“O problema é que, diante da continuidade de um mundo em crise e da desaceleração abrupta do mercado interno (último motor de crescimento da economia nacional que ainda funcionava), a possibilidade desses ajustes aprofundarem as tendências recessivas da economia nacional não é desprezível”, afirma o Boletim Diário de Conjuntura 236 (leia a íntegra abaixo).
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O documento questiona as quatro medidas anunciadas na segunda-feira (19) pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy: o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre operações de crédito para pessoa física, a elevação da PIS/Cofins sobre a gasolina, diesel e produtos importados, o retorno da Cide (contribuição sobre os combustíveis) e a equalização do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) sobre cosméticos. Com esse pacote, o governo espera elevar a sua arrecadação em R$ 20 bilhões. O texto também faz referência a outras ações adotadas pelo governo para aumentar sua receita e estimular o crescimento da economia, como a mudança nas regras dos benefícios sociais como o seguro-desemprego, o corte de gastos correntes e o retorno do IPI sobre automóveis.
De acordo com o boletim, o conjunto das ações encampadas pelo governo neste início do segundo mandato da presidenta Dilma indica “uma clara inflexão na estratégia da política econômica”, com o abandono da estratégia de concessão de desonerações tributárias, que marcou a primeira gestão da petista.
Segundo a análise publicada pela fundação petista, a incapacidade da estratégia anterior de gerar um ciclo sustentado de investimento no país, seja em decorrência da crise internacional, seja por limitações estruturais da economia brasileira, decorrentes de décadas de valorização cambial que enfraqueceram as cadeias industriais, levou o governo a abandoná-la.
“A promessa é de que uma vez que os empresários acreditem na solidez desta nova estratégia adotada pelo governo, sua confiança irá se elevar e os investimentos privados voltarão a fluir, recompondo as perdas de curto prazo do ajuste recessivo e aumentando o emprego e a renda no longo prazo”, afirma o texto, antes de questionar a eficácia dessas medidas. De acordo com o boletim, as medidas anunciadas pelo governo tendem a agravar os problemas do país caso a crise internacional e a desaceleração do mercado nacional persistam. “Caso este cenário pessimista se confirme, mesmo os aumentos das alíquotas dos impostos serão insuficientes para ajustar as contas públicas, tendo em vista que a arrecadação tributária será muito inferior à esperada”, observa.
PublicidadeA assessoria da Fundação Perseu Abramo informou ao jornal O Globo que o documento, que não é assinado, foi escrito pelo economista Guilherme Mello. Ele é doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura da instituição. Pela Unicamp, também passaram a presidente Dilma, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o presidente da Fundação Perseu Abramo, Marcio Pochmann. A indicação de Levy para a Fazenda foi questionada por setores do PT que criticaram o seu perfil liberal. Outros petistas, no entanto, defenderam sua nomeação diante da necessidade de dar novo rumo à economia do país, bastante fragilizada nos últimos anos.
Veja a íntegra do texto publicado pela Fundação Perseu Abramo:
“ECONOMIA NACIONAL
Aumento de impostos deve somar R$ 20 bilhões aos cofres públicos em 2015: As quatro medidas de aumento de impostos anunciadas nesta segunda-feira, 19, pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, devem elevar em aproximadamente R$20 bilhões as receitas públicas apenas no ano de 2015. As medidas anunciadas foram o aumento de 1,5% para 3% no IOF sobre operações de crédito para pessoa física, a elevação da PIS/Cofins sobre a gasolina, diesel e produtos importados, o retorno da CIDE (imposto sobre os combustíveis) e a equalização do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) sobre cosméticos vendidos no atacado em relação aquele cobrado sobre produtores. Tais medidas, somadas aos R$ 18 bilhões dos cortes de gastos com benefícios sociais que tiveram suas regras ajustadas e aos R$ 5 bilhões de aumento de arrecadação com o retorno da cobrança de IPI sobre automóveis devem garantir um aumento da ordem de 0,7% do PIB no superávit primário. Este resultado, uma vez somado aos cortes de gastos correntes e investimentos já desenhados, deve ser (segundo cálculos do governo) suficiente para alcançar a meta de economia de 1,2% do PIB estabelecida pelo governo para o ano de 2015.
Comentário: O conjunto de medidas adotadas pelo governo neste início do segundo mandato da presidenta Dilma indicam uma clara inflexão na estratégia da política econômica. Com um primeiro mandato marcado pela adoção de uma agenda de incentivo à competitividade das empresas, com medidas como desonerações tributárias (mesmo que em prejuízo do financiamento da seguridade social), desvalorização cambial, redução dos juros e do custo de energia elétrica, Dilma havia adotado parcialmente a estratégia defendida por grandes empresários brasileiros, expressa em documentos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A incapacidade desta estratégia de gerar um ciclo sustentado de investimento no país, seja em decorrência da crise internacional, seja por limitações estruturais da economia brasileira (decorrentes de décadas de valorização cambial que enfraqueceram nossas cadeias industriais), levou o governo a abandoná-la, adotando agora uma estratégia bastante conservadora e ortodoxa na política econômica. A promessa é de que uma vez que os empresários acreditem na solidez desta nova estratégia adotada pelo governo, sua confiança irá se elevar e os investimentos privados voltarão a fluir, recompondo as perdas de curto prazo do ajuste recessivo e aumentando o emprego e a renda no longo prazo. O problema é que, diante da continuidade de um mundo em crise e da desaceleração abrupta do mercado interno (último motor de crescimento da economia nacional que ainda funcionava), a possibilidade destes ajustes aprofundarem as tendências recessivas da economia nacional não é desprezível. Caso este cenário pessimista se confirme, mesmo os aumentos das alíquotas dos impostos serão insuficientes para ajustar as contas públicas, tendo em vista que a arrecadação tributária será muito inferior à esperada.”