Afonso Morais e Edson Sardinha
Toda cada vez que são confrontadas com críticas sobre os gastos públicos com a Copa do Mundo no Brasil, as autoridades brasileiras contra-atacam com estudos que indicam ganhos astronômicos para a economia do país com a realização do Mundial da Fifa. As promessas não poderiam ser mais animadoras: centenas de milhares de empregos gerados, melhoria na infraestrutura das cidades-sede, modernização das arenas esportivas e atração de um número jamais visto de turistas estrangeiros ao país. O mesmo discurso tem sido adotado para rebater questionamentos sobre as despesas com os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio.
Mas um livro a ser lançado nesta quinta-feira (29), em Campinas (SP), mostra que há sérios motivos para se desconfiar dessas previsões. A começar pela diferença de mais de R$ 40 bilhões entre os dois estudos contratados pelo governo federal para estimar o impacto do Mundial na economia brasileira. Além dos interesses políticos e econômicos envolvidos nas projeções, experiências em outros países que sediaram megaeventos esportivos revelam que os números finais ficam sempre abaixo do estimado inicialmente por governos e empresas.
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É o que sustenta o livro Impactos econômicos de megaeventos esportivos, assinado pelo professor Marcelo Weishaupt Proni e pelos pesquisadores Raphael Brito Faustino e Leonardo Oliveira da Silva, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O estudo, obtido pelo Congresso em Foco em primeira mão, relaciona equívocos técnicos na construção das estimativas otimistas. Entre eles, ignorar a gestão dos custos e os desvios de recursos para outras áreas fundamentais, como saúde e educação.
De acordo com os pesquisadores, o saldo tende a ser positivo, mas aquém do prometido, e nem todos os setores ou cidades envolvidos no evento terão os mesmos benefícios. De concreto, aponta, só a Fifa, com isenções tributárias e direitos de propriedade, tem vitória antecipada garantida nesse jogo de negócios.
Campanha enganosa
“O processo de legitimação dos gastos tem recorrido a uma campanha enganosa (baseada em promessas pouco prováveis), que apresenta a Copa e os Jogos como uma estratégia eficiente para estimular o desenvolvimento econômico local, mas sem discutir o caráter desse desenvolvimento e desconsiderando as enormes desigualdades regionais e sociais prevalecentes no país”, escrevem os economistas.
O livro também mostra que os investimentos da Copa costumam ter um impacto mais positivo quando há maior participação do setor privado. Além disso, segundo eles, estudos indicam que os principais legados dos megaeventos esportivos costumam ficar concentrados em poucas regiões e beneficiar poucos segmentos sociais, sem garantia de que os setores prejudicados serão recompensados de algum modo.
“Vários estudos indicam que os efeitos econômicos produzidos podem variar conforme a participação do setor público e do setor privado no financiamento dos megaeventos esportivos.” No Brasil, mais de 80% dos gastos com a Copa até o momento vieram dos cofres públicos.
África do Sul e Alemanha
Os pesquisadores ressaltam que o superdimensionamento dos ganhos com a Copa e os Jogos Olímpicos não é exclusividade do Brasil. Um dos capítulos mostra como o impacto estimado na Alemanha e na África do Sul, sedes do Mundial da Fifa em 2006 e 2010, não se concretizou.
Na Alemanha, por exemplo, o número de turistas estrangeiros registrado durante a Copa – em vez de dar um salto – foi inferior ao do mesmo período do ano anterior. Na África do Sul, a estimativa de crescimento da economia e de geração de postos de trabalho não passou da metade do previsto. O aumento projetado de 0,54% no Produto Interno Bruto (PIB) sul-africano não chegou a 0,3%.
Com exceção de obras de infraestrutura nas cidades-sede, não houve melhora nas condições de vida da população do país africano. “As principais melhorias trazidas para a infraestrutura urbana acabaram beneficiando mais a classe média, enquanto os principais estímulos econômicos foram apropriados por segmentos da classe empresarial.”
Apesar disso, observam os autores, a Copa elevou a autoestima tanto de alemães e sul-africanos e melhorou a imagem dos dois países internacionalmente.
Sem maniqueísmos
Os autores do livro, de 182 páginas, argumentam que o principal objetivo do estudo é oferecer uma “reflexão crítica” em relação aos impactos e legados esperados ou prometidos com a realização da Copa e dos Jogos Olímpicos, sem cair em “maniqueísmos”. Apesar das críticas, os pesquisadores evitam fazer coro ao grupo que contesta a realização dos dois eventos no Brasil. Para eles, a organização de uma Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos no país reforça a exigência por maior fiscalização e transparência nos gastos públicos. Mas não pode ser vista como a salvação do país.
“É preciso entender que os megaeventos esportivos não podem ser vistos como ‘panaceia’ para problemas econômicos e sociais, como parecem acreditar alguns dirigentes e políticos, ainda que tenham contribuído para gerar um ambiente de otimismo e resgatar a confiança no desenvolvimento do país.”
Na avaliação deles, um dos aspectos positivos deixados pela Copa foi a eclosão das manifestações de junho, durante a Copa das Confederações. Pautadas por uma demanda reprimida por melhores serviços públicos, ganharam as ruas com questionamentos sobre os gastos elevados na construção e reforma de estádios. Ou seja, o tema obrigou a população a refletir sobre a destinação do dinheiro público e pressionou os governantes a reverem suas posições. “Provavelmente, as críticas dirigidas ao descaso de governantes e à arrogância de dirigentes obrigarão o poder público a rever gastos com a máquina administrativa, assim como intensificar a fiscalização e o combate à corrupção.”
O lançamento do livro está previsto para as 10h desta quinta, no auditório do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, numa parceria entre o IE, a Casa da Educação Física e Penses (Fórum Pensamento Estratégico da Unicamp). Professor do instituto, Marcelo Weishaupt Proni é economista, mestre em Ciências Econômicas e doutor em Educação Física. Raphael Brito Faustino é mestrando em Desenvolvimento Econômico, e Leonardo Oliveira da Silva, autor da monografia “Impactos econômicos e legados de megaeventos esportivos: uma visão crítica da Copa de 2014”.