Edson Sardinha
A turbulência causada pela crise do setor imobiliário e financeiro dos Estados Unidos, que fez o dólar subir e as bolsas de valores caírem em todo o mundo nas últimas semanas, só será sentida pelo brasileiro que não tem aplicações em 2008. E isso se a crise se estender e o crescimento mundial realmente diminuir.
A previsão, otimista, é feita por um profundo conhecedor das oscilações do mercado, o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes. Diretor do Banco Central nos anos 1980, o professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC) acredita que o pior momento já passou e que não há motivo para pânico no Brasil.
“Se o consumidor americano começar a comprar menos, vai comprar menos da China e de outros países emergentes, como o Brasil. Isso afeta nosso comércio exterior, mas não a ponto de abalá-lo. O Brasil hoje está com saldo enorme na balança comercial. Acho que a gente vai passar bem por essa crise mesmo que ela afete o crescimento mundial”, observa.
Na avaliação dele, as reservas cambiais de US$ 160 bilhões, o saldo positivo da balança comercial, o descolamento da dívida pública do instável movimento cambial e o controle da inflação ajudam o país a se proteger da crise. Por outro lado, pondera, a elevada taxa de juros e a falta de investimentos em infra-estrutura ainda são motivos de preocupação.
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Para o professor, que também é chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a atual tensão experimentada pelo mercado financeiro pode render, de uma só vez, duas conseqüências positivas para o país: a aceleração da reforma tributária e a redução das taxas de juros.
“É importante que, já neste semestre, governo e Congresso comecem a pensar a diminuir a carga tributária. Sem isso, o Brasil não cresce. Se o país não crescer, as coisas ficam mais complicadas”, considera.
Sem apavoramento
Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Carlos Thadeu recomenda prudência ao Banco Central e classifica como “precipitada” a preocupação de diretores do BC com o aumento do dólar e da inflação. “É importante que o Banco Central não se apavore, porque se ele se apavorar, aí, sim, poderá ir contra o nosso crescimento econômico”, afirma. “No ano passado ele exagerou um pouco na mão. Não precisava ter mantido os juros altos por tanto tempo. Aumentou a dívida sem necessidade”, exemplifica.
Para quem acompanha com tensão as perdas de suas aplicações em fundos de renda fixa e de ações, o economista aconselha resignação e paciência para evitar prejuízos ainda maiores. “Como isso é muito volátil – e acho que vai voltar –, é bom ficar onde está. Melhor não se mexer”, recomenda o economista, que também presidiu o Banco da Amazônia (Basa) e foi diretor da Petrobras.
Desde o estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos há um mês, os Bancos Centrais norte-americano, europeu e japonês já tiveram de intervir no mercado, derramando bilhões de dólares, euros e ienes para amenizar os efeitos da crise provocada pelo crescimento da expectativa de inadimplência no setor. O temor dos analistas é de que essa turbulência contamine o restante da economia norte-americana e, por tabela, a de outros países, sobretudo os emergentes, como o Brasil.
Leia a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – Todos acompanham com expectativa as oscilações nas bolsas e no dólar. Que cenário o senhor vê agora? O pior momento já passou?
Carlos Thadeu de Freitas Gomes – Acho que o pior já passou. Mas vamos ter volatilidade à vista, como estamos tendo hoje, porque o Banco Central ainda não baixou as taxas de juros e não se sabe exatamente quais são os principais prejuízos dessa crise dos fundos. Como os fundos geralmente não dão resgate imediato aos seus investidores, só quando os investidores começarem a fazer seus resgates, é que vamos saber o tamanho dessa crise. Mas acho que a crise não está necessariamente atingindo os bancos. Provavelmente vai atingir a economia real daqui a alguns meses. Mas não é uma crise que tenha o tamanho das crises passadas. Acho que a economia vai mostrar um crescimento menor, como está mostrando nos Estados Unidos. Vamos aguardar um pouco mais. Tenho impressão de que o BC americano vai baixar a taxa de juros antes da próxima reunião, que será no mês de setembro. Se isso acontecer, a crise será realmente bastante ajudada.
O presidente Lula está certo quando diz que o Brasil não precisa ter medo dessa crise?
Ele está correto porque estamos hoje numa situação ímpar. Toda vez que o dólar sobe, nossa dívida pública interna diminui. Anos atrás, quando o dólar subia, a dívida pública interna aumentava. E o governo tinha de aumentar os juros para evitar que o dólar subisse muito. Desta vez, isso não é necessário mais. Por isso, acho que não há razão alguma para o Banco Central deixar de baixar as taxas de juros, porque nossa situação mudou muito. O que vai afetar o Brasil é se essa crise continuar e houver um crescimento menor no mundo. Nesse caso, é óbvio que o Brasil, como todos os países, será prejudicado. Se o consumidor americano começar a comprar menos, vai comprar menos da China e de outros países emergentes, como o Brasil. Isso afeta nosso comércio exterior, mas não a ponto de abalá-lo. O Brasil hoje está com saldo enorme na balança comercial. Acho que a gente vai passar bem por essa crise mesmo que ela afete o crescimento mundial.
O Banco Central tem manifestado preocupação com o eventual aumento do dólar e da inflação. Essa preocupação é justificável?
Acho que essa preocupação é ainda prematura. Primeiro, porque o dólar está aumentando provisoriamente. Nós temos no Brasil uma taxa de câmbio flutuante. O dólar sobe e cai. Está subindo temporariamente em função de um medo do investidor, que tem de tirar dinheiro do Brasil para compensar prejuízos em outros lugares. Portanto, não há uma corrida do dólar. É uma subida temporária. A nossa inflação está muito baixa. Nós estamos com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) de 3,4% a 4% e isso não vai mudar muito nos próximos anos porque, apesar de alguns acharem que a demanda está muito aquecida no Brasil, ela não está tão aquecida assim. Dá para o Banco Central continuar baixando a taxa de juros. Pode ser que até diminua um pouco o ritmo, mas não há sentido em manter a taxa de juros real estratosférica. Uma taxa de juros real de 8,5% ao ano é uma taxa que raramente nós tivemos na história do mundo. É importante que o Banco Central do Brasil não se apavore, porque se ele se apavorar, aí, sim, poderá ir contra o nosso crescimento econômico.
Pelo que o senhor conhece do Copom (Comitê de Política Monetária), há possibilidade de não haver corte algum na taxa de juros na próxima reunião?
Acho que vai continuar cortando, como já tinha dado sinal na última reunião. Se na reunião do Copom, daqui uma semana, o dólar continuar como está hoje, na faixa de R$ 2,00, aí eles vão rodar os modelos econométricos. E com o dólar na faixa de R$ 1,95 ou R$ 2,00, isso poderá significar a manutenção de uma queda menor. Então, em vez de cair 0,5, poderá cair 0,25. Isso aí se, no momento da reunião, ainda tivermos pressão sobre o dólar. Mas não creio que seja esse exatamente o quadro mais importante. Acho que poderiam continuar baixando 0,5 porque as taxas reais de juros estão realmente muito altas. Agora temos de entender que o BC tem seus modelos. E esses modelos mostram que a redução da taxa de juros pode ser feita, mas em um grau menor.
O cidadão brasileiro que não tem aplicações, por exemplo, já vai começar a sentir o efeito dessa crise?
Ainda não. O efeito dessa crise vai ser sentido se realmente ela realmente continuar por mais algum tempo e o crescimento mundial diminuir. Porque aí o Brasil vai crescer menos, o que vai gerar menos emprego. Hoje estamos numa fase muito boa de crescimento econômico. O PIB poderá crescer 5%. No ano que vem, sim, que essa crise poderá afetar o crescimento econômico. Não a ponto de como era no passado, com crescimento negativo. Em vez de crescer 4,5%, em 2008, poderemos crescer de 3,5% a 4%. Não vejo maiores efeitos, a não ser para aqueles que têm investimentos em fundos. Esses aí já estão sendo afetados agora. Cada um correu o seu risco.
Que conselho o senhor dá, por exemplo, para quem tem dinheiro em aplicações? O que a pessoa deve fazer?
É ficar onde está. Quem sacar num fundo de renda fixa hoje, vai sacar com prejuízo. Quem sacar no fundo de ações, vai sacar com prejuízos. Como isso é muito volátil – e acho que vai voltar –, é bom ficar onde está. Melhor não se mexer. Agora, quem perdeu, perdeu. Não tem alternativa. O brasileiro comum que investiu em fundos de ações está perdendo, mas isso faz parte da regra do jogo.
Depois dessa turbulência toda, que discurso econômico vai sair fortalecido?
O país vai ter de continuar a fazer o que está fazendo: tentar fazer as reformas e baixar a carga tributária para que possa crescer mais. A única coisa que vai ajudar o Brasil a ficar permanentemente bem na área econômica é continuar crescendo e diminuindo a sua dívida.
O senhor disse que o BC não pode se apavorar. O que o senhor quer dizer com isso?
No ano passado ele exagerou um pouco na mão. Não precisava ter mantido os juros altos por tanto tempo. Aumentou a dívida sem necessidade. Mas em geral tem acertado. Conseguiu derrubar a inflação de 12% para 4%. Não pode ter exagero. Todo exagero precisa ser contido porque aumenta a dívida e diminui o crescimento, o que tem efeitos na frente.
A oposição tem insistido muito na necessidade de o governo reduzir os gastos públicos. Esse é mesmo um caminho que tem sido ignorado pelo governo?
O governo tem de cortar gastos sempre. Não é de vez em quando, é sempre. Agora, para cortar gastos, você tem de ter também condições de fazê-lo. Um país como o Brasil tem dificuldades em muitas áreas sociais, não pode cortar nessas áreas. Não pode deixar de investir em infra-estrutura, que está aí caótica. O que temos de fazer é diminuir esses juros. O Tesouro está pagando muito caro para rolar sua dívida. E o governo tem de fazer uma reforma tributária que possa diminuir a carga tributária. Isso aí é o mais importante que tem de ser feito num curto prazo.
Toda essa tensão pode favorecer as reformas estruturais, como a tributária?
Acho que pode favorecer. A tendência é o Congresso, nessas horas, acelerar um pouco mais porque é visível a necessidade delas.
Em quanto tempo teremos noção do efeito dessa turbulência?
Acho que no ano que vem teremos um crescimento menor do que o esperado, mas não tão dramático assim. Mas é importante que, já neste semestre, governo e Congresso comecem a pensar a diminuir a carga tributária. Sem isso, o Brasil não cresce. Se o país não crescer, as coisas ficam mais complicadas.