Eduardo Militão
O deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-R), ex-promotor de Justiça, associou a reportagem do Congresso em Foco sobre a montanha-russa salarial dos funcionários do PSC a um expediente que existe em alguns gabinetes no Congresso: deputados ficam com parte do salário dos seus funcionários para fazer caixa para si mesmos ou para seus partidos. Sem citar o caso concreto da reportagem, o parlamentar petista afirmou que existe atualmente na Câmara uma prática “ilegal” e “criminosa” de retenção de salários dos funcionários de gabinetes em favor dos congressistas.
Conforme noticiou o site, num grupo de 14 comissionados ligados à Liderança do PSC na Câmara, dez tiveram aumentos de até 569% e reduções de até 87% num período de 18 meses. O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) defendeu uma investigação do caso e o corregedor da Câmara, ACM Neto (DEM-BA), considerou as movimentações “estranhas”.
No início da noite de terça-feira (9), no plenário da Câmara, Biscaia conversou com o Congresso em Foco. Afirmou categoricamente que, a exemplo do que acontece em outras casas legislativas, há deputados que ficam com parte dos salários de seus funcionários do gabinete, sob os mais diversos pretextos.
“Alguns parlamentares até admitem isso. Dizem: ‘Ah, não, espontaneamente alguém é contratado por R$ 5 mil e contribui com 20% para uma caixinha do mandato”, diz o deputado. Outra pretexto usado é que o desvio no salário é contribuição “para o partido”.
Atualmente, a Câmara oferece a cada um dos 513 deputados verba de R$ 60 mil para contratar até 25 funcionários sem concurso nos gabinetes e escritórios estaduais. O maior salário é de R$ 8 mil (SP-28). Para as lideranças partidárias e comissões, o número de não-concursados varia: os cargos de natureza especial (CNEs) têm salários que chegam a R$ 12 mil (CNE-7).
Biscaia disse que a situação descrita por ele é difícil de ser comprovada. Mas se essa prática ou outra semelhante for atestada, o caso é de quebra de decoro parlamentar. Ou seja, o deputado pode ter o mandato cassado e ficar inelegível por oito anos.
A prática é tão comum que ela chegou a ser proposta ao próprio Biscaia por uma pessoa que lhe pediu emprego. Em 1999, ao assumir seu primeiro mandato na Câmara, um funcionário do antigo parlamentar do gabinete pediu encarecidamente para ser mantido no trabalho. Para convencer Biscaia, o funcionário propôs a ele receber o salário mais alto possível, entregar todo o dinheiro ao deputado recém-chegado e ficar apenas com o tíquete-alimentação, atualmente de R$ 600 por mês. O deputado rejeitou a proposta e mandou o servidor embora.
Ao reler a reportagem sobre o sobe e desce salarial, Biscaia acredita que os indícios relatados justificam uma investigação. Para ele, deve haver pelo menos um pedido de explicações sobre a montanha-russa do PSC.
Veja a entrevista:
Congresso em Foco – Deputado, estamos querendo saber a opinião do senhor e de outros deputados sobre a reportagem da montanha-russa salarial.
Biscaia – Veja, o caso concreto eu nem sei, porque eu estou apenas…
O senhor chegou a ver a alegação do líder do partido?
Existem coisas que acontecem efetivamente na atividade do Poder Legislativo em todos os níveis, que é uma participação dos deputados nos vencimentos daqueles que integram o gabinete. De uma maneira geral, isso tem em câmaras municipais, assembleias legislativas estaduais e aqui na Câmara dos Deputados, sob os mais diversos pretextos. Isso é uma…. Não estou me referindo ao caso concreto, mas de uma maneira geral. Alguns parlamentares até admitem isso. Eles dizem isso.
Ah, é? Eles dizem?
Eles dizem: “Ah, não, espontaneamente, alguém é contratado por R$ 5 mil e, espontaneamente, ele contribui com 20% para uma caixinha do mandato”. É uma prática que ocorre e…
O senhor já ouviu isso?
Já ouvi.
O senhor acha que isso é ilegal?
Não só é ilegal como é criminoso. Você contratar alguém por um valor e se apropriar de uma parcela. Quer dizer, se essa prática existe com relação àqueles assessores parlamentares, isso é possível que exista também com relação a outros cargos, como CNE [cargos de natureza especial].
Aqui no levantamento do Congresso em Foco há assessores e CNEs. Porque nós pegamos os CNEs das comissões e vimos a trajetória deles pelos gabinetes do partido e liderança do partido.
E eles começavam com pouquinho?
Eles estão sempre no gabinete do partido, na liderança do partido, na comissão do partido.
No caso, as justificativas são as mais diversas. Alguns dizem isso aqui. Primeiro, uma caixa para o mandato. Outros dizem que é pro partido, né? Até para isso.
Para o partido? O senhor acha que a Câmara deve fazer alguma coisa com relação a esse caso específico e aos outros, que o senhor conhece?
Com relação aos outros casos, evidentemente, é uma questão de difícil comprovação. Mas eu acho que pelo menos, é evidente, o Código de Ética proíbe. Isso tem todo tipo de proibição. Agora, uma fiscalização maior…
O Código de Ética proíbe isso?
Lógico.
Dá cassação de mandato?
Se ficar comprovado, sim, claro.
Então, o que a Câmara deve fazer nesse caso específico, em que não há uma pessoa falando?
Aí, você tem apenas indícios. Aí fica difícil, né? A pessoa… porque eu não sei qual é a justificativa. É só PSC que tem aí?
Só foi analisado esse caso concreto. Não tem como levantar todos os partidos. O senhor conhece outras histórias?
Houve um caso no primeiro mandato que eu tive, em 1999. Não tinha ninguém nomeado para o gabinete. Eu fui assediado por uma pessoa que disse: “Meu deputado não foi eleito e eu estou procurando um lugar. Por favor, por favor, por favor, bota lá o vencimento que quiser que eu lhe devolvo. Eu só quero ficar com os 600 reais, que é do auxílio-refeição”. Eu respondi: “Procurou a pessoa errada. Eu sou do Ministério Público e você está me pedindo para cometer um crime. Vá procurar outro”.
E o que aconteceu com esse cidadão?
Ah, não sei. Mas a gente sabe que isso acontece aqui, lamentavelmente.
O senhor acha que a Presidência e a Corregedoria podem tomar, neste momento, alguma medida concreta sobre o caso do PSC?
Os indícios aqui justificam, a meu ver justificam. Agora, vai depender lá do critério. O corregedor não precisa de provocação. Basta que ele tome conhecimento disso. Pelo menos um pedido de explicações, não explicações que são dadas a um jornalista.
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