Mário Coelho
A pressão da sociedade por mais transparência nos gastos com dinheiro público no Congresso Nacional criou uma espécie de efeito cascata nas assembleias legislativas. Após os últimos escândalos ocorridos na Câmara e no Senado, os deputados estaduais também se sentem pressionados a prestar contas do uso da verba indenizatória e já cogitam acabar com o benefício nos estados.
A possibilidade de acabar com a verba indenizatória nos estados ganhou corpo na última sexta-feira (8), no 6º Encontro do Colegiado de Presidentes das Assembleias Legislativas, que contou com a presença de 20 representantes das 27 casas do país.
A necessidade de se rever o atual modelo foi consenso entre os presidentes dos legislativos estaduais, mas os entendimentos pararam por aí. Tanto que, apesar de o assunto ter sido discutido, a extinção da verba indenizatória não entrou no documento que encerrou o encontro, a Carta de São Paulo. A redução dos juros das dívidas dos Estados com a União, mudanças na Constituição Federal para regras sobre precatórios e revisão da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) incidente sobre combustíveis foram as principais reivindicações do texto.
Levantamento feito pela Câmara dos Deputados, com informações fornecidas pelas próprias casas legislativas estaduais, aponta que 24 delas gastam, por mês, R$ 15.764.620 com o ressarcimento de despesas de seus 935 parlamentares. Isso dá uma média de R$ 16.860 para cada deputado estadual. O valor médio gasto é superior aos R$ 15 mil que os deputados federais têm à disposição na Câmara. Não entraram na conta os estados do Piauí, do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Norte, que não forneceram informações sobre o benefício.
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Mais que na Câmara
Em oito assembleias legislativas, o montante reservado para os estaduais supera o total destinado aos parlamentares federais. Alagoas está no topo do levantamento, elaborado a pedido do presidente Michel Temer (PMDB-SP). Cada deputado estadual alagoano tem direito a ser ressarcido em até R$ 39 mil a cada mês por despesas com o mandato.
Alagoas é seguido de perto por Santa Catarina. Os deputados catarinenses tinham até o mês passado R$ 38 mil como limite de custeio. Esse valor poderia ser usado para o pagamento de despesas com telefones fixos e celulares, despesas de gráfica e fotocópia, correios, aluguel e combustível para veículos, diárias, passagens aéreas e terrestres, subvenção social, além de até R$ 7,5 mil de verba indenizatória.
As outras casas com valores maiores do que a Câmara são as assembleias do Paraná (R$ 27,5 mil), Mato Grosso (R$ 23 mil), Ceará (R$ 22.970), Minas Gerais (R$ 20 mil), São Paulo (R$ 17.450) e Rio Grande do Sul (R$ 15.860). Do outro lado da tabela, de acordo com o levantamento feito em Brasília, estão os estados de Rondônia (R$ 8,6 mil), Espírito Santo (R$ 7,8 mil) e Sergipe (R$ 7 mil) com os menores gastos.
“O vínculo do subsídio deve deixar de existir. A verba indenizatória tem que ser examinada, temos que encontrar alternativas”, defendeu o presidente do colegiado das assembleias, deputado Alberto Pinto Coelho (PP), que comanda o legislativo mineiro. Para o parlamentar de Minas Gerais, o benefício está no limite de uma pequena fronteira entre o público e o privado. “Talvez agora seja o melhor momento para reavaliar a verba”, disse Coelho, em entrevista ao Congresso em Foco na última sexta-feira, logo após o encerramento do encontro.
Comissão
Apesar de sentirem a pressão da opinião pública, os deputados estaduais defendem cautela na discussão das mudanças. O consenso no colegiado é de esperar a decisão que a Câmara deve tomar até o fim do mês. Em 29 de abril, Michel Temer constituiu uma comissão para fazer um diagnóstico, modernizar e dar transparência aos recursos repassados aos parlamentares para o exercício da função. O grupo tem o prazo de 30 dias para promover estudos, fazer um diagnóstico sobre todos os pagamentos feitos pela Câmara aos parlamentares e apresentar um novo modelo de uso de todos os benefícios.
Pressionado por recentes denúncias de mau uso do dinheiro público – como o deputado Edmar Moreira (sem partido-MG), que usou a verba indenizatória para pagar despesas com suas próprias empresas de segurança –, Temer já determinou algumas mudanças. Uma delas é a publicação das notas fiscais dos pagamentos, com CNPJ, na internet.
“A grande diferença entre a Câmara e os legislativos locais é a transparência”, afirmou ao site o deputado Zonta (PP-SC), que foi deputado estadual por dois mandatos. Em um deles, o catarinense acumulou a primeira secretaria da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), responsável pelo pagamento e fiscalização dos benefícios.
Sem limite
Em 23 de abril, a Alesc mudou as regras do jogo. Extinguiu a verba de R$ 38 mil e deixou os deputados livres para gastarem como quiserem. Em entrevista ao jornal Diário Catarinense, o presidente da Assembleia, Jorginho Mello (PSDB), disse que o limite será o “bom senso”. Agora, entretanto, não há ressarcimento de despesas. O Legislativo local é que paga diretamente todas as despesas, desde que, segundo a diretoria de Comunicação Social, “com a comprovação da entrega e/ou da execução”.
De acordo com presidentes dos legislativos estaduais ouvidos pelo Congresso em Foco, que pediram para ficar no anonimato, o modelo catarinense é o preferido do colegiado. Mas, até sair o resultado da comissão instalada por Temer na Câmara, eles vão evitar tocar nesse assunto publicamente.
A assembleia catarinense não é a única que prepara mudanças. Os deputados paranaenses aprovaram no mês passado uma lei alterando a concessão do benefício. Até julho, a verba, que não terá o valor alterado, será dividida em duas partes. Do total, R$ 15 mil ficarão para despesas como locação de móveis, enquanto o restante – R$ 12,5 mil – será para pagamento de correspondências, chamadas telefônicas e transporte.
As duas casas também preparam portais da transparência, onde serão divulgados os gastos e as prestações de contas dos parlamentares, incluindo as notas fiscais. Para Cláudio Weber Abramo, diretor da ong Transparência Brasil, que acompanha de perto o uso do dinheiro público pelo Legislativo, não existe explicação para a falta de transparência das assembleias. “Não publicar essas informações implica que estão escondendo alguma coisa”, disparou Abramo em entrevista ao site.
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