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Mais do que votar as medidas provisórias do Executivo, o Congresso Nacional terá, em 2005, o desafio de concluir quatro reformas: a da Previdência, a tributária, a sindical e a política. As duas primeiras já estão em estágio avançado; as outras ainda são grandes incógnitas porque dividem os sindicalistas e os partidos políticos. A proposta de mudança na organização dos sindicatos só deve chegar à Câmara em duas semanas. Outras duas proposições ameaçam tirar o sono do governo: o projeto da Lei de Biossegurança, que confronta os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, e a proposta que redefine o papel das agências reguladoras, que está na mira da oposição. Outro delicado item pendente de votação é a proposta de emenda constitucional que torna mais rígida a punição para quem utiliza a mão-de-obra escrava. A proposta enfrenta resistência da bancada ruralista na Câmara. Leia também Entenda a seguir o que vai dominar os debates na Câmara e no Senado em 2005: Reforma Política O ano que antecede as eleições de 2006 deve ser marcado pela reforma política, que vai estabelecer as regras para os brasileiros irem às urnas. Como isso geralmente acontece ao sabor de conveniências do momento, é praticamente certo o fim da verticalização das coligações, o que vai permitir total liberdade para os partidos nos estados, independente da chapa presidencial. O presidente do PT, José Genoino, disse que a prioridade do governo para este ano é a reforma política. Os presidentes da Câmara e do Senado, João Paulo Cunha (PT-SP) e José Sarney (PMDB-AP), disseram coisas parecidas. Sarney chegou a defender publicamente um mandado de seis anos para o presidente da República – com a ressalva de que isso só poderia ser aplicado para o sucessor de Lula. Na verdade, a ampliação do mandato presidencial está na agenda de aliados do Palácio do Planalto, como os governistas do PMDB. O problema é que já há polêmica demais na reforma política para uma alteração que não tem consenso e será apontada como casuísmo, mesmo que passe a valer apenas para o sucessor de Lula. Além da ampliação do mandato, a reforma política prevê a introdução de listas fechadas nas eleições, sistema pelo qual o eleitor vota nos partidos, não nos candidatos, e os eleitos obedecem a ordem pré-fixada pelas legendas. A medida é pré-requisito para a adoção do financiamento público de campanha, mas também tem opositores ferozes, que propõem como alternativa uma lista mista – nomes indicados pelos partidos se alternariam com os escolhidos pelos eleitores. A reforma política deve diminuir ainda as exigências impostas pela chamada cláusula de barreira, que só permite o funcionamento de partidos que atingirem determinado coeficiente eleitoral – uma maneira de proteger “nanicos” como o PPS e o PCdoB. A discussão sobre a reforma política deve ser retomada em março, quando está prevista a votação de dois projetos que tratam do assunto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, na Câmara. Reforma sindical O governo já sinalizou que não pretende iniciar as discussões sobre a reforma trabalhista antes de o Congresso aprovar um novo modelo de estruturação das organizações sindicais. A reforma trabalhista, com a flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é uma exigência do empresariado, que vê na medida um estímulo para a contratação de empregados sem os encargos legais existentes hoje. Para ganhar tempo, o governo anunciou que fará primeiro a reforma sindical, sob o argumento de que é preciso antes fortalecer os sindicatos para, depois, trocar os direitos trabalhistas pela negociação. Depois de muita discussão no Fórum Nacional do Trabalho, com a presença de patrões e empregados, finalmente foi elaborado um anteprojeto, que se encontra na mesa do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e deve ser enviado ao Congresso na primeira semana de março. A proposta é bombardeada por algumas centrais sindicais. Os sindicalistas acham que o projeto dá superpoderes às centrais sindicais em relação aos sindicatos, estimula o plurisindicalismo, dá muitos poderes ao Ministério do Trabalho, dificulta greves e enfraquece os sindicatos nas negociações coletivas. A reforma reconhece as centrais sindicais, hoje sem regulamentação, e prevê o fim da unicidade sindical, instrumento que irá permitir a competição entre as entidades, passando a ser permitida a existência de mais de um sindicato por categoria. O atual imposto sindical será substituído por uma contribuição negocial, que só será cobrada caso haja acordo salarial entre patrões e empregados. Um grupo de sindicalistas já apresentou uma contraproposta, encabeçada pelo deputado Sérgio Miranda (PCdoB-MG) e pelo senador Paulo Paim (PT-RS). Reforma tributária Unificar a legislação do ICMS é o grande objetivo da reforma tributária, que vem sendo aprovada aos pedaços desde 2003. O problema é que os estados mais pobres combatem a medida, pois vêem nela um empecilho para a concessão de vantagens a empresas que queiram se instalar em seus territórios. O ICMS, hoje, tem alíquotas diferenciadas para cada uma das 26 unidades federativas e o Distrito Federal, e destina 25% do arrecadado aos municípios. Parte do que é arrecadado fica no estado em que o bem é produzido e, parte, no estado em que é comercializado – a não ser petróleo, combustíveis e energia elétrica, casos em que o ICMS fica no estado em que é produzido. Com a mudança, a legislação federal se sobreporá às estaduais. Serão apenas cinco alíquotas (a serem definidas pelo Senado), sendo a mais baixa para cesta básica e medicamentos essenciais. A receita do ICMS será destinada gradualmente, em oito anos, para estados em que são comercializados bens ou serviços. O problema é que a falta de consenso entre os governadores têm impedido a aprovação do projeto, que tem como relator o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG). Candidato avulso à presidência da Câmara, Virgílio terá de entregar a relatoria, caso vença a eleição nesta segunda-feira. Se perder a disputa, corre o risco de ficar sem o cargo, como retaliação da própria bancada, que decidiu lançar como candidato oficial o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP). PEC paralela da Previdência A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) paralela, que já foi aprovada no Senado e em primeiro turno na Câmara, é fruto de um acordo fechado entre o Legislativo e o governo para a aprovação da reforma da Previdência, em 2003 – que, entre outras coisas, criou a contribuição dos inativos. Na PEC paralela, fica restabelecido o texto da Constituição que inclui nas remunerações todos os tipos de verbas e acumulação de pensões. Ao mesmo tempo, ela exclui as verbas indenizatórias do teto dos benefícios previdenciários e restabelece três subtetos para o valor das aposentadorias dos servidores da União, estados e municípios. Entre outras mudanças, permite a instituição de regra de transição para os que ingressarem mais cedo na administração publica e garante a paridade de vencimentos entre os servidores públicos da ativa e os aposentados. A aprovação da proposta, insistentemente cobrada por parlamentares da base aliada, deve ocorrer nas próximas semanas na Câmara. Como o texto proposto pelos senadores já foi alterado, em primeiro turno, pelos deputados, a proposta terá de ser analisada pelo Senado, antes de ser promulgada. Agências reguladoras O anteprojeto de lei das agências foi apresentado pelo governo em setembro de 2003 como uma das prioridades do Palácio do Planalto, mas quando começou a tramitar no Congresso, em abril, acabou sendo colocado em segundo plano em função de outros projetos e das eleições municipais. Os pontos mais polêmicos são a transferência, das agências para os ministérios, da atribuição de conceder outorgas de serviços públicos e de assinar contratos de concessão e a criação de um contrato de gestão e avaliação de desempenho das atividades do órgão regulador. A tramitação da proposta está parada desde junho, quando governo e oposição não conseguiram chegar a um acordo para a votação da primeira versão do parecer do deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ). Picciani apresentou uma segunda versão de seu substitutivo, no dia 24 de agosto, que sequer foi lida na comissão. O novo parecer não difere muito do primeiro, nem elimina as divergências. Na maioria das vezes, as sessões marcadas para discutir a matéria não chegaram a ser abertas por falta de quorum. O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, acredita que o projeto será votado antes da Semana Santa. Depois de ser analisada pela Câmara, a proposta será submetida ao Senado. Lei de Biossegurança Ambientalistas e ruralistas ainda vão se engalfinhar em torno do projeto de lei de Biossegurança, aprovado em novembro por uma comissão especial da Câmara. Os deputados aprovaram o texto que chegou do Senado, onde foi reduzido o poder do Ministério do Meio Ambiente no controle da produção e comercialização de organismos geneticamente modificados. A proposta ainda vai a plenário, última chance dos partidários da ministra Marina Silva restabelecerem o controle sobre os produtos transgênicos, a cargo de uma comissão técnica formada por cientistas e pesquisadores, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). A versão enviada pelo Senado representa uma derrota para os ministérios do Meio Ambiente e da Saúde. Por ela, a CTNBio terá o poder de decidir se um produto geneticamente modificado precisará ou não do licenciamento ambiental do Ibama, vinculado ao Meio Ambiente, ou de licenças da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Caso o Ibama ou a Anvisa discordem da decisão da CTNBio, poderá apenas recorrer ao Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), composto por 11 ministros, que arbitrará o conflito. O projeto também autoriza a pesquisa com células-tronco de embriões, o que é combatido pela Igreja e pelos evangélicos. PEC do Trabalho Escravo Ruralistas fizeram de tudo, no segundo semestre de 2004, para dificultar a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/01, que determina a expropriação de terras onde for constatada utilização do trabalho escravo. O projeto está na Câmara e é motivo de cobrança de entidades de defesa dos direitos humanos, principalmente depois do assassinato de quatro funcionários do Ministério do Trabalho em Unaí (MG). Se for aprovada pelos deputados, a PEC será analisada novamente pelos senadores, uma vez que houve modificações do texto aprovado anteriormente no Senado. Durante a tramitação da proposta no Congresso foi retirado um dispositivo que dava ao colono prioridade na posse da terra expropriada, onde havia trabalhado em regime de privação de liberdade. Entre janeiro e outubro, mais de dois mil trabalhadores foram encontrados em situação degradante ou em privação de liberdade. |
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