Como bastante noticiado, domingo passado, 14 de julho, comemorou-se em todo o mundo a Revolução Francesa. Considerada o marco pioneiro da cidadania, a Revolução Francesa carrega a imagem romântica de libertação de classes da opressão de uma aristocracia que não representava os interesses da sociedade. E a Tomada da Bastilha, ocorrida em 14 de julho de 1789, seria o símbolo máximo de uma cidadania vigorosa e atuante.
Infelizmente, plena cidadania não é isso.
Temos visto até alguns apressados de plantão comparar a Revolução Francesa com as recentes manifestações nas ruas brasileiras, como se mais de dois séculos não tivessem se passado entre uma e outra. E como se estivéssemos à beira de uma convulsão social motivada por uma monarquia absolutista que jamais se preocupou em construir verdadeiras instituições de Estado.
Não podemos nos esquecer e dar os devidos créditos a outra revolução, ocorrida tempos antes e que, esta sim, teve muito mais a ver com os princípios de uma plena cidadania: a Revolução Gloriosa da Inglaterra, entre 1688 a 1689.
Foi nesse período de um ano que se estabeleceram os principais limites para o poder de um rei, que passou a ter que se reportar mais ao parlamento. A Revolução Gloriosa também legou à humanidade a Bill of Rights (“lista de direitos”, em inglês), que em 1689 estabeleceu diversos marcos legais à ação dos governantes. Por exemplo, ela impedia que o rei suspendesse as leis ao seu bel prazer, determinava que o rei não podia cobrar impostos sem consentimento do Parlamento, garantia que os súditos pudessem fazer petições diretamente ao rei sem correrem risco de represálias, e que os membros do Parlamento deveriam ser escolhidos através de eleições livres. E o mais importante, a Bill of Rights proibia que não se exigisse impostos excessivos aos cidadãos. Quer algo mais alinhado com as manifestações no Brasil do que este último item?
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As manifestações no país foram um grande desabafo da sociedade, um pedido de basta à corrupção e um aviso de que estamos, sim, conscientes de que a responsabilidade política é o nosso maior dever de cidadania. E que o mandato dos nobres parlamentares pertence aos cidadãos eleitores, e não o contrário. Mas ainda não atingimos o grau de cidadania mais desenvolvida: a cidadania atuante. Nela, os cidadãos se organizam, discutem os problemas e as pautas entre si e com os governantes, lutam por mecanismos institucionais de participação e fiscalização dos mandatos e dos orçamentos públicos, e, principalmente, procuram sempre mobilizar outros cidadãos a fazer o mesmo.
PublicidadeE é exatamente isso o que prova a recente pesquisa da Transparência Internacional, o Barômetro da Corrupção. Fora os mesmos índices pífios de credibilidade dos políticos e do Congresso, a pesquisa revela um dado animador: aumentou o percentual de cidadãos que acredita poder fazer alguma coisa contra a corrupção: de 77% em 2010 para 81%. Pois agora é mãos à obra, junto às organizações da sociedade civil que se dedicam a essas questões há muitos anos.
Em tempo: para quem ainda acredita que a Revolução Francesa tem mais a ver com a cidadania, é bom esclarecer que o verdadeiro motivo de comemoração para o 14 de julho na França não é a Tomada da Bastilha, como muitos pensam. Em 1880, quando resolveram marcar um momento especial para ser a data mais importante do país, os franceses se decidiram por um outro 14 de julho, o de 1790. Nessa data foi realizada a Festa da Federação, que selou a reconciliação entre sociedade e aristocracia, inclusive com direito à presença de 260 mil cidadãos e vários nobres, como o próprio rei Luís XVI e Maria Antonieta. A Tomada da Bastilha foi considerada um evento sangrento e violento demais para se comemorar.