Fábio Góis
Os atos administrativos secretos emitidos pelo menos desde 1995, escândalo que intensifica a crise instalada há meses no Senado, não devem ser anulados. Foi o que recomendou a comissão de sindicância designada pela Primeira Secretaria, em relatório divulgado nesta segunda-feira (6). Essa recomendação foi prevista há cerca de 15 dias pelo primeiro-secretário da Casa, Heráclito Fortes (DEM-PI), como adiantou o Congresso em Foco no dia em que a emissão dos 663 documentos sigilosos foi oficialmente anunciada pelo colegiado.
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“Por fugir ao escopo de suas investigações e pela exiguidade de prazo para a conclusão dos trabalhos, imperioso que se registre que o Colegiado não se ateve com o quantitativo dos atos elencados pela Comissão Especial em seu Relatório, bem como a natureza do conteúdo dos mesmos“, diz trecho das “deliberações iniciais” do relatório final, que recomenda ainda a instauração de processo administrativo disciplinar contra os ex-diretores Agaciel Maia (Diretoria Geral) e João Carlos Zoghbi (Secretaria de Recursos Humanos), ambos afastados devido a denúncias de irregularidades praticadas em pleno exercício de suas funções.
Em suma, o relatório isenta de responsabilidade os 81 senadores (e seus respectivos suplentes que, por circunstâncias diversas, assumiram o posto) que, em tese, beneficiaram-se do teor de determinados atos.
Em ofício encaminhado à Primeira Secretaria, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), determina, com base no relatório, a abertura do processo contra Agaciel e Zoghbi. A decisão deve ser publicada nesta terça-feira (7) no Diário Oficial da Casa. Os ex-diretores são apontados como os principais responsáveis pela emissão dos atos secretos que, tendo sido formalizados sem publicidade desde 1995, beneficiou parlamentares, servidores, parentes e aliados com contratações, aumentos, concessão de gratificações e extensão de prerrogativas parlamentares a diretores, entre outros propósitos. Ambos foram afastados em março: o primeiro, por ocultação de bens à Receita Federal (uma casa avaliada em R$ 4 milhões).
Já Zoghbi foi exonerado da função por ter repassado uso de imóvel funcional a parentes, mas ele também é investigado por suspeitas de irregularidade em concessão de empréstimo consignado para servidores da Casa. Os dois são enquadrados no relatório por prática de improbidade administrativa, prevaricação (crime contra a administração pública) e desídia (negligência).
Além da não anulação das centenas de atos clandestinos – à exceção do que estende prerrogativas parlamentares a não senadores, como revelou com exclusividade o Congresso em Foco em 27 de março deste ano (leia aqui e aqui) –, a comissão também isenta o também ex-diretor-geral Alexandre Gazineo, então adjunto de Agaciel antes do afastamento. A assinatura de Gazineo aparece na maioria dos atos, como apontou a mesma sindicância que o livra de processo administrativo alegando que ele agiu “no estrito cumprimento de suas obrigações funcionais”.
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Outros oito funcionários do Senado foram mencionados no relatório final, cinco deles responsabilizados por suposta participação na emissão dos atos clandestinos: Franklin Albuquerque Paes Landim; Jarbas Mamede; Ana Lúcia Gomes de Melo; Washington Luiz Reis de Oliveira; e Celso Antonio Martins Menezes. Além de Gazineo, “não tiveram participação nos ilícitos” descritos no relatório Clara Martins Pereira Delgado e José Paulo Cobucci. Todos prestaram depoimentos à comissão nos últimos dias.
Parecer ignorado
O relatório final ignora um parecer do Ministério Público Federal (MPF), que apura paralelamente a emissão dos atos secretos. O MPF recomenda à comissão de sindicância que todos os documentos não publicados (em afronta ao princípio constitucional da publicidade) sejam prontamente anulados, bem como os responsáveis pelas emissões afastados, diante da possibilidade de que estes venham a “destruir provas e interferir na apuração”.
Além disso, o Ministério sugere a instalação de outro colegiado para esclarecer se os reais beneficiários dos atos ocultados foram apenas “altos funcionários buscando vantagens” para se perpetuar nas respectivas funções (referência a Agaciel e Zoghbi), ou se há outros beneficiários. O parecer não faz menção a senadores, mas não exclui a possibilidade.
“Pouco importa quem assinou os autos, mas é absolutamente necessário saber quem determinou e porque determinou sua ocultação”, diz trecho do parecer assinado pelo procurador da República José Robalinho Cavalcanti, segundo informações do Portal iG. O procurador considera que, uma vez entendido por que Agaciel e Zoghbi ocultavam contratações e demais procedimentos administrativos, “novos envolvidos” podem ser descobertos.
Uma cópia dos autos do relatório da sindicância foi encaminhada por Sarney à Procuradoria Geral da República (PGR). Com base no material, a PGR pode executar as ações judiciais que julgar necessárias, uma vez que a comissão do Senado entende não estar incluída em seu “escopo” a tarefa de apontar os responsáveis pela emissão dos documentos clandestinos. Uma eventual ação da PGR poderia acirrar a já evidente indisposição de senadores em relação a procuradores, como este site demonstrou na última quinta-feira (2).
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