Edson Sardinha
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O deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) quer entrar para a história como o primeiro presidente da Câmara a se eleger sem o apoio do Palácio do Planalto. Conhecido como o “rei do baixo clero”, aquele grupo anônimo de parlamentares com pouca expressão política, já é o deputado com mais tempo de mandatos consecutivos na mesa-diretora da Casa desde a transferência da capital para Brasília. Em oito anos, foi corregedor e primeiro-secretário, antes de assumir a segunda-secretaria. Com base nesses números e no apoio que diz ter de pelo menos 257 colegas, Severino garante que os deputados Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) e Virgílio Guimarães (SP) sairão derrotados da votação secreta do dia 14 de fevereiro. “Os candidatos do PT estão completamente desviados do caminho para chegar à presidência. A derrota vai ser uma lição para o governo escolher melhor o seu candidato e não impor sua vontade”, afirma. Leia também Mas nem só de autoconfiança se mantém o discurso de Severino. O deputado promete acabar com a hegemonia das propostas do Executivo na Câmara, descentralizar o poder hoje concentrado no Colégio de Líderes e dar uma melhorada na vida financeira dos parlamentares. “A maioria dos deputados vive em dificuldade. Há parlamentares que não precisam dos subsídios da Câmara ou porque nasceram ricos ou porque são ligados a sindicatos”, diz. No ano passado, Severino foi um dos articuladores da proposta de se estender a deputados e senadores o reajuste que seria concedido aos funcionários do Legislativo. A idéia acabou não vingando. Como integrante da mesa-diretora, aprovou em dezembro, juntamente com os demais membros, o aumento de R$ 12 mil para R$ 15 mil da verba indenizatória (paga mediante comprovação de gastos) a que cada deputado tem direito para custear despesas no estado de origem (leia mais). O deputado também apóia a equiparação salarial entre parlamentares e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), medida que pode elevar o vencimento básico de R$ R$ 12,8 mil para R$ 21 mil (sem contar os demais benefícios). A proposta, que precisa ser aprovada pelo Congresso, também é defendida pelo candidato oficial do PT. “Vai melhorar a qualidade do trabalho, porque o sujeito não vai viver perturbado com as angústias do dia-a-dia. Com bom salário, o deputado não vai depender do Palácio em nada”, garante Severino. Na pesquisa divulgada no último dia 10 pelo Instituto Sensus, a pedido do grupo que apóia o candidato Virgílio Guimarães (PT-MG), o pernambucano é um dos mais bem cotados e só perde num eventual confronto com o deputado mineiro. Católico fervoroso, Severino nega que haja mordomias na Câmara e sustenta que “os deputados levam a vida normal de qualquer cidadão”. O deputado também diz ter orgulho do título de “rei do baixo clero”, reduto até agora impenetrável para o candidato oficial do PT. “O baixo clero é a maioria silenciosa, que está com uma vontade férrea de se fazer ouvida. São silenciosos porque não dão vez a eles, coisa que irei dar”, afirma. Severino Cavalcanti – Eles é que precisam ter o meu espaço, porque quem tem votos sou eu. A minha candidatura tem solidez e apoio muito forte dos deputados por causa da minha vivência. Isso já foi testado quando me candidatei a vice-presidente da Câmara. Fui o mais votado da mesa-diretora e recebi mais votos do que o próprio presidente. Não há dúvida de que eles (candidatos do PT) é que têm de se preocupar com a minha candidatura. Eu não me preocupo com a deles. Mas a pressão do Palácio do Planalto não pode decidir a eleição em favor dos petistas? Eu tenho independência total. Não tenho receio dessa pressão porque o Palácio do Planalto é ocupado por um homem sério e correto, que trabalhou muito tempo na oposição. Lula não vai pressionar ninguém e terá a postura de estadista, uma posição neutra. Aconteça o que acontecer, o senhor levará a campanha até o fim? De maneira alguma voltarei atrás. Serei o presidente da Câmara. Não há nada que me tente. Os candidatos do PT estão completamente desviados do caminho para chegar à presidência. A derrota vai ser uma lição para o governo escolher melhor o seu candidato e não impor sua vontade. Impuseram um candidato, nasceu outro, apareceram um terceiro e um quarto. Por quê? Por causa da fragilidade do candidato oficial. Eu tinha a garantia da segunda-secretaria por unanimidade no meu partido. Abri mão dela para indicar outro companheiro. Poderia estar lá, sem me preocupar com a eleição, porque seria praticamente uma unanimidade. “Os candidatos do PT estão completamente desviados O que diferencia as suas propostas das dos demais candidatos? Eu irei fazer de tudo para que a Casa tenha total independência e não seja subjugada aos interesses do Executivo. Vamos criar comissões para que os deputados possam ter essa liberdade. Para isso, é preciso um presidente livre, que não tenha dependência do governo. Nos últimos dois anos, a presidência da Câmara demonstrou essa independência? Não houve independência, porque a Ordem do Dia era ditada pelo Palácio, juntamente com os líderes da maioria. Faltou ao presidente João Paulo Cunha a iniciativa de ir contra essa hegemonia do Executivo? Exatamente. Ele (João Paulo) não teve essa atitude. O Palácio do Planalto modificava a Ordem do Dia quando queria. Como membro da mesa, o senhor não poderia ter inferido de alguma forma nisso? Não, porque isso é decisão do presidente, não da mesa-diretora. Caso um dos dois candidatos do PT seja eleito, a tendência é essa influência do Executivo continuar? Acontece que não há a mínima possibilidade de eles ganharem essa eleição. O Palácio vai perder. Os dois candidatos serão derrotados porque há uma forte tendência na Casa em favor de um candidato que tenha identificação com os deputados. Quem tem identidade com os deputados sou eu, pela minha convivência e pela experiência de ter ocupado três cargos diferentes na mesa-diretora. Não tenho a menor dúvida de que esta minha eleição será muito mais fácil do que as anteriores. Existe uma ansiedade dos deputados de mudar e dar uma nova conotação ao Parlamento. “O Palácio vai perder. Os dois candidatos serão derrotados porque há uma forte tendência na Casa em favor de um candidato que tenha identificação com os deputados” O senhor tem uma estimativa de quantos votos teria hoje para a eleição? Posso lhe garantir que terei mais do que 257 (número mínimo exigido para se declarar o vencedor). Ganho no primeiro turno com tranqüilidade. O senhor costuma ser apontado como o “rei do baixo clero”, termo usado para se referir àqueles parlamentares sem grande expressão política. Isso incomoda o senhor? Isso me engrandece, porque sou uma pessoa humilde. Não estou aqui pra machucar ninguém. Trato os deputados com igualdade. O que temos de dar é amor e carinho, fazer com que cada deputado entre aqui sem pensar que tem de tirar o chapéu e se abotoar todo para falar com o presidente. O presidente da Câmara será uma pessoa humana, de tratamento bom. É isso que os deputados querem. O “baixo clero” é a maioria silenciosa, que está com uma vontade férrea de se fazer ouvida. São silenciosos porque não dão vez a eles, coisa que irei dar. “O que temos de dar é amor e carinho, fazer com que O pensamento do senhor representa o pensamento da maioria? Não há dúvida. Meu pensamento é o pensamento da maioria da Casa. Vivo aqui dentro. Todos os deputados me conhecem e eu conheço a todos. A segunda-secretaria é mais movimentada do que a mesa do presidente. O senhor tem defendido a equiparação salarial entre os parlamentares e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Essa medida pode ser popular para os deputados, seu eleitorado hoje, mas não soa impopular aos ouvidos da população em geral? Isso é matéria secundária que será resolvida pela Constituição. Ela é que reza isso e teremos de fazer com que a Constituição seja cumprida. O que vai mudar é que o parlamentar vai ter confiança de que o presidente da Casa estará ao lado dele e não irá deixá-lo ser esmagado pelo Executivo. Isso é o principal. Mas o senhor apóia a equiparação salarial com o STF? Isso está na Constituição. Não sou eu que proponho. No ano passado, o senhor defendeu que o reajuste de 15% concedido aos funcionários do Legislativo fosse estendido aos parlamentares e disse que muitos deputados viviam em dificuldade financeira. Os funcionários da Casa são meus amigos, porque são eles que sustentam o trabalho da Câmara, que só pode funcionar com os servidores felizes. Mas os parlamentares têm enfrentado dificuldade financeira? Não conheço completamente a situação financeira dos deputados, mas sei que o salário tem de caminhar de acordo com a sociedade. A maioria dos deputados vive em dificuldade. Há parlamentares que não precisam dos subsídios da Câmara ou porque nasceram ricos ou porque são ligados a sindicatos. “A maioria dos deputados vive em dificuldade. A melhor remuneração dos parlamentares vai melhorar a qualidade da produção do Legislativo? Vai melhorar a qualidade do trabalho, porque o sujeito não vai viver perturbado com as angústias do dia-a-dia. Com bom salário, o deputado não vai depender do Palácio em nada. “(Com melhor remuneração) Vai melhorar a qualidade Hoje depende? Alguns dependem. De que forma? Há muitas maneiras. O Executivo é muito esperto. Nós vamos fazer com que o deputado não fique na dependência do governo. Se dermos condições para eles (deputados) trabalharem, será um alívio. Se devolvi R$ 90 milhões aos cofres públicos em dois anos, faça idéia do que conseguirei se der um instrumento de trabalho de primeira categoria para o parlamentar. Ás vezes, não dá pra ele fazer um trabalho sério. O Orçamento positivo é outra coisa que vai valorizar os deputados. O governo não vai poder cortar aquilo que o Congresso manda para os municípios. As comunidades pobres ficam felizes quando você diz que vai inclui no Orçamento e levar até ela uma ambulância. Acontece que o governo vai e contingencia esse recurso. Vai ser uma briga terrível, mas vou conseguir tornar o Orçamento impositivo. De que maneira se manifesta essa dependência dos parlamentares com o Executivo? O que o governo oferece em troca de votos? Em troca de voto, é a liberação daquilo que é um direito do parlamentar. O governo usa de certas artimanhas que não são dignas, como dar cargos e não liberar emendas parlamentares no Orçamento. Como presidente da Câmara o senhor terá poder para mudar essa realidade? Vou ter. O Executivo funciona pela autorização que nós damos a ele. Não vou criar problemas para o governo, não serei empecilho para que o presidente Lula faça uma boa administração. O Congresso está com imagem arranhada. Existe, pela sociedade, a percepção de que os parlamentares são cercados de mordomias. Isso corresponde à realidade? Não existe mordomia aqui. Os deputados levam a vida normal de qualquer cidadão. “Não existe mordomia aqui. Os deputados Mas o cidadão comum não tem direito a verba indenizatória, por exemplo. Essa verba é paga porque o deputado precisa se locomover para ter contato com suas bases. O deputado representa o povo. Mas o povo não está aqui na Câmara. Está nos estados. Temos de ir pra lá e levar os assessores. O deputado precisa ter junto de si quem o ajude a fazer uma boa ação, que são os seus auxiliares. Como mudar essa imagem, então? A população está começando a entender essa realidade, porque temos trazido estudantes para conhecerem o movimento da Câmara. Isso é algo extraordinário para o qual ninguém dava atenção. Na segunda-secretaria fiz com que, por meio desse convívio, universitários de todo o país pudessem levar para os seus estados e suas universidades o que é o Parlamento. Os acadêmicos representam todos os segmentos sociais. De que forma é possível tornar as atividades da Câmara mais transparentes? Já há maior transparência na Câmara. Aqui você vê o que quiser ver, ninguém esconde nada. É tudo aberto. Mas o que pode melhorar? Pode melhorar dentro de normas. Tudo o que for feito na Casa terá de ser de conhecimento da sociedade. Nos dois anos que passei na primeira-secretaria, consegui, sem diminuir a ação dos parlamentares e de seus gabinetes, fazer com que o dinheiro fosse bem empregado. Por causa da economia e da seriedade com que tratamos as despesas, retornamos para os cofres da União R$ 90 milhões nesse período. Que medidas concretas o senhor tomou para que houvesse essa redução? Saneamento, a correta aplicação do dinheiro. Que tipo de excessos o senhor cortou? Cortamos excessos. Eu sei que devolvi, em dois anos, R$ 90 milhões, coisa que nunca ninguém fez. O senhor pode dar exemplo de algum excesso que havia e foi cortado? Por que fui o único secretário que devolveu, em dois anos, R$ 90 milhões aos cofres, sem mudar nada? Porque usei a seriedade e a parcimônia, não fiz excessos e, no final, deu esse valor, que não é uma importância pequena, é um valor apreciável. Mas quais foram, de fato, os problemas que o senhor conseguiu sanear? São tantos que não vou poder enumerar. Se pudesse, seria muito bom, porque já ia sabendo… Como presidente, vou ter condições de fazer mais coisas. O senhor identifica problemas na contratação de serviços terceirizados na Câmara? Foi milagre o que eu fiz com essa economia de R$ 90 milhões? Não. Apenas enxuguei e fiz com que a Câmara funcionasse e não esbanjasse. Um produto que custa R$ 10 tenho de comprá-lo por R$ 10, e não por R$ 12. Com austeridade, transparência e ajuda da imprensa, teremos mais tranqüilidade. “Foi milagre o que eu fiz com essa economia No ano passado, só 6,7% das leis federais sancionadas pelo presidente Lula foram propostas por deputados ou senadores. Como amenizar essa distorção, já que o Executivo foi o principal legislador? O grande problema está na onda das medidas provisórias. Vamos fazer com que essa onda diminua. Quem legisla é o deputado e o senador. O Executivo é pra executar, mas ele se preocupa mais em editar medidas provisórias, fazendo com que o parlamentar não possa levar seus projetos adiante. O governo pede regime de urgência urgentíssima para propostas de sua iniciativa, e os projetos de deputados e senadores ficam encostados nas comissões. Vamos dar um basta a isso. Mas os parlamentares não têm culpa por essa situação? A Constituição determina, por exemplo, que uma comissão mista analise previamente se a medida provisória é admissível ou não. Na prática, essa comissão nunca é instalada. Tem um pouco de acomodação sim. Mas vamos fazer com que essas acomodações não existam mais. |