Luiz Eduardo Greenhalgh*
A você, parceiro(a) nos trabalhos da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), é com satisfação que apresento esta síntese das realizações deste colegiado técnico da Câmara dos Deputados que tive a responsabilidade de presidir em 2006.
Este foi um ano de combinar o resgate da memória coletiva das lutas com a atualização da agenda dos direitos humanos. Se, de um lado, a CDHM somou esforços, por exemplo, para acelerar os processos de anistia e dos mortos e desaparecidos durante a ditadura militar; por outro lado, a Comissão abriu-se a novas dimensões dos direitos humanos, como o combate às violações na internet e a busca de um pacto de diversidade racial no mercado de trabalho bancário. Procuramos ir além das denúncias das violações, atuando também na criação de condições políticas para elevar os padrões de respeito aos direitos humanos no Brasil.
Adversidades antigas foram enfrentadas com renovado vigor. Os episódios de violência e injustiça no campo foram objeto de acompanhamento jurídico ao longo de todo o ano. Em abril, uma audiência pública deu voz à cobrança de soluções para os mutilados e os parentes das vítimas do massacre dos 19 sem-terra, ocorrido dez anos antes, em Eldorado do Carajás, no Pará.
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Atuação legislativa
A CDHM coordenou atuação conjunta com entidades civis para a aprovação do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. A sensibilização foi eficiente e a matéria foi aprovada em dezembro.
Foram objeto de acompanhamento prioritário o projeto de lei que cria o Conselho Nacional de Direitos Humanos, as propostas que regulamentam a propaganda dirigida a crianças e os que objetivam responsabilizar os autores de crimes contra os direitos humanos na internet. Também foram emitidos pareceres às proposições submetidas à apreciação do colegiado.
X Conferência Nacional de Direitos Humanos
Com a participação de 800 militantes e representantes de órgãos públicos, a Conferência retomou seu papel de articuladora das demandas sociais e de definidora de referenciais para a atuação dos defensores. Ao defender políticas públicas para o desenvolvimento sustentável, a Conferência indicou uma diversificada agenda de iniciativas destinadas a implementar os direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais. O planejamento e a realização do encontro, sempre em parceria com o Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos, permitiu diagnosticar as ações em curso e identificar as necessidades de avanços na área, além de estreitar a relação com as organizações atuantes da sociedade civil.
A CDHM e o Orçamento da União para 2007
Depois de consultar entidades civis e governamentais, das quais recolhemos propostas de emendas ao Orçamento da União para 2007, cinco emendas foram aprovadas pelo plenário da CDHM, totalizando recursos da ordem de R$ 85 milhões, distribuídos em cinco ações de políticas públicas: 1. Fomento às atividades produtivas em terras indígenas; 2. Desenvolvimento de comunidades remanescentes de quilombos, 3. Defesa dos direitos de pessoas portadoras de deficiência; 4. Combate e prevenção do abuso, tráfico, exploração sexual de crianças e adolescentes; 5. Apoio a serviços de atendimento às mulheres em situação de violência. Buscamos o apoio de outras comissões e de deputados membros da própria CDHM no sentido de apresentar as emendas que não foi possível aprovar.
Direito à comunicação
Em 2006, o direito de expressão e de acesso à informação tornou-se mais presente na consciência dos defensores dos direitos humanos. A CDHM fez sua parte nesse processo, ao questionar a repressão às rádios comunitárias e ao apoiar as propostas para viabilizar o funcionamento regular dessas emissoras. O debate sobre a digitalização da TV também foi objeto de nossa atenção. Reforçamos a articulação com vistas a assegurar a destinação de parte dos novos espaços que a tecnologia está criando para a comunicação popular.
"Campanha quem financia a baixaria é contra a cidadania"
A campanha revitalizou-se no decorrer de 2006. De janeiro a novembro, foram 2.260 denúncias recebidas e processadas. Mantivemos interlocução produtiva com os canais públicos de TV, o Departamento de Classificação Indicativa (MJ) e com a rede de parceiros no movimento social. A campanha integra a parceria responsável pelo programa semanal Ver TV, de debates sobre o conteúdo da televisão brasileira, exibido pela TV Câmara e emissoras Radiobrás. Organizamos o Dia Nacional Contra a Baixaria – 9 de outubro – quando foi veiculado numa rede de TVs públicas e comunitárias um debate sobre publicidade dirigida a crianças. Foram divulgados quatro rankings trimestrais dos programas de TV mais denunciados. As denúncias e os pareceres elaborados pelos conselheiros da campanha têm embasado ações civis pelo Ministério Público e orientado o público interessado, além de servir de suporte para estudos acadêmicos.
Atuação internacional
Por iniciativa da CDHM, foi realizado em Brasília, no mês de agosto, o I Encontro Parlamentar de Direitos Humanos do Mercosul. Ali tomava forma um movimento coordenado para valorizar os direitos humanos nos países do bloco. A meta institucional estabelecida foi instalar uma Comissão de Direitos Humanos no Parlamento do Mercosul. Numa declaração conjunta com os dirigentes das Comissões das nações vizinhas, defendemos a prevalência dos tratados de direitos humanos sobre os de comércio e investimentos; o fortalecimento das agendas em defesa da criança e do adolescente; acordos para combater o tráfico de pessoas; uma agenda do direito à memória e à verdade, caminhando para a criação de um sistema integrado de arquivos sobre as ditaduras militares; mecanismos de participação da sociedade civil e acadêmicos nos organismos do Mercosul, entre outras metas conjuntas.
O panorama dos direitos humanos na Organização das Nações Unidas e na Organização dos Estado Americanos foi igualmente acompanhado pela Comissão. Recebeu especial atenção a criação do novo Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa
No dia 31 de maio, foi lançado o Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa, com a missão de promover a prevalência dos direitos humanos na política externa e fortalecer a participação cidadã no controle social desta política. Entre os compromissos assumidos, o monitoramento do processo de tomada de decisões da política externa com impactos na proteção e promoção dos direitos humanos. O comitê é formado, entre outros, pelas Comissões de Direitos Humanos da Câmara e do Senado, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e dezenas de organizações não-governamentais.
CDHM discute política para pessoas com deficiência
A partir de uma audiência pública, em junho, a CDHM desencadeou uma série de procedimentos para questionar, junto a órgãos de governo, os critérios para a concessão de benefício de prestação continuada, para a doação de próteses e, ainda, a política de isenção de tributos para a aquisição de veículos automotores para pessoas com deficiência física. O objetivo geral foi o de aperfeiçoar os programas de governo para o setor.
Combatendo a desigualdade racial no mercado de trabalho
A desigualdade racial no mercado de trabalho foi tema de audiência da comissão, em julho, seguida de várias mesas redondas com representantes da Febraban, de entidades do movimento negro, Ministério Público do Trabalho e IPEA. Constatada que é irrisória a presença de trabalhadores negros nos bancos, trabalhamos na elaboração do Mapa da Diversidade, pelo qual serão estabelecidos percentuais e quantitativos de contratações necessários nos quadros profissionais do segmento, de modo a atingir padrões de igualdade de oportunidades. É o que estamos denominando Pacto da Diversidade.
GLBT: respeito e igualdade de direitos
Em parceria com as Comissões de Legislação Participativa e de Educação e Cultura, além da Frente Parlamentar Mista pela Livre Expressão Sexual, a CDHM realizou, em junho, o III Seminário Nacional GLBT. O evento culminava uma série de atividades da CDHM no sentido da reafirmação do compromisso com a diversidade e respeito à livre orientação sexual. A Comissão tem apoiado as iniciativas da comunidade de pessoas gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, para a promoção de políticas públicas contra o preconceito e pela igualdade de direitos.
Diagnóstico e soluções para o sistema prisional
A CDHM realizou no dia 19 de junho uma videoconferência para identificar os principais problemas dos cárceres brasileiros. O diferencial desse trabalho é que buscamos a visão dos defensores de direitos humanos, como os deputados das Comissões de Direitos Humanos das Assembléias Legislativas, os membros da Pastoral Carcerária e outros religiosos que conhecem o sistema prisional por dentro. Participaram representantes de 16 estados. Os dados e informações recolhidos foram sistematizados num relatório contendo propostas de solução. O documento foi entregue a uma reunião do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e enviado a outras instituições públicas federais e estaduais.
Denunciando a violência
A CDHM foi uma porta-voz da indignação do parlamento e da sociedade diante dos atos de violência mais extremados. Isso ocorreu em vários episódios, como na onda de terror e extermínio do qual São Paulo foi vítima, em maio, por causa da ação do crime organizado que matou dezenas de policiais civis e militares, mortes estas seguidas de execuções sumárias, de jovens pobres e negros da periferia, típicas de grupos de extermínio formados no interior do aparelho de segurança pública. A CDHM desde então acompanha os desdobramentos.
Enfrentamento das violações de direitos humanos na internet
O enfrentamento às violações de direitos humanos na internet foi um dos principais eixos de atuação da CDHM este ano. Em abril, foi realizada uma audiência pública sobre o tema. A ela se seguiram reuniões de trabalho com provedores de acesso, instituições públicas e organizações não-governamentais para debater o problema e discutir estratégias de ação contra a nova modalidade de violação.
Foi realizado também um bate-papo na rede mundial de computadores, em que se buscou democratizar a discussão e ampliar o diálogo com a sociedade civil a respeito do problema. A CDHM atuou com firmeza, ao longo do ano, contra os atos de discriminação, veiculação de pornografia infantil e outras práticas criminosas cometidas por meio da rede. Enviou farta documentação sobre o assunto a um subcomitê da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos da América incumbido de investigar a pornografia infantil na Internet, visto que muitas das violações cometidas por brasileiros e/ou contra brasileiros na internet são hospedadas em provedores norte-americanos.
A CDHM manteve permanente vigilância em relação aos projetos em tramitação nessa temática. Realizamos, em novembro, um seminário em que analisamos os principais projetos, apostando na conciliação entre o combate ao crime cibernético e a liberdade de acesso à internet com a inclusão digital. A comissão também participou das discussões a respeito do Plano Nacional de Enfrentamento à Pedofilia On-line e à Pornografia Infantil na Internet, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.
Indígenas e quilombolas
A CDHM em 2006 equilibrou diálogo e pressão na busca da regularização das terras dos quilombolas e no reconhecimento dos direitos indígenas. Por isso, reforçou seu posicionamento como referência para o acolhimento das demandas e de apoio a esses segmentos da população. Um seminário em novembro avaliou a agenda legislativa dos direitos indígenas e definiu prioridades para a atuação das entidades indígenas, indigenistas e da Comissão para a próxima legislatura.
Justiça e comunidade
A CDHM reuniu num seminário experiências bem-sucedidas de mediação, justiça comunitária e justiça restaurativa. Um arsenal de boas práticas foi produzido e encontra-se à disposição dos operadores do Direito. Diferentes formas de melhorar o acesso à justiça e a ampliação e qualificação na aplicação de penas alternativas foram objeto de interesse permanente da comissão.
*Deputado federal e advogado criminalista, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) presidiu a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara em 2006.
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