Mas há um segundo risco. Perder até o que ainda não voltou para os cofres públicos. “O Brasil corre o sério risco de ter os recursos desbloqueados do exterior”, alerta o diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI) do ministério, Ricardo Andrade Saadi. “Os países dizem que vão manter os recursos bloqueados por um período razoável para se ter uma definição no processo. Esse período razoável de tempo que demora um processo no Brasil não é considerado razoável na maioria dos países”, explica ele, em entrevista ao Congresso em Foco.
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Delegado da Polícia Federal com formação em Direito e Economia, Saadi enfatiza a necessidade de não só prender os criminosos. É preciso, principalmente, “asfixiar financeiramente” as organizações e quadrilhas tomando seus bens, como dinheiro, veículos, imóveis, aeronaves e embarcações. Para ele, o país tem postura exemplar em bloquear o patrimônio dos criminosos por meio do bloqueio de bens no Brasil e no exterior, muitas vezes em complicadas operações de lavagem de dinheiro. O valor já chegou a US$ 3 bilhões entre 2004 e 2013 (equivalente a R$ 6,7 bilhões).
Valor bloqueado hoje era inimaginável anos atrás, diz Saadi
PublicidadePorém, Saadi aponta as leis que permitem uma série de recursos protelatórios como a causa para a demora no Judiciário brasileiro. Sem o término do processo no Brasil, as autoridades dos outros países se recusam a repatriar os valores bloqueados lá fora. E ainda corre-se o risco de ver o dinheiro ser desbloqueado.
A demora no processo ainda pode fazer com que o acusado morra. Nesse caso, o dinheiro e demais bens retorna para o espólio do suspeito.
Para acelerar o andamento dos processos, Saadi aponta a necessidade de fazer com que os recursos judiciais não impeçam a execução das condenações. Nesse caso, já haveria o chamado “trânsito em julgado” dos casos, o sinal verde para repatriar os valores no exterior e evitar um desbloqueio.
No mês passado, o Senado quase aprovou a chamada PEC dos Recursos (PEC 15/11), proposta pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Cézar Peluso, que tem o efeito de determinar o cumprimento das punições após um julgamento de segunda instância. O acusado ainda poderia recorrer aos tribunais superiores – por meio das chamadas “ações rescisórias” – mas teria que fazer isso preso, com o dinheiro devolvido ao Estado ou cumprindo qualquer outra ordem da sentença.
O diretor de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo de Castro Pereira, diz que a PEC dos Recursos é uma alternativa. A outra é a mudança no Código de Processo Penal, também em andamento no Congresso. Entretanto, ele diz que o ministério ainda dialoga com os senadores para fazer ajustes no texto e melhorá-lo. “É para evitar questionamentos de ferirmos o direito ao contraditório e à ampla defesa, previstos na Constituição”, explicou Marivaldo à reportagem.
Brasil resgata só 4% do dinheiro lavado no exterior
Mais dinheiro para se defender
Como mostrou o Congresso em Foco, só 0,1% dos presos no Brasil estão atrás das grades por corrupção. A maioria está lá por furto, roubo ou tráfico, boa parte por pequenas ações de comércio de drogas. Saadi inclui no cenário a inexistência de absolutamente nenhum preso por lavagem de dinheiro, segundo os mesmos dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
Para ele, o motivo também são as leis que permitem muitos recursos em processos e impunidade para quem tem mais dinheiro para bancar os bons advogados que conhecem o sistema. “Aqueles bons advogados conhecem o sistema legal e, ao conhecerem, usam todas as ferramentas à disposição”, afirma Saadi. “A grande maioria das pessoas que cometem crimes financeiros e de lavagem de dinheiro são pessoas com alto poder financeiro, com condições de contratar bons advogados.”
Apesar dos riscos, o delegado e diretor do DRCI vê avanços graduais no combate à impunidade. “Está se caminhando a passos razoáveis para a impunidade acabar porque muitas organizações de criminosas pararam de atuar por causa do bloqueio de bens que elas tinham. Nesse sentido, não houve impunidade porque tirou os recursos de fato”, afirmou.
O futuro do dinheiro bloqueado ainda precisa ser garantido. “Os recursos estão bloqueados até acabar o processo. Esse processo vai acabar quando? Vai acabar como?”, questionado Saadi.
Dantas e Paulinho da Força
Mestre e doutor em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie com trabalhos sobre lavagem de dinheiro, Ricardo Andrade Saadi está na Polícia Federal desde 2002. Em 2008, deu continuidade às investigações da Operação Satiagraha, cujo objetivo era apurar crimes financeiros supostamente cometidos pelo banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity.
No mesmo ano 2008, esteve à frente da operação que prendeu o traficante colombiano Juan Carlos Abadía, extraditado para os Estados Unidos um ano depois.
Em 2009, Saadi chefiou a Operação Santa Teresa, que apurou desvios de empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), deixou nove pessoas na prisão e resultou no inquérito 2725 a que o deputado Paulinho da Força (SDD-SP) responde no STF.
Em 2010, Saadi – são-paulino de 38 anos, nascido em Vargem Grande do Sul (SP) – assumiu a direção do DRCI do Ministério da Justiça, cuja maior missão é repatriar o dinheiro do crime lavado no exterior. De todo o montante de 400 milhões de dólares ainda bloqueados, só R$ 40 milhões foram repatriados, graças às fragilidades da lei brasileira.
Entrevista: veja os principais trechos da conversa
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