A Copa do Mundo é nossa, e não da Fifa. Assim se pode resumir a opinião do jornalista escocês Andrew Jennings sobre o campeonato mundial de futebol que o Brasil sediará em 2014. Para Jennings, o Brasil deve aproveitar o momento de fragilidade da Federação Internacional de Futebol Associação (Fifa) para impor suas atuais leis e não admitir nenhuma retirada de direitos, como prevê o projeto de Lei Geral da Copa. Jornalista da rede de televisão britânica BBC, Andrew Jennings tem sido uma dor de cabeça constante para a Fifa. Autor do livro Jogo Sujo – o mundo secreto da Fifa, ele denunciou esquemas de corrupção na federação de futebol, que resvalaram também na Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e em seu presidente, Ricardo Teixeira. Na quarta-feira (27), esteve na Comissão de Educação e Desporto do Senado para uma audiência pública. No mesmo dia, concedeu uma entrevista exclusiva ao Congresso em Foco. Segundo ele, a Fifa não tem escolha: ou faz a Copa no Brasil ou não faz em lugar nenhum devido ao pouco tempo que resta para o Mundial de 2014. Some-se isso à crise financeira européia e norte-americana e à falta de estrutura de países como Rússia e Catar. O apelo turístico do Brasil é infinitamente maior, asseverou Jennings.
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“São dois anos e meio. O tempo é curto, e você está apertado por ela para fazer a Copa de qualquer forma. A essa altura, ninguém além do Brasil pode ou gostaria [de sediar a Copa]”, afirmou ele. O momento não poderia ser melhor para o Brasil impor suas condições, disse o jornalista. “Na guerra, você ataca quando o inimigo está fraco”. Ele acha que a presidenta Dilma Rousseff está com a posse da bola. “Este é o melhor momento para a presidenta Dilma dizer: ‘Nós adoramos a Copa, nós vamos fazer o máximo para ganhar a Copa do Mundo, mas nós governamos este país’.”
Jennings disse que os congressistas também devem endurecer com a Fifa porque ela está “na mão” do Brasil. Para ele, os parlamentares que analisam o projeto da Lei Geral da Copa no Congresso não devem aceitar as imposições da Fifa que afrontam as normas brasileiras, como o fim da meia-entrada para estudantes, a permissão para venda de bebidas alcoólicas nos estádios, o comércio exclusivo da Fifa ao redor das arenas e a transferência de responsabilidades sobre os problemas que acontecerem para o governo federal (o Estatuto do Torcedor exige que o organizador do evento seja responsável por qualquer problema durante as partidas).
Ele criticou o fato de os brasileiros não protestarem contra a isenção de impostos já aceita pelo Congresso. Lembrou que a Holanda rejeitou essa proposta quando disputou a sede de uma Copa – mas ficou sem o Mundial.
“Bandido e ladrão”
Na entrevista com o site, Jennings também não poupou o presidente da CBF, Riscardo Teixeira. Os adjetivos usados por ele para qualificar Teixeira são fortes: “bandido” e “ladrão”. Para Jennings, Teixeira deveria ser retirado do comando da organização da Copa de 2014. Sobraram críticas pesadas também para o presidente da Fifa, Joseph Blatter, e para o ex-chefão da entidade João Havelange, ex-sogro de Teixeira.
Andrew Jennings é um dos mais conhecidos repórteres investigativos britânicos. Hoje, ele comanda a revista “Panorama”, da BBC de Londres, programa de TV no qual noticiou que Teixeira, Havelange e outros cartolas do futebol internacional admitiram à Justiça terem recebido subornos nos anos 90. Essa é apenas uma das suas reportagens polêmicas. Em 1989, ele denunciou a Scotland Yard, agência de investigação da Inglaterra, no livro Sctoland Yard’s Cocaine Connection (A Conexão Scotland Yard da Cocaína). Os organizadores dos Jogos Olímpicos foram seus alvos em dois livros, The Lord of The Rings, Power, Money and Drugs in the Modern Olympics (O Senhor dos Anéis, Poder, Dinheiro e Drogas nos Jogos Olímpicos Modernos) e The New Lords of The Rings (Os Novos Senhores dos Anéis).
Sobre as denúncias contra a Fifa, o jornalista afirma acreditar que em no máximo um ano a Suprema Corte da Suíça vai dar ganho de causa à rede de televisão e liberar investigação policial sigilosa que contém mais detalhes dos fatos já noticiados. Leia abaixo o que disse Andrew Jennings ao Congresso em Foco:
Congresso em Foco – De acordo com suas reportagens, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, admitiu à Justiça suíça ter recebido subornos. No que isso pode atrapalhar a organização da Copa do Mundo de 2014?
Andrew Jennings – Pode atrapalhar em várias coisas. Um bandido profissional não pára de roubar. Não é apenas uma ocasião em que ele recebeu várias propinas. Aqui no Brasil vocês têm uma série de evidências que estão sendo investigadas. Não há dúvida nenhuma de que ele é um corrupto. Um excelente trabalho do jornalista Juca Kfouri descobriu que contratos sigilosos foram feitos pela CBF (ele é a CBF) que utilizam dinheiro público e a CBF recebe uma parte dos lucros. O problema para o Brasil agora é vocês têm a Copa do Mundo. Há uma atenção internacional muito maior sobre Teixeira e sobre o Brasil do que jamais houve no passado. O nome dele agora é presença constante nos noticiários mundiais, seja pelas histórias originadas aqui no Brasil e também por histórias que têm a ver com as investigações que a Fifa sofre no momento. O escândalo está em todas as partes. Desde o relatório do senador Álvaro Dias em 2001 [Jennings refere-se à CPI do Futebol]. E também têm as histórias que vêm da Suíça, onde a Fifa está sendo investigada com essas histórias de propina.
O que falta saber?
Quando você está falando de ladrão, existe a possibilidade de existirem crimes dos quais a gente ainda não sabe. Mas o que vai acontecer com certeza é a publicidade que vai ser dada à investigação que corre na Justiça suíça. Para lembrar: existe esse relatório da polícia, que é confidencial, no qual o Teixeira e o Havelange admitiram ter recebido suborno. Esse relatório é confidencial até o momento, mas ele vai ter que ser tornado público. A BBC tomou as iniciativas legais. Tem muita mídia suíça envolvida. Nós já ganhamos o primeiro round desse processo. Teixeira apelou, entrou com recurso. Nós vamos ganhar a sentença na próxima instância. Nós esperamos que isso vá à Suprema Corte. Os advogados da BBC disseram que vamos ganhar, mas que pode levar até 12 meses para a Suprema Corte suíça decidir. Há jurisprudência. A Corte da Suíça já declarou que é um assunto de interesse público. Então, é certeza que isso vai acontecer.
Aqui no Brasil há um projeto de Lei Geral da Copa, feita em acordo com a Fifa, o Ricardo Teixeira e o Ministério do Esporte. O projeto encontra-se em discussão no Congresso. Entre as medidas, há várias coisas que contrariam normas brasileiras para os eventos esportivos locais, como o repasse da responsabilidade do organizador do evento para o governo federal, a permissão de venda de bebidas alcoólicas nos estádios. A Inglaterra aceitaria isso? A Alemanha aceitou isso?
A Inglaterra aceitou alguns dos termos. Mas o governo jamais vai dizer para a população o que eles aceitaram e o que eles não aceitaram. A Holanda, quando estava disputando com a Bélgica, publicou todos os documentos. E foi um sentimento de comoção pública. Eu fui fazer uma filmagem na Holanda e conversei com um professor de direito tributário lá. O professor me disse: “Você pensa que os paraísos fiscais estão no Caribe, mas a Fifa está tentando criar paraísos fiscais dentro do meu próprio país”.
A Holanda aceitou os termos da Fifa?
Não. As exigências tributárias deles afetavam a União Européia.
A Alemanha aceitou alguma coisa na área tributária?
Acho que sim. Não sei os detalhes na Alemanha. A questão é simples aqui: quem governa este país é a Fifa ou o governo federal?
Mas o problema é o risco de o país, ao não ceder, perder a chance de sediar a Copa do Mundo.
Não há nenhuma chance de isso acontecer. Nenhuma chance. Primeiro: qual outro país poderia sediar?
Os Estados Unidos.
Se o Brasil não aceitasse seria por não ter aceitado a corrupção e as imposições da Fifa contra a sua soberania. O Brasil não aceita essas condições e os Estados Unidos aceitam? Então, o Brasil não aceita porque existe corrupção na Fifa e os Estados Unidos vão aceitar? Não acho que isso seja provável.
Argentina, Peru, Colômbia…
Tem uma outra razão. Eles têm bilhões de dólares? São dez homens corruptos no comando da Fifa na Suíça. Três desses dez são latinoamericanos. O mundo ama o Brasil. Vocês não declaram guerra a ninguém, vocês não invadem ninguém, vocês têm o melhor futebol do mundo, uma cultura fenomenal, o clima é ótimo. Blatter falaria alto, mas na hora jamais faria isso. O mundo diria: “Porque o Brasil não aceitou Ricardo Teixeira no comando da CBF, não aceitou as mudanças na legislação tributária, vocês tiram a Copa de lá?”
O Brasil aceitou as mudanças na lei tributária. O que está em jogo agora são outras mudanças.
Não deveriam ter aceito as mudanças na legislação tributária. E deveriam estar criticando isso porque vocês são um país soberano. E fica aí outra razão pela qual os Estados Unidos não aceitariam. Lá, a estrutura tributária é estadual. Na Inglaterra, você tem uma legislação tributária para o país inteiro. Nos EUA, são 50 estados e cada um tem sua legislação. Não chegariam a um acordo único como no Brasil. Se você olhar nas avaliações para a Copa de 2022, o Catar falou “ok” para tudo, porque eles não são um país democrático, eles estão preparados para comprar a Copa do Mundo.
Então? Catar, Rússia, México, não assumiriam isso?
México não poderia. Eles não têm o dinheiro. E você não vai a um país onde 25 pessoas levam um tiro por dia.
A violência no Brasil é alta.
No México, é diferente. O México teria que construir estádios. O México não poderia fazer e os EUA não gostariam.
Absolutamente nenhum país teria condições e o desejo de assumir uma Copa além do Brasil?
Nós vamos tolerar os corruptos e assumir o Teixeira?
E se eu for um país de corruptos?
Você sabe quanto custa? Nenhum país europeu aceitaria. E o resto do mundo não pode pagar.
Alemanha?
Os alemães ficariam malucos com essa possibilidade. Quem são os maiores críticos da Fifa hoje? Os alemães. Custa muito dinheiro. Você perde turistas. Eles falam essa grande mentira. “Todas essas pessoas vão vir pro seu país”. Tem alguma verdade nisso. Mas os turistas não vêm. Imagine que você é um estrangeiro, vindo para o país não exatamente para a Copa. Você gostaria de visitar os lugares turísticos do Brasil. Você gostaria de encontrar um milhão de torcedores de futebol bêbados? Aeroportos cheios deles? Você ganha nos fãs, mas perde nos turistas. E tem muitos estudos acerca disso. Nós estamos falando de uma grande quantia de dinheiro, num tempo de recessão mundial. Eu não sei a situação do Brasil, mas a Europa… A Alemanha está brigando com o [Sílvio] Berlusconi [presidente da Itália] porque não querem pagar para eles, a Espanha… Nós não temos dinheiro.
O senhor recomendaria que os deputados e senadores do Brasil endurecessem com a Fifa porque eles têm a Fifa “na mão”?
Eles têm, porque é muito tarde para irem embora. Realmente, eles têm a Fifa na mão. Temos 2012, 2013 e metade de 2014. São dois anos e meio, e você está pressionado para tudo ficar pronto de qualquer forma. Mas ninguém mais pode. Pode ou gostaria. Veja a situação dos EUA, cortando investimentos públicos. Vai gastar num jogo de futebol?
O que se tem em jogo é: liberar bebida nos estádios, proibir a meia-entrada para estudantes, repassar as responsabilidades para o governo federal e fechar o comércio ao redor dos estádio exclusivamente para a Fifa…
Manda eles tomar no rabo [mostra o dedo médio]!
Considerando tudo isso, é a hora de “enfiar a faca no pescoço” da Fifa?
Na guerra, você ataca quando o inimigo está fraco. Não quando ele está forte. Esse é o melhor momento para a presidenta Dilma dizer: “Nós adoramos a Copa, nós vamos fazer o máximo para ganhar a Copa do Mundo, mas nós governamos esse país”. Vocês têm um governo eleito, eleições livres, ninguém vai dizer o que vocês têm que fazer. A Copa do Mundo no Brasil celebra várias coisas. Celebra o Brasil, celebra a emergência como uma potência econômica mundial, celebra que vocês, apesar de ainda estarem construindo instituições, vieram de um longo período de ditadura militar. Lula foi preso, Dilma foi presa e outros muitos. Vocês saíram dessa situação. Eu sei que vocês têm problemas com corrupção, leva tempo para restaurar a democracia após o período ditatorial. Mas vocês estão indo nesse caminho. E como vamos chamar o Teixeira. Ele é um brasileiro orgulhoso? Ou ele é um invasor da Fifa que quer se meter com tudo? Na Inglaterra, nós banimos os hoolingans [torcedores violentos]. Se você for condenado numa corte inglesa por ser um hoolingan, que é contra o interesse público, você nunca mais vai a um jogo de futebol. Você é banido dos estádios. Tudo o que o Ricardo Teixeira está fazendo é contra os interesses do Brasil. Por que não baní-lo da Copa do Mundo? Como um estrangeiro, eu não preciso convencer você ou ninguém do Brasil. Vocês sabiam disso antes de eu vir aqui. Eu pego notícias do mundo inteiro que envolvem a mesma coisa que eu estou dizendo. E não tem ninguém dizendo que eu estou errado. “Não, senhor Jennings, Ricardo Teixeira é um homem honesto”. Por que não pega a lógica disso pra frente, tira ele, a filha dele, o advogado. Você sabe mais do que eu. Eu só sei isso. O mundo inteiro sabe o que eu sei.