Sionei Ricardo Leão e Mourad Belaciano
A chegada de Reda Mansour ao Brasil, em 2014, para chefiar a Embaixada de Israel contou com ampla repercussão na imprensa em razão de ele ser etnicamente um árabe da etnia drusa [pequena comunidade religiosa autônoma que reside sobretudo no Líbano, Israel, Síria, Turquia e Jordânia]. A nomeação do embaixador foi cercada de interesse, sobretudo, por ter ocorrido logo após o conflito entre Israel e a Palestina, no verão de 2014.Na época, a presidente Dilma Rousseff tinha de volta ao país o embaixador brasileiro sediado em Jerusalém. Uma forma de retaliação diplomática considerada bastante agressiva e que desagradou muito a sociedade israelense. Nesta entrevista ao Congresso em Foco, Mansour fala da etnia Drusa e indica que o Brasil está trabalhando com Israel para a confecção de um drone brasileiro.
Congresso em Foco – Qual o status dessa chancelaria no Brasil para o corpo diplomático israelense?
Reda Mansour – É um cargo muito alto. Chega aqui apenas o diplomata que está no nível mais alto da chancelaria israelense. Até porque Brasil e Israel têm relações muito profundas. Chegamos a um acordo de R$ 1,5 bilhão de intercâmbios comerciais. Com toda a crise, nada se modificou. Em relação às forças Armadas, a indústria de armamento de Israel é muito alinhada com a Embraer. Estivemos trabalhando com a Marinha de Guerra do Brasil no mês passado, apresentamos um drone (avião não tripulado) que servirá de protótipo ao um drone brasileiro. Estamos finalizando um protocolo de cooperar com o Brasil do desenvolvimento de aeronaves de abastecimento, porque o Brasil precisa muito pela sua dimensão continental.
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De modo geral, como o senhor avalia a imagem de Israel internacionalmente?
Há uma falta de conhecimento mais profundo sobre a região e seu contexto histórico e político. Com tantas tecnologias disponíveis, se torna mais fácil promover e divulgar informações equivocadas. Talvez o governo de Israel precise investir mais na propagação de notícias que mostrem de forma mais clara a realidade local. A nossa região produz muitas notícias e temos que primar em difundir informações que reforçam a importância de Israel no Oriente Médio para o mundo. Infelizmente, existe uma preponderância da mídia em priorizar, sob um determinado foco, o conflito com a Palestina, o que leva a várias distorções. Até porque esse conflito é político. Não é religioso, tampouco cultural. Temos árabes como embaixadores, professores e até generais.
A sua nomeação para chefiar a embaixada de Israel no Brasil teve boa repercussão, uma vez que o senhor é de uma etnia árabe…
Muitos meios de comunicação no Brasil publicaram que um druso ia ser o embaixador por causa da crise. Mas minha escolha aconteceu três meses antes. Foi pessoal. Não teve nada a ver com política. Eu já tinha servido em Portugal e tinha o desejo de ocupar essa função no Brasil.
Qual é a origem do povo druso?
Basicamente, quando falamos sobre os drusos, estamos falando de uma religião monoteísta. Nossa história começou no Cairo, em 1017, com um grupo de religiosos que se propôs a criar uma ideologia com elementos do Islã, do judaísmo e do cristianismo. Foi um movimento milenar que absorveu várias influências como a filosofia grega de Sócrates e Platão. Houve também a inclusão de ideias do Oriente como o budismo e o hinduísmo.
Existe algo na religião drusa que é singular, que é a crença na reencarnação?
Os drusos creem que o espírito de uma pessoa pode nascer em outro lugar, mas não se pensa que o espírito de um ser humano possa tornar-se de um animal. Agora, essa não é uma ideia estranha para as religiões, pois existe na parte mística, por exemplo, do judaísmo na Cabala.
Então ser druso é uma afinidade religiosa?
Do Egito chegou-se para o Oriente Médio a identidade de um povo que não se resume a religião. Os drusos têm bandeira própria, com cinco cores. Uma conquista nossa é a de conseguirmos manter a independência enquanto povo nas regiões em que estamos, como no Líbano e na Síria. Somos também uma etnia.
Onde vivem os drusos?
Estamos em quatro países. Ao todo, somos cerca de 1,5 milhão de drusos atualmente. Há drusos na Síria, no Líbano, Israel e Jordânia. Em Israel, são120 mil. Temos também imigrantes drusos no Brasil, EUA e Austrália.
Inicialmente, os drusos tinham uma unidade separada no Exército de Israel, qual foi o motivo?
Sim, houve o Batalhão Druso. Por um lado, nós nos empenhamos por manter nossa identidade étnica. Nos primeiros anos, os drusos apenas falávamos árabe, então havia dificuldade de se integrar. Hoje, temos drusos em todos os espaços. Isso significa também que há militares de nossa etnia em todas as unidades das Forças Armadas. Para nós, é um processo importante de integração essa convivência militar.
Como o senhor avalia a interação entre o povo druso e o povo judeu?
De certa forma, os drusos têm desafios semelhantes dos judeus na convivência com outros povos. No entanto, o Estado de Israel convive bem com as minorias. A vida das pessoas de diversas identidades não poderia ser mais tranquila no país, até porque temos 1.5 milhões de árabes no território. Nossa língua é árabe, nossa cultura é árabe. Os drusos, especificamente, vivem em um modelo de convivência que nos dá esperança quanto ao futuro do país. Provam que árabes e judeus não precisam, necessariamente, estar em guerra.
Os drusos participam e estão integrados no Exército de Israel, mas isso não ocorre com todos os árabes?
Os árabes são solidários aos palestinos, por isso, não há serviço militar obrigatório. No entanto, temos serviço voluntário, que recebe muitos muçulmanos. Por esse motivo, foi criado um serviço civil voluntário, para se atuar, por exemplo, em hospitais, posto do governo e polícia nacional.
Em que segmentos da economia os drusos estão mais presentes em Israel?
Hoje, os drusos atuam em várias áreas da economia, mas a maior atribuição é a segurança nacional, o que corresponde a 30% da economia drusa. No mais, a atuação é bastante variada. Um dado relevante é que nas nossas aldeias recebemos muitos turistas. Após esses anos todos, conseguimos ter uma integração que levou a termos drusos em áreas de liderança governamentais como no corpo diplomático.
Essa vocação militar é específica dos drusos em Israel?
Os drusos no Líbano estão nas unidades mais importantes do Exército. Na Síria também. O nosso modo de pensar leva a essa lealdade aos Estados em que estávamos, o que se traduz nessa participação nas organizações militares, mas a segunda prioridade é a nossa comunidade. Essa é uma estratégia de sobrevivência de minorias no Oriente Médio.
E como se dá a relação entre a atividade religiosa e a atividade laica?
Dez por cento de nossa comunidade é de pessoas religiosas. Aos 15 anos, os drusos tem que se decidir se vão seguir ou não essa vocação. Portanto, a grande maioria, ou seja, 80% dos drusos são laicos. O sistema druso de relação entre laicos e religiosos facilita a convivência com a comunidade, não havendo pressão religiosa como ocorre em outras religiões. A característica do ponto de vista do vestuário religioso demonstra que nossa cultura tem tudo a ver com o que herdamos do Egito.