No dia 2 de fevereiro de 2017, Jair Bolsonaro recebeu apenas quatro votos ao disputar a presidência da Câmara. O eleito, Rodrigo Maia, teve o apoio de 293 dos 513 deputados federais. Menos de um ano e meio depois, a situação é inteiramente outra. Maia (DEM-RJ) não entusiasma nem o seu partido para seguir adiante com o sonho da candidatura ao Planalto. Já Bolsonaro (PSL-RJ), líder de todas as pesquisas presidenciais nos cenários em que o ex-presidente Lula (PT) fica fora da lista de concorrentes, vive tempos de bonança.
Levantamento do Congresso em Foco apontou que pelo menos 65 deputados admitem – a maior parte deles, com a garantia de preservação dos seus nomes – que estarão com Bolsonaro na disputa presidencial. O número supera os 61 integrantes da maior bancada partidária da Câmara, que é a do PT. O próprio pré-candidato e seus seguidores difundem um cálculo bem superior.
Ontem (quarta, 4), num ato no salão verde da Câmara, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) anunciou que os bolsonaristas já somam 110 deputados. “111 se contar o próprio Jair”, emendou Onyx em entrevista a este site. Ele se recusa a mostrar a lista, que passou às mãos de Bolsonaro em um envelope fechado, sob aplausos de vários parlamentares. “Tenho 24 anos de mandato e jamais divulgaria um número errado, mas não vou expor colegas”, disse.
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“Alguns já podem assumir, rasgando a bandeira”, continuou Onyx, que fez dez reuniões em sua casa em busca desses apoios e é o coordenador dessa mega e nascente bancada suprapartidária bolsonarista. “Outros estão negociando alianças regionais ou têm problemas dentro do seu partido para vir a público agora. Claro que, por prudência, muitos não quiseram assumir para vocês. Mas pode ter certeza: chegaremos a 150 deputados em agosto, antes de iniciar a campanha eleitoral. E esses deputados estarão na futura base parlamentar do governo Bolsonaro. Estamos provando que, ao contrário do que se dizia, o nosso candidato tem capacidade de oferecer governabilidade”.
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Só 6% de adesões entre as mulheres
Um ponto comum entre a contabilidade de Onyx e a lista do Congresso em Foco é a baixa porcentagem de parlamentares mulheres que decidiram cerrar fileiras em torno do deputado capitão. A pesquisa deste site chegou a apenas três nomes, de um total de 65. Uma quarta deputada admitiu a possibilidade de apoiar Jair Bolsonaro, mas falou que ainda não se decidiu sobre o assunto. Onyx reconhece que há somente “6 a 7 mulheres” em sua listagem.
Mesmo na sua conta, portanto, o índice fica próximo de 6% do conjunto de apoiadores. Bem menos do que os 10% de participação feminina existente no Congresso Nacional. O percentual nanico confirma as dificuldades de crescimento do assim chamado “mito” entre as mulheres. Um ponto vulnerável, que certamente será muito explorado por adversários, e está relacionado com as inúmeras declarações misóginas já feitas por Bolsonaro. Ele é réu de uma ação penal no Supremo Tribunal Federal, na qual é acusado dos crimes de injúria e incitação ao estupro, por ter dito e reafirmado que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) “não merecia ser estuprada”.
Os integrantes do grupo incluem os oito deputados do PSL, partido de Bolsonaro, e membros de 21 das 26 agremiações partidárias representadas na Câmara. As exceções são cinco legendas de esquerda ou centro-esquerda: PCdoB, PDT, Psol, PT e Rede. Todas elas já anunciaram a intenção de disputar a Presidência da República com candidatos próprios. Ter pré-candidato a presidente indicado pelo partido, porém, não é o suficiente para evitar a diáspora bolsonarista.
“Já estou trabalhando para que todos os candidatos do Avante no meu estado votem em Jair Bolsonaro”, admite sem pedir segredo o deputado Cabo Sabino (Avante-CE), cujo partido anunciou o nome de outro deputado federal, Cabo Daciolo (RJ), como pré-candidato a presidente. Outro apoiador assumido de Bolsonaro é Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), apesar da cúpula emedebista ter lançado o ex-ministro Henrique Meirelles como pré-candidato à sucessão presidencial. Assim como Jhonatan de Jesus (PRB-RR), cuja legenda lançou o empresário Flávio Rocha para presidente. “Me identifico plenamente com o ideário do Jair Bolsonaro, é o meu candidato”, revela-se Arolde de Oliveira (PSD-RJ), indiferente às articulações do PSD rumo a uma provável aliança com Geraldo Alckmin (PSDB). “O ideal seria o Alckmin, mas ele não decolou nem vejo mais como decolar”, pondera um bolsonarista que ainda prefere se manter anônimo dentro das hostes tucanas.
Protegidos pelo off, também abriram o coração para o Congresso em Foco deputados do Podemos do senador Alvaro Dias, do Solidariedade de Aldo Rebelo e de outras legendas que ou botaram na rua pré-candidatos a presidente ou negociam alianças com partidos mais bem posicionados na corrida presidencial. Os três estados mais populosos (São Paulo, Minas e Rio) são também aqueles com mais deputados seguidores de Bolsonaro.
Fincado principalmente nos partidos de direita e centro-direita que constituem o aglomerado parlamentar conhecido como “Centrão”, o bolsonarismo conquistou a quase totalidade da “bancada da bala”, formada por políticos que defendem a flexibilização de regras para a posse de armas e o uso de medidas repressivas para combater a criminalidade. Seduziu a maior parte dos 40 membros da bancada do PR, antes mesmo de a legenda oficializar – como se espera – a coligação com o PSL. E, dia após dia, cresce a passos largos na bancada evangélica.
Direita x esquerda
Ex-líder do seu partido e uma das mais influentes lideranças evangélicas na Câmara, o deputado Lincoln Portela (PR-MG) afirma que a crescente adesão a Jair Bolsonaro é uma reação ao fortalecimento do PT e da esquerda durante o governo Michel Temer. “O Michel, ao fazer o jogo da política velha, esfarelou o centro e ressuscitou o PT, que havia ficado quase morto após a saída da Dilma. Por isso não tem jeito. Teremos uma eleição presidencial de esquerda contra direita, personificada no Bolsonaro. Estou com ele para enfrentar essa realidade brutal de um país que teve mais de 62 mil homicídios em 2017. Para enfrentar esses discursos da esquerda em defesa da liberação de drogas e impedir a destruição da família monogâmica”, declara-se Lincoln Portela.
“Temos uma esquerda genial”, prossegue. “Ela se apoderou da educação, da cultura, da causa dos direitos humanos, dos sindicatos, do jornalismo, do jornalismo e depois do Ministério Público e da magistratura. A candidatura Bolsonaro é uma reação contra essa minoria que se empoderou a ponto de comandar todos esses grupos. E isso se confunde com o interesse empresarial. O que dá dinheiro nas redes sociais é pornografia. Tem uma indústria que fatura com a ideologia de gênero. A minha igreja [Igreja Batista Solidária] é frequentada por homossexuais, não temos nada contra os direitos homoafetivos. Temos contra essa apropriação da homoafetividade por uma ideologia que tem por trás bilionários como George Soros e a família Rockefeller”.Há razões mais pragmáticas e menos ideológicas para a engorda do rebanho bolsonarista. “Todo mundo quer está perto de quem vai dar voto, e o Bolsonaro é o melhor cabo eleitoral que pode ter hoje um político que seja candidato à reeleição”, propaga o deputado Manato (PSL-ES). “Sabe o que um deputado quer? É do candidato que cumpra o orçamento da União. Ninguém quer mais do que isso”, acrescenta Manato, referindo-se à cota de quase R$ 15 milhões em obras para os redutos eleitorais que cada congressista tem direito a incluir no orçamento federal. Embora tais emendas possuam efeito legal impositivo, na prática, as dificuldades de caixa do Tesouro Nacional levam a atrasar o seu cumprimento.
Qualquer insinuação de fisiologismo ou de descuido com a responsabilidade fiscal é, contudo, imediatamente rechaçada pelo coordenador da bancada, Onyx Lorenzoni. “Não há hipótese de nada diferente acontecer com Bolsonaro. Vamos divulgar até o final de julho um plano de governo que vai surpreender positivamente o país. Tem uma equipe muito qualificada trabalhando nisso, sob a liderança desse grande economista que é o Paulo Guedes, e posso garantir. O governo Bolsonaro será constitucional, absolutamente democrático, com um perfil conservador liberal. Um governo enxuto, que vai estimular o desenvolvimento econômico, vai fazer a reforma fiscal e fará uma reforma da Previdência racional, dentro da razoabilidade, e não essa loucura que o Temer propôs”.
(Colaboraram para esta reportagem Isabella Macedo e Thallita Essi, sob a supervisão de Edson Sardinha)