O bispo de Barra, na Bahia, dom Luiz Flávio Cappio, divulgou na manhã de hoje (22) o conteúdo da carta entregue ao presidente Lula contra o projeto de transposição do Rio São Francisco.
O religioso pediu a substituição do ministro Pedro Brito, da Integração Nacional, pasta responsável pelo projeto, em entrevista na qual divulgou o conteúdo da carta. No documento divulgado hoje, Dom Luiz pede a retomada do diálogo com o governo sobre o projeto, além de ressaltar a atenção sobre a necessidade de se levar em conta projetos alternativos que já existem.
Dom Luiz Flávio afirma na carta que existem cerca de 530 obras propostas pela Agência Nacional de Águas (ANA) que seriam mais baratas que a transposição do São Francisco. O bispo também fez duras críticas ao ministro da Integração Nacional, Pedro Brito. “O ministro Pedro Brito é a edição piorada de Ciro Gomes”, disse, se em referência ao deputado que é ex-titular da pasta.
“Infelizmente o Ministério da Integração está atrelado aos interesses do capital. No lugar do Pedro deveria haver alguém mais lúcido, atento e inteligente”, disse. Dom Luiz Flávio fez greve de fome, em 2005, contra o projeto de transposição do São Francisco.
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Leia a íntegra da carta de dom Luiz Flávio
"Barra, 21 de fevereiro de 2007
Quarta-feira de Cinzas
Caro Presidente Lula
Paz e Bem!
Escrevo-lhe hoje, dia em que a Igreja do Brasil lança a Campanha da Fraternidade 2007 sobre a Vida da Amazônia e toda a sua riqueza humana e natural.
O objetivo desta carta, amiga e fraterna, é retomar o diálogo que assumimos juntos por ocasião de nosso encontro no dia 15 de dezembro de 2005 em sua sala de trabalho no Planalto.
Agradeço pelas oportunidades que os representantes da sociedade brasileira e os representantes do governo tivemos de iniciar o debate sobre assuntos tão importantes como: Projeto de Revitalização do Rio São Francisco, Projeto de Transposição de águas do Rio São Francisco, Projeto de Desenvolvimento Alternativo para o semi-árido brasileiro, na busca de um consenso que soe em acontecer numa sociedade democrática.
Retomo o diálogo justamente quando a humanidade, estarrecida, toma consciência das conseqüências do aquecimento global, com impacto em todo o planeta, particularmente na vida de bilhões de seres humanos, inclusive na já historicamente oprimida e humilhada população nordestina.
Retomo o diálogo quando o Rio São Francisco, mais assoreado, sofre uma grande cheia e sua população ribeirinha, a quinhentos metros do rio, passa sede, como mostrou, nessa semana, o Jornal Nacional.
Retomo o diálogo quando uma menina morreu afogada em um dos canais que supre os perímetros irrigados de Petrolina-Pe, por ter ido "roubar" água para matar sua sede e de sua família.
Retomo o diálogo quando o senhor fala em iniciar as obras de transposição que irá consumir inicialmente 6,6 bilhões de reais, mais de 50% de todo o orçamento destinado a recursos hídricos no Programa de Aceleração de Crescimento (PAC).
Retomo o diálogo quando o Tribunal de Contas da União (TCU) afirma publicamente, em seu relatório, que o Projeto de Transposição de Águas do São Francisco não beneficia o número de municípios e de pessoas que afirma atingir.
Retomo o diálogo quando o mesmo Tribunal, através do acórdão 2020/2006 determinou ao Ministério da Integração e ao Ministério da Defesa que não utilizem recursos públicos para execução de obras de transposição enquanto não houver decisão definitiva sobre a validade de licença prévia concedida pelo IBAMA.
Retomo o diálogo quando a Agência Nacional de Águas (ANA), organismo de Estado, criado para a gestão estratégica do uso da água no Brasil, propõe 530 obras para solucionar os problemas de abastecimento hídrico até 2015 em todos os núcleos urbanos acima de 5.000 (cinco mil) habitantes do semi-árido brasileiro até 2015. Essas obras beneficiariam as populações mais necessitadas, e custaria 3,6 bilhões de reais, portanto, mais baratas, mais abrangentes, mais eficientes que qualquer obra de transposição hídrica.
Em nosso encontro, acima referido, o senhor me disse que "não seria louco de levar essa obra à frente se apresentássemos uma alternativa melhor". Agora, somando as obras propostas pela ANA juntamente com as iniciativas de captação, armazenamento e manejo de água de chuva desenvolvidos pela Articulação do Semi-Árido (ASA), o senhor tem uma chance de escolha muito melhor, pela qual seu governo ficará marcado para sempre na história do nordeste brasileiro, sua terra natal.
Não faltam alternativas. Falta uma decisão política mais lúcida.
Nosso pedido, senhor presidente, é que se retome o diálogo e que se garanta que seja amplo, transparente, verdadeiro e participativo, incluindo toda a sociedade do São Francisco e do Semi-Árido, conforme foi pactuado em Cabrobó em outubro de 2005 e renovado através de pedido formal por carta protocolada em 6 de fevereiro último.
Senhor presidente, sempre vestimos sua camisa. Ainda estamos vestidos nela. Nossa contribuição de fiel militante da causa do povo é para que o senhor seja verdadeiramente aquilo a que se propôs, o de ser o presidente de todo o povo brasileiro, especialmente dos pobres deste país, por serem os que mais necessitam de sua atenção.
Receba nossa saudação amiga e fraterna, com os votos de uma Feliz e Santa Páscoa de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Dom Frei Luiz Flávio Cappio, OFM
Bispo Diocesano de Barra – Bahia"
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