Tarciso Nascimento e Quito Rossi |
Autoridades federais, consultores, banqueiros, empresários e vários jornalistas influentes difundem a idéia de que a economia brasileira estaria “blindada” contra os efeitos da crise política. De fato, com exceção de soluços esporádicos (como uma eventual alta do dólar ou a oscilação negativa das ações de empresas negociadas em bolsa), a credibilidade da política capitaneada pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, tem sido suficiente para manter a economia relativamente imune aos reflexos do festival de escândalos que envolve o governo Lula e o Congresso. Mas alguns sinais de alerta já começam a ser notados. O próprio ministro Palocci admitiu publicamente que a crise gera um clima de “preocupação e tensão” no mercado, embora ele acredite que a economia brasileira é forte e não será seriamente afetada. Leia também São fortes, porém, os indícios de que a economia já começou – ainda que discretamente – a ser atingida pelo furacão político. “Existem várias formas de se afetar a economia”, analisa o cientista político Walder de Góes. “Uma delas é a expectativa negativa que se pode criar sobre ela. O Unibanco reduziu a sua posição de caixa para empréstimo. O que significa dizer que começou a tomar decisões em virtude do risco político. Então, sob esse aspecto, a crise já começa a contaminar a economia, mas é claro que o processo de disseminação não é imediato.” O Unibanco, um dos maiores bancos privados do país, não é o único exemplo de empresa que decidiu adotar uma posição de maior cautela em virtude dos acontecimentos políticos. Enquete divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo no último dia 31 demonstrou que 87% das empresas brasileiras se consideram “muito” (61%) ou “um pouco” (26%) afetadas pela crise. O levantamento, feito pela Escola de Negócios Mercatus, demonstrou que os principais efeitos são a redução dos investimentos e a queda das expectativas de vendas. “O empresariado começa a demonstrar desalento. Faltam ações concretas que criem condições e motivem novos investimentos”, atesta o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. O autor da declaração, vale lembrar, é conhecido por sua proximidade com o governo Lula e algumas estrelas do PT, como o senador paulista Aloizio Mercadante. Outras pesquisas confirmam a tendência detectada por Skaf. Levantamento divulgado em julho pelo Grupo de Líderes Empresariais (Lide) mostrou que 42% dos empresários, de um grupo de 170, temiam que a economia fosse prejudicada pelos escândalos. Resultado igualmente preocupante emergiu da 156ª Sondagem da Indústria de Transformação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), realizada no final do mês passado. Apesar de a maior parte dos entrevistados (44%) acreditarem na melhora do ambiente de negócios nos próximos seis meses, 17% esperam uma piora. A diferença entre otimistas e pessimistas é a menor dos últimos dois anos. Além disso, o nível de demanda foi considerado forte por apenas 14% das indústrias, contra 27% que o classificaram como fraco. Situação delicada Vários analistas econômicos de peso reforçam a idéia de que a situação econômica do Brasil é bem mais delicada do que sugerem os arautos de sua suposta “blindagem”. Embora considere os fundamentos da economia brasileira sólidos no momento, o economista e consultor Luis Otávio de Souza Leal diz que os resultados dificilmente seriam tão bons agora se houvesse no cenário mundial uma crise como a da Rússia, em 1998, ou a da Argentina, em 2001. Ele completa: “A tendência, com o prosseguimento da crise, é que o empresariado tenha menos apetite de investimento e surja um desânimo”. Para Luis Otávio, os números do terceiro trimestre já devem apresentar algum reflexo da queda de investimentos. Na opinião dele, a esperada redução na taxa de juros seria um bom teste para a economia, pois permitiria mostrar como os investidores irão precificar a crise e qual o real risco de se investir no Brasil. O economista aponta o câmbio como um bom termômetro da economia. Se houver uma oscilação num patamar elevado, afirma, o país poderia cair no ciclo vicioso de aumento da inflação, com conseqüente manutenção de juros elevados, impedindo a economia de crescer. O respeitado economista Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, é outro que considera “muito delicada a situação”. Até agora, pensa ele, não houve nenhuma demonstração de que a crise política tenha colocado em risco a economia. Mas isso poderá ocorrer se os arbitragers – investidores que compram bens em um mercado para vendê-los em outro, lucrando com a diferença no preço ou na taxa de câmbio entre os dois mercados – tiverem dúvidas a respeito da condição política e econômica do país. “Com uma percepção de mudança na política econômica”, pondera Belluzzo, “os arbitragers saem abruptamente para proteger aquilo que ganharam, para impedir uma perda eventual. Então é muito delicada a situação. Se alguma figura ou expoente do governo for atingido pela crise, pode mudar o sentimento do mercado. Isso é uma coisa que não tem um percurso lógico, preciso”. Belluzzo lembra ainda que o Brasil convive hoje com “uma relação câmbio/juros extremamente improvável, que está sendo mantida independentemente do que acontece na esfera política”. E arremata: “Se houver uma ameaça de crise mais grave, certamente o mercado vai reagir e temer que haja uma mudança mais profunda”. Bolsa de apostas O diretor responsável pelo Modal Asset Management, Alexandre Póvoa, fala que vivemos atualmente uma conjuntura curiosa. De um lado, os investidores locais estão vendendo, antevendo que a situação econômica pode piorar. Do outro, os investidores estrangeiros aproveitam para comprar. “Com o tempo, vamos ver quem está certo”, afirma. Enquanto diferentes pesquisas captam temores crescentes do empresariado nacional em relação aos possíveis desdobramentos da crise política, o chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, tem uma visão bastante tranqüila da questão. Ele cita a relação entre a dívida externa e o Produto Interno Bruto (PIB), que caiu de um patamar de 47% para 29%, e a estabilidade do chamado risco Brasil em torno de 400 pontos como exemplos de que a economia brasileira está saudável. “Nos últimos anos, o governo fez certo tudo o que tinha que fazer”, ressalta, destacando a taxa de câmbio flutuante e as metas de inflação. Na sua opinião, pode estar havendo uma pausa nos investimentos, mas isso ocorre mais por causa da taxa de juros, que permanece alta. A influência das incertezas políticas é pequena, enfatiza. “O que existe são agentes de mercado interessados em ganhar com a situação”, conclui. Bastante diferente é a abordagem do analista econômico Décio Pizzato. “Quando há crises, tem sempre alguém que enxerga mais do que os outros”, diz ele. Nesse sentido, sua previsão é de que agosto será um mês decisivo para verificar as tendências da economia brasileira. Seja por conta do desenrolar da crise política, seja por causa das expectativas quanto a decisões econômicas que o governo pode tomar (por exemplo, a eventual redução dos juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária – Copom – do Banco Central). No seu entender, porém, não há razão para muito otimismo. A falta de investimentos em infra-estrutura e a ausência de uma política ativa de desenvolvimento tornariam, por si só, bastante reduzida a margem para crescimento econômico até o final do mandato de Lula, mesmo que a crise tenha um desfecho razoavelmente favorável ao governo. Caos econômico? Em meio a tantas variáveis, há até mesmo quem já se atreva a prever cenários apocalípticos. Em enquete realizada em julho pelo Congresso em Foco, 10,8% dos senadores consideraram que a crise se agravará, trazendo “caos econômico”. Hipótese absurda? Não é o que pensa o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. “Evidentemente, isso pode ocorrer sim, se a crise se agravar a ponto de suscitar dúvidas a respeito da política econômica”, afirma. Alexandre Póvoa diz que a grande preocupação dos investidores é saber até que ponto a crise vai afetar o tripé da economia: política fiscal responsável, política monetária estabelecida de acordo com critérios econômicos (e não políticos) e controle da inflação. “Nos últimos 20 dias, as pessoas têm se mostrado estarrecidas com os acontecimentos”, ressalta. Ainda assim, ele acredita que as influências da crise estão, por enquanto, restritas às expectativas, o que explica a cautela já observada com relação à realização de investimentos. De qualquer maneira, continua o economista, nem a crise política nem os juros altos têm desaquecido a economia como se esperava. “O governo deu muita sorte com o cenário externo favorável nos últimos três anos”, diz, dando como exemplo o excelente superávit comercial acumulado até julho (saldo de aproximadamente US$ 25 bilhões). No entanto, adverte, a situação preocupa à medida em que as denúncias vão chegando perto do núcleo decisório do governo. |
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