No dia 9 de abril, o Congresso em Foco publicou reportagem informando que lojistas acusam o Banco Safra, em um processo judicial, de ter aplicado um golpe para cobrar valores dobrados de juros em operações de antecipação de vendas no cartão de crédito. Essa pode não ter sido a única operação duvidosa do banco controlado pelo segundo homem mais rico do Brasil envolvendo cobrança de juros. Após a publicação da reportagem, um ex-funcionário do Banco Safra disse ao Congresso em Foco que a instituição lesou mais pessoas entre os anos 1970 e 1980. De acordo com ele, durante esse período, o banco cobrou dez vezes mais que o permitido por lei na taxa de juros de mora daqueles que atrasavam as prestações da casa própria. O ex-chefe do Departamento Administrativo da Safra Crédito Imobiliário Renê Roldan afirmou que os juros extras foram pagos pelos mutuários durante pelo menos quatro anos, entre 1976 e 1986, quando o extinto Banco Nacional da Habitação regulava o setor e na mesma época em que foi feita a informatização do setor de cobrança.
Leia também
Roldan afirmou que o BNH permitia juros de mora de 1% ao mês no máximo, mas o Safra cobrava 10% ao mês, dez vezes mais que o valor previsto em contrato e na legislação. Nem nos boletos havia a indicação dos juros maiores, afirmou Roldan. Procurada pelo site, a assessoria do banco não se manifestou.
Lojistas acusam Banco Safra de aplicar golpe
Leia outros destaques de hoje no Congresso em Foco
Para se ter uma ideia do valor excessivo, até hoje a Caixa Econômica Federal cobra 1% de juros de mora e mais 2% de multa daqueles que eventualmente atrasem prestações do programa Minha Casa Minha Vida.
Em nenhum lugar do contrato ou dos boletos, estava previsto o pagamento de 10% de juros em caso de atraso. Só os clientes que calculassem o acréscimo cobrado é que perceberiam o valor a mais. A maioria, diz Roldan, não notava o abuso. Só “um ou dois”, segundo ele, fizeram isso e tiveram seu dinheiro de volta.
Publicidade“Paga com dinheiro de quem não reclamou”
Hoje com 65 anos e aposentado depois de encerrar as atividades como dono de restaurante e cantina escolar, o administrador de empresas Renê Roldan afirmou que relatou o problema ao então diretor da empresa de crédito imobiliário do grupo, Hiromiti Mizusaki. Mas o hoje diretor do Safra mandou ignorar a cobrança extra e ainda disse que Roldan era “muito generoso”. “Aquele que reclamar, paga-se com o dinheiro daquele que não reclamou”, teria dito Mizusaki a Roldan.
O ex-funcionário disse que denunciou o caso ao Banco Nacional da Habitação por volta de 1985, mas nada aconteceu. Passados 26 anos depois de sua saída, Roldan acredita que o eventual crime cometido pelos dirigentes do Safra prescreveu. Ele não sabe precisar quantos clientes foram lesados e nem qual o lucro extra obtido pela instituição financeira.
Ficha de nove anos
O ex-chefe administrativo trabalhou no grupo Safra durante 18 anos. Ingressou na instituição em 1968. Incorformado com a multiplicação dos juros cobrados dos clientes acabou transferido para um setor mais insignificante. Em 1986, pediu demissão ao diretor João Inácio Puga, apresentando-lhe uma carta com seus motivos. Para demovê-lo da ideia de sair, Puga o levou ao vice-presidente de recursos humanos, Tales Procópio.
Para surpresa de Roldan, que não conhecia o chefe do RH, Procópio começou a reproduzir – enquanto observava pastas com documentos – todas as atividades particulares que o demissionário exercia, como sua militância na Igreja Católica, nos movimentos sociais, suas visitas a favelas e sua admiração pela teologia da Libertação. “Ele falava comigo como se me conhecesse a fundo. No meio de tantos funcionários do Safra, ele tinha essa informação precisa sobre mim”, relembrou Roldan, que chegou a ser presidente da associação dos funcionários do banco.
O ex-funcionário contou ao site que Procópio lia e relatava fatos ocorridos nos nove anos anteriores, marcados, inclusive, pela repressão político-social da ditadura militar. No entender de Roldan, a intenção de Procópio era ironizar a atuação privada do demissionário – que poderia ser entendida como “comunista” pelo regime militar – e compará-la com o seu trabalho em um banco, uma instituição tipicamente capitalista.
Sem lembranças
José Puga disse ao site que não se recorda dos fatos, ocorridos há 26 anos. Afirmou ainda que, mesmo que se lembrasse, não poderia comentar o assunto.
Procurados por meio da assessoria do banco, Hiromiti Mizusaki, Tales Procópio e o próprio Joseph Safra não responderam aos pedidos de entrevista. A assessoria da instituição não respondeu a nenhuma das doze perguntas enviadas por correio eletrônico.