos. Estou me reportando à Seppir nacional (Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República) e às pastas correlatas nas esferas estaduais e municipais. Um bom exemplo é o Juventude Viva, adotado pelo governo federal, que tem um papel preventivo, que pode ser um mote para compreendermos a qualidade dessas políticas. Em resumo, penso que não basta adotar essas ações. Precisamos de medidas mais enfáticas em relação à violência. Repito isso sempre porque estamos numa situação limite. Esse dano terrível que é a mortalidade da população negra precisa ser enfrentado.
Um dos maiores alcances dessas políticas tem a ver com as cotas nas universidades…
Sim. A UnB onde leciono é um espelho disso. Hoje ao caminharmos pelo campus da instituição é evidente que houve uma mudança marcante. Quero dizer, não se pode ignorar que as reservas de vagas garantiram o ingresso de milhares de jovens negros nos cursos, o que é um dado novo, uma realidade importante. Isso também está ocorrendo em praticamente todos os estados, o que nos leva a refletir e considerar sobre novas relações acadêmicas em todos os sentidos.
Falando um pouco agora da sua militância partidária, como o PSB trata internamente temas como diversidade, tolerância religiosa e combate ao racismo?
O PSB possui na sua estrutura um conjunto de segmentos que constituem o movimento social, como o movimento de mulheres, LGBT, juventude, sindical, popular e movimento negro. Tais segmentos vêm alimentando o projeto político do partido há anos. De modo que um governo protagonizado pelo PSB deve contemplar as demandas apresentadas pelos próprios núcleos do partido. É nesse sentido que eu vejo a futura gestão Rollemberg, ou seja, que não prescindirá do compromisso com a causa negra e outras causas.
Qual é o perfil do movimento negro no PSB?
Dentro de nossa legenda esse segmento chama-se Negritude Socialista Brasileira (NSB), que está organizado nacionalmente e que possui uma executiva nacional composta por dez membros. No DF a NSB teve papel relevante há quatro anos na discussão juntamente com PCdoB, PDT e PT, que se traduziu numa carta ao governador e que derivou na criação da atual Secretaria para a Promoção da Igualdade Racial do DF.
Mas vocês não compuseram a pasta…
Na época o PT, após a criação da secretaria, decidiu não compartilhar responsabilidades no que diz respeito à formulação de políticas na questão racial, assumindo integralmente a secretaria e recusando dividir decisões e compromissos com a base aliada. Por isso, decidimos não integrar formalmente a pasta. Mais tarde houve um rompimento, inicialmente, em nível local, quando em plenária realizada em dezembro de 2012, o PSB-DF decide sair da base aliada que dava sustentação ao governo Agnelo. No ano seguinte, o PSB nacional também deixou a base de apoio ao governo Dilma Roussef e deu inicio à construção da candidatura de Eduardo Campos à presidência da República, até porque as práticas de não compartilhamento eram gerais. Na minha avaliação, o governo Agnelo se aproximou muito mais dos partidos de direita que compunham a sua base aliada, confinando ao isolamento os outros partidos.
O que o PSB tem a oferecer na área da igualdade racial ao DF?
O partido tem a oferecer para a população negra políticas públicas que denotem o reconhecimento do Estado com a dividida histórica de cunho racial com a população afrodescendente.
Em termos de ações como se traduz isso?
No plano da segurança queremos garantir e intervir para enfrentar as taxas alarmantes de mortalidade da população negra. Pretendemos contribuir para a realização de cursos perenes nas escolas de polícia para a mudança da qualidade da intervenção policial. Na educação, a meta é a do desenvolvimento de um programa efetivo para a implementação das mudanças na Lei de Diretrizes e Bases, fruto da promulgação das leis 10.639 e 11.645 (ensino da temática indígena). É igualmente importante garantirmos a manutenção das políticas de acesso da população ao ensino superior. Na cultura, a intenção é a do fortalecimento das entidades religiosas de matriz africana como o fomento de iniciativas artísticas e culturais protagonizados por negros e negras. No Fundo de Apoio à Cultura (FAC), como já acontece em nível federal, por exemplo, deve-se destinar uma parcela dos recursos para a cultura afro-brasileira. Na saúde, implementação de cursos de qualificação dos profissionais para apreender a lidar com as enfermidades que afetam com mais frequência a população negra, porque há um profundo desconhecimento sobre isso. Nas relações de trabalho, desenvolvimento de estratégias sistemáticas ao racismo institucional nas empresas públicas. Aprimoramento dos mecanismos de combate à discriminação racial no trabalho.
É possível dar conta disso com a atual estrutura?
Boa pergunta. A nossa compreensão é que a pasta precisa se fortalecida e contar com aporte de recursos. Há várias demandas, mas acrescento outra muito relevante que é a da mulher negra, na área da saúde. Isso é decisivo porque há vários indicadores que apontam para uma fragilidade desse segmento na rede hospitalar. Penso também que a valorização da estética e da autoestima têm um recorte especial na questão de gênero.
Existem críticas que vêm circulando na imprensa, classificando a Sepir-DF como outras pastas da atual gestão como espaços de mero preenchimento de cargos e que, portanto, deveriam ser extintos ou reduzidos. O que o senhor pensa a respeito?
Quando um órgão público possui problemas de gestão, nós extinguimos o órgão ou mudamos a gestão, essa é a grande questão? Tudo tem a ver com prioridades. Consideremos o fato da população negra do DF ser mais de 53% do contingente local, consideremos o fato dessa população viver as mais diversas vulnerabilidades, como no caso da violência que atinge de forma fatídica a juventude negra. Éramos, ate 2012, a quarta unidade mais violenta da federação e nesse mapa o recorte racial também assusta. Em Brasília, para cada jovem branco morto, sete jovens negros perdem a vida vítima de homicídios. Somos umas das unidades da federação onde a população negra mais cresce proporcionalmente. Todavia, é um crescimento desassistido, o que nos obriga a pensar a otimização das políticas públicas. Logo, razões existem de sobra para justificar a existência de uma secretaria, o que não significa concordar com sua má gestão.
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