ÉPOCA
O ministro entrou na festa
Há algum tempo não se via coisa parecida. Na semana passada, a Polícia Federal (PF) prendeu 35 pessoas na Operação Voucher, suspeitas de participar de desvio de recursos no Ministério do Turismo. Entre os presos está o secretário executivo do ministério, Frederico Silva da Costa (leia o quadro). A investigação se concentra em um convênio que liberou R$ 4 milhões para o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável (Ibrasi). No papel, o Ibrasi deveria treinar pessoas no Amapá para trabalhar no setor turístico. Na realidade, segundo a PF, o dinheiro foi desviado para empresas de fachada, montadas por servidores, políticos e empresários. Nas investigações, surgiu outro grande negócio com ingredientes para um novo escândalo. É comum que conversas gravadas com autorização captem diversos assuntos tratados pelos investigados. Foi assim que os policiais esbarraram no nome da empresa Warre Engenharia, de Goiânia. Os desdobramentos podem criar problemas para o atual ministro, Pedro Novais, do PMDB.
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A Warre foi contratada pela prefeitura de Goiânia para revitalizar o Parque Mutirama, a principal área de lazer na área central da capital de Goiás. O dinheiro para a obra – R$ 45 milhões – é do Programa Nacional de Desenvolvimento do Turismo (Prodetur), que tem recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e é administrado pelo Ministério do Turismo. Na época em que foi firmado o convênio entre prefeitura e ministério, Frederico Silva da Costa era o responsável pelo Prodetur. A escolha da empresa Warre não foi uma surpresa para o setor da construção civil em Goiás, segundo ÉPOCA ouviu de empresários de Goiânia. Antes mesmo da realização da concorrência pública no 001/2010, executivos do mercado comentaram que a obra estava destinada à Warre. Essas versões eram alimentadas por causa da relação de amizade entre as famílias de Frederico Costa, o responsável pela liberação dos recursos, e dos empresários Paulo Daher e Paulo Daher Filho, os donos da Warre.
Nove empresas se inscreveram para participar da licitação para a reforma do Parque Mutirama. Seis foram desclassificadas pela prefeitura. Das três que continuaram na disputa, duas desistiram às vésperas da abertura de propostas. Sobrou apenas a Warre. Denúncias feitas na Câmara Municipal de Goiânia pelo vereador Elias Vaz (PSOL) fizeram com que o prefeito Paulo Garcia (PT) anunciasse o cancelamento da concorrência e a abertura de uma nova licitação. Garcia sondou então o Ministério do Turismo e soube que, se revogasse a licitação vencida pela Warre, os recursos federais seriam suspensos. “A prefeitura recebeu um ofício do Ministério do Turismo em novembro de 2010. O documento dizia que o recurso estava liberado para a execução da obra e que, se ela não fosse iniciada até 31 de dezembro, o município perderia o dinheiro. Os recursos voltariam para o Orçamento Geral da União”, diz Andrey Azeredo, secretário de Licitações da prefeitura de Goiânia. “O ato de revogação da licitação do Mutirama foi até confeccionado. Mas, por problemas internos, o ato não foi publicado e ficou sem validade.”
Caso de deputada acusada de corrupção no Turismo vai ao STF
O Ministério Público Federal no Amapá encerrou nesta sexta-feira o inquérito sobre o esquema de corrupção no Ministério do Turismo. Segundo o procurador da República, Celso Leal, os envolvidos serão denunciados nos próximos dias e a suspeita sobre a participação da deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP) será enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF). “A investigação está concluída e os autos agora serão remetidos ao STF para analisar o caso da deputada”, afirmou. A Polícia Federal investiga um esquema de corrupção que desviava dinheiro do Ministério do Turismo. A polícia encontrou evidências do uso de uma ONG de fachada para desviar pelo menos R$ 3 milhões, mas suspeita que mais de R$ 10 milhões tenham sido desviados.
Os depoimentos dos suspeitos de integrarem o esquema apontam Fátima como beneficiária da fraude, e indicam que os recursos desviados teriam sido utilizados na campanha eleitoral. A deputada é autora das emendas que favoreceram o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), entidade pivô do esquema investigado pela PF. Além disso, quatro envolvidos no caso disseram à Polícia Federal que a peemedebista recebeu parte dos recursos desviados pela quadrilha em convênios da pasta.
Um dos depoimentos é de Merian Guedes de Oliveira, que aparece como secretária da Conectur, uma cooperativa fantasma do Amapá que, segundo a investigação, foi subcontratada pelo Ibrasi por R$ 250 mil e celebrou convênio com o próprio Ministério do Turismo em 2009 no valor de R$ 2,5 milhões. Merian disse que foi avisada pelo patrão e dono da Conectur, Wladimir Furtado, de que Fátima Pelaes ficaria com os recursos do Turismo destinados ao Amapá. Furtado foi preso na operação.
Alvo de corrupção no turismo, Amapá tem a pior capacidade hoteleira do país
O esquema de corrupção com verbas do Ministério do Turismo desbaratado por uma investigação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal tinha o Amapá como alvo. Segundo a PF, até R$ 10 milhões podem ter sido desviados, mas já há evidências de que pelo menos R$ 3 milhões que deveriam ser usados para reforçar o turismo no Estado foram parar nos bolsos dos organizadores do esquema. Todo esse dinheiro, oriundo dos impostos que os brasileiros pagam, teriam sido bastante úteis para o Amapá. O Estado é um dos que tem a menor quantidade de turistas e a pior capacidade hoteleira do país.
Os números do Ministério do Turismo mostram que o Estado precisa, de fato, promover o turismo. O Amapá tem uma vasta área de florestas e belezas naturais, de fácil acesso a turistas, além de praias, tanto na costa do mar quanto de água doce, do rio Amazonas. A principal atração turística do Estado é a Pororoca, o fenômeno do encontro das águas do rio Amazonas com a água do mar, formando uma onda que pode durar mais de meia hora. Além disso, o Estado oferece posições geográficas interessantes para explorar no turismo: Macapá é uma das cinco cidades que estão exatamente na região onde passa a linha imnaginária do Equador, e o Estado tem o ponto mais ao norte do Brasil, o Oiapoque.
No entanto, essa capacidade não está sendo aproveitada. Entre as 27 unidades da federação, o Amapá é o que tem a pior infraestrutura para o turismo do Brasil. Segundo os números de 2009 do Ministério do Turismo, são 15 hotéis no Estado – menos do que um por município – e um total de 908 leitos disponíveis. O Aeroporto Internacional de Macapá recebeu poucos turistas. Foram 270 mil desembarques domésticos e cerca de 500 desembarques internacionais naquele ano. É a quarta menor quantidade de desembarques do país, à frente apenas de Roraima, Tocantins e Acre. O Estado também é o quarto pior em quantidade de agências de turismo no Estado: existem apenas 51 agências cadastradas no Ministério do Turismo.
Quanto custa ser deputado
As formais estão na Constituição: o candidato precisa ter mais de 21 anos, nacionalidade brasileira e filiação partidária. A exigência informal não está em nenhuma lei, mas é tão verdadeira quanto as demais: para ser eleito, é preciso ter muito dinheiro. ÉPOCA cruzou os resultados das eleições de 2010 com os dados de financiamento de campanha de 3.767 candidatos a deputado em todo o país. A conclusão é que em todos os Estados há uma forte correlação entre arrecadação de dinheiro e sucesso eleitoral. As estatísticas provam que é até possível arrecadar muito dinheiro e mesmo assim perder a eleição. Mas parece dificílimo vencer sem arrecadar muito. Juntos, os 3.767 candidatos a deputado captaram R$ 887 milhões. Os 513 eleitos mais os 58 suplentes que assumiram alguma cadeira na Câmara após licença do titular foram responsáveis por 70% do montante.
O Estado que teve a eleição proporcionalmente mais cara foi Roraima, onde cada voto custou R$ 66,16. Entre os eleitos, o campeão em receitas foi Sandro Mabel (PR-GO), com R$ 4,9 milhões. Já o custo por voto mais alto foi de Edio Lopes (PMDB-RR), com uma média de R$ 152,14 para cada eleitor. Curiosamente, os dois candidatos que mais arrecadaram no país não foram eleitos. Confira abaixo o gráfico interativo, que apresenta outros tipos de cruzamento e dados exatos de cada candidato sobre a arrecadação, o voto e o custo do voto.
Cesar Maia: “honra ser vereador em uma cidade como o Rio” (trecho de entrevista)
Cesar Maia é o homem que por mais tempo ocupou o cargo de prefeito do Rio de Janeiro. No total, 12 anos. Nunca perdeu uma eleição na cidade. Em 2006, chegou a ser pré-candidato do DEM à Presidência da República, mas seu partido acabou apoiando Geraldo Alckmin (PSDB). Cinco anos depois, ele cogita ser candidato a vereador e garante não achar o cargo pouco importante para quem já pleiteou a Presidência. “Deputado federal, deputado estadual honram. Vereador de uma cidade como o Rio também honra”. Ele espera ter votação de prefeito. “Para ser um vereador ‘da cidade’, tenho de ter votação de candidato majoritário. Tantos votos quanto o segundo ou terceiro candidato a prefeito.”
César Maia recebeu ÉPOCA em seu escritório, em São Conrado, na terça-feira (9). Falou de tudo: eleições, Serra, Cabral, Aécio, DEM, Arruda e de si mesmo. Sobre as eleições para presidente no ano passado afirmou que “lançar Aécio (Neves, hoje senador pelo PSDB-MG) seria um risco e um desperdício”. Questionado se José Serra é carta fora do baralho para 2014, disse ter “certeza que sim”. Afirmou que a campanha de Serra foi muito “fechadinha” e que, além do DEM, muita gente se sentiu desprestigiada. “O Sérgio Guerra também, o Aécio também, o FHC também. O Tasso também.”
ÉPOCA – Passado quase um ano da eleição, o senhor acha que a oposição acertou em escolher José Serra, ou era hora de Aécio?
Cesar Maia – Passamos dessa fase. Em uma eleição com a situação excepcional que vivia o Lula, lançar o Aécio seria um risco e um desperdício. E o fato de Aécio ter sido um grande vencedor nessa eleição, elegendo senador e governador, fez que com ele crescesse no exercício do Senado. Assim, você preserva um quadro para 2014, que será inexoravelmente ele.
ÉPOCA – O senhor considera o Serra carta fora do baralho?
Maia – Tenho certeza que sim. Não que lhe faltem méritos ou capacidade, mas a capacidade eleitoral dele foi muito afetada. Embora tenha tido uma votação muito boa no segundo turno, o estilo de fazer essa campanha o afastou muito do partido e dos parceiros totalmente. Fez uma campanha muito fechadinha com mínimas consultas para o entorno. Na do (Geraldo) Alckmin (governador de São Paulo, pelo PSDB) as consultas eram permanentes, o conselho político se reunia. Serra foi vitorioso na campanha eleitoral e um derrotado do ponto de vista político.
ÉPOCA – O DEM de sentiu desprestigiado com essas “poucas consultas”?
Maia – O Sérgio Guerra (presidente do PSDB) também. O Aécio também. O FHC também. O Tasso (Jereissati, ex-senador) também. E o DEM certamente. Mas em 2014 ele terá um papel importante para apoiar um candidato vencedor.
José Sergio Gabrielli: “A crise pode ser uma coisa positiva” (trecho de entrevista – José Sérgio Grabrielli)
“Ela já gritou comigo. E eu já gritei com ela também. Hoje eu não posso gritar porque ela é minha chefa.” Nesse tom amistoso, José Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras durante o governo Lula e mantido no cargo por Dilma Rousseff, descreve sua relação com a presidente. Ele diz que são duas pessoas de posições firmes, mas que se respeitam mutuamente. Uma linha direta com o Palácio do Planalto é fundamental na gestão da maior estatal do país, onde o executivo que se senta na cadeira de presidente tem de conciliar interesses divergentes do governo e da empresa.
“Temos de ser um pouco esquizofrênicos”, diz Gabrielli. No atual cenário da economia internacional, porém, o problema de Gabrielli é administrar os interesses convergentes tanto do governo como da Petrobras: como aproveitar a crise financeira internacional para que tanto o país como a empresa saiam mais fortes dela. Para Gabrielli, as chances de esse cenário se realizar são grandes.
ÉPOCA – Como a crise internacional afeta o petróleo?
José Sergio Gabrielli – É uma resposta muito difícil porque há algumas características dessa crise agora que são ainda muito incertas. O primeiro elemento é que a crise na Europa é mais grave do que nos Estados Unidos. Qual é o problema central na crise europeia? A capacidade da política fiscal de cada país para enfrentar o deficit e a dívida pública está no limite como instrumento efetivo de ação dos governos. Os governos europeus já tinham abandonado o uso da política monetária nacional, uma vez que têm moeda única. Portanto, a lógica da política monetária europeia é uma lógica de concertação entre países. Quando os países estão em estágios distintos de crise – a situação da Alemanha, por exemplo, é completamente distinta da situação da Grécia –, essa lógica faz com que as respostas monetárias sejam mais lentas. À medida que a resposta de política monetária é mais lenta, você tem um fenômeno de credibilidade sobre a capacidade de os Estados cumprirem suas obrigações.
ÉPOCA –Ou seja, a crise da Europa é uma crise de credibilidade?
Gabrielli – Eu acho que sim. Esses países mantêm taxas de juros baixas porque não podem aumentar os juros para não provocar uma recessão ainda mais profunda. Isso faz com que os capitais excedentes busquem aplicações que têm mais retorno e um mínimo de segurança. Essa seletividade busca aplicações mais seguras, como o ouro.
ÉPOCA –Essa busca por aplicações com bom retorno e segurança pode favorecer as commodities?
Gabrielli – Acho difícil falar em commodities em geral, mas o petróleo em particular, sim. Petróleo é uma quase moeda hoje. É uma commodity que tem um componente financeiro muito grande em seu preço.
ISTOÉ
PF versus Cardozo
À primeira vista, a operação da Polícia Federal que, na terça-feira 9, colocou na cadeia parte da cúpula do Ministério do Turismo pareceu ao mundo político brasiliense um tiro contra o PMDB, partido responsável pela indicação do ministro Pedro Novais. Nos dias que se seguiram, porém, ficou claro para a base aliada que o canhonaço fora disparado em direção a outro Ministério: o da Justiça, que, ao menos no papel, comanda a Polícia Federal. Para piorar, ficou claro também para o Planalto que o disparo foi feito com o intuito de atingir o titular da pasta, o petista José Eduardo Cardozo, que nunca teve lá uma relação tranquila com a Polícia Federal. Ninguém esperava que cúpula da PF fosse capaz de investir com tanta audácia contra seu chefe-maior. O episódio ganhou contornos de enfrentamento em consequência dos supostos exageros ocorridos na Operação Voucher, nas prisões cinematográficas e no transporte dos suspeitos algemados para Macapá (AP). No fim da semana, com uma troca de notas públicas entre o gabinete do ministro e a PF, o clima azedou de vez. O Palácio do Planalto estudava, na quinta-feira, a possibilidade de demissões na cúpula da Polícia Federal. A ação policial foi interpretada pela presidente Dilma Rousseff como um ato de insubordinação ao titular da Justiça.
O uso de algemas e a exposição dos presos para fotografias com as mãos presas a um cinturão de couro provocou a reação da cúpula do PMDB na manhã da quarta-feira 10, um dia após a megaoperação que mobilizou 200 policiais federais e prendeu 38 pessoas ligadas ao Ministério do Turismo. O custo político foi debitado na conta de José Eduardo Cardozo. A foto que mais irritou os peemedebistas foi a do secretário nacional de Programas de Desenvolvimento do Turismo, o ex-deputado Colbert Martins. “É inadmissível, inaceitável. Ele não é ladrão, não é bandido. Não havia risco de sair correndo”, protestou o líder da bancada na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). As reclamações foram levadas à presidente Dilma Rousseff pelo vice-presidente da República e presidente licenciado do partido, Michel Temer. Por volta das 11h, a presidente telefonou para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e cobrou esclarecimentos. “O que está acontecendo? Isso não está correto!” A posição da presidente se baseava em outro fato. A Súmula 11 do Supremo Tribunal Federal (STF), aprovada em 2008, determinou que o uso de algemas “só é lícito em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia”.
Exatamente às 14h53 daquele mesmo dia, chegou ao gabinete do diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Coimbra, um ofício encaminhado por Cardozo. Ele determinou a prestação de informações, com urgência, sobre o uso de algemas na operação. Deixou claro que baixava a determinação considerando “o dever de respeito aos direitos individuais e aos princípios do Estado de Direito”. Exigiu ainda a abertura imediata dos procedimentos disciplinares, caso constatado qualquer abuso. A Polícia Federal respondeu divulgando nota oficial. Sustentou que o uso de algemas teria ocorrido com estrita observância da Súmula Vinculante 11, que, na sua avaliação, não proíbe “determinantemente” a sua prática. O enfrentamento estava oficialmente configurado, mas a movimentação da presidente e do ministro serviu, pelo menos, para acalmar o PMDB, que se sentiu prestigiado mais uma vez. O presidente nacional do partido, Valdir Raupp (RO), falava com cuidado, mas parecia aliviado na quarta-feira à noite: “O PMDB não é contra a apuração nem contra punições, mas houve realmente uma exposição das pessoas. A vida deles já está devastada. Não tem indenização que pague isso”.
Ditos e desditos
Roberto Talma, que é diretor de novelas da Globo, protagonizou uma cena patética. Na segunda-feira 8, ele publicou no jornal “Folha de S. Paulo” uma nota paga retratando-se das acusações que havia feito contra o ex-ministro Hélio Costa à ISTOÉ em agosto de 2010. Na ocasião, Talma lançou suspeitas sobre um acordo de indenização de R$ 254 milhões, assinado pela Telebrás, em 2006, durante a gestão de Costa. Esse acordo beneficiou a empresa VT UM Produções e Empreendimentos, de Uajdi Moreira, empresário, ex-produtor de tevê e amigo tanto de Costa como de Talma. O diretor, que reivindica na Justiça de São Paulo 23% do valor da indenização por conta de um empréstimo a Moreira, acusou o ex-ministro de ter embolsado parte da bolada. “Acho que Uajdi já deu o dinheiro que tinha que dar para o Hélio Costa”, disse Talma à reportagem em entrevista gravada. Em resposta, Costa o processou. Agora, mais de um ano depois do feito e cumprindo determinação da Justiça, o diretor vem a público para dizer que mentiu. “Fiz declarações que reconheço serem inverídicas contra o senador Hélio Costa atribuindo-lhe a prática de atitudes antiéticas ou ilegais”, escreveu.
Surpreende que alguém com a reputação profissional de Talma se preste a esse tipo de prática. Além disso, seu desmentido acaba por tornar o caso ainda mais nebuloso. Embora o STF tenha concluído que a responsabilidade do acordo de indenização foi da Telebrás e não de Costa, não há dúvidas de que a empresa está sob a influência direta de quem comanda o Ministério das Comunicações. Costa é quem chefiava a área. O Ministério Público já havia pedido ao Coaf levantamento de todas as transferências financeiras feitas pela Telebrás para a VT Um Produções. Uma delas, de R$ 59,5 milhões, foi efetuada logo após o fechamento do acordo. Depois disso, Uajdi passou a receber 40 parcelas mensais de R$ 900 mil. Outros R$ 107 milhões seriam pagos em créditos que a Telebrás tem com a Receita Federal.
É bom lembrar também que a VT UM, em processo semelhante promovido contra a Embratel, a quem prestara os mesmos serviços pelo mesmo período, recebeu R$ 44 milhões. Ou seja, 17% do valor pago pela Telebrás. A AGU resolveu questionar a diferença e, recentemente, conseguiu na Justiça o bloqueio de R$ 158,4 milhões, em valores corrigidos, que ainda seriam pagos à produtora do amigo de Costa. A mesma AGU já havia solicitado ao Coaf, no ano passado, um relatório sobre as movimentações financeiras do ex-ministro e de pessoas ligadas a ele. Procurado pela reportagem, Costa não quis se pronunciar. Talma, agora surpreendentemente satisfeito, também não retornou as ligações. Nesta novela com cheiro de folhetim, o diretor não parece disposto a revelar o verdadeiro epílogo.
Doações suspeitas
Os indícios de favorecimento a empresas doadoras das campanhas do Partido Progressista não se resumem a obras contratadas pelo Ministério das Cidades. O emaranhado de interesses que misturam finanças partidárias e recursos públicos vai além das áreas comandadas diretamente pelo ministro Mário Negromonte e supervisionadas pelo ex-tesoureiro do PP Leodegar Tiscoski, também secretário nacional de Saneamento do ministério. A relação entre as doações de campanha e contratos considerados irregulares pelo Tribunal de Contas da União (TCU) também pode ser vista em outros órgãos sob a influência direta do partido. Uma das principais patrocinadoras da campanha do ministro Negromonte à Câmara Federal e de seu filho Mário Negromonte Júnior à Assembleia Legislativa da Bahia foi igualmente agraciada com um contrato com a Petrobras que o TCU carimba como irregular.
A empresa é a Jaraguá Equipamentos Industriais Ltda., contratada pela Petrobras com o aval de seu diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa, indicado para a estatal pelo PP, o partido do ministro Negromonte. A aprovação pela Petrobras de correções estupendas do valor original do contrato com a Jaraguá é questionada pelo tribunal desde 2005. Este ano, depois de ouvir os diretores da Petrobras, a Secretaria de Controle Externo do TCU no Rio de Janeiro – equipe técnica do tribunal – considerou injustificáveis as alegações dos responsáveis pelo contrato, entre eles Paulo Roberto Costa.
De acordo com a prestação de contas de Negromonte ao TSE, do total de ¬R$ 1,4 milhão em receitas de sua campanha à Câmara Federal em 2010, ele recebeu R$ 500 mil da Jaraguá Equipamentos Industriais – sua maior doadora, portanto. Já Mário Negromonte Filho, candidato a deputado estadual, recebeu R$ 85 mil da mesma empresa. A relação entre o apadrinhado diretor da BR Distribuidora Paulo Roberto Costa e Mário Negromonte é estreita. Quando era líder do PP na Câmara, na última legislatura, Negromonte ajudou a bancar a permanência do Paulo Roberto Costa na Petrobras. Teve como parceiros nesse esforço o presidente da sigla, senador Francisco Dorneles (RJ), e o ex-deputado Pedro Corrêa. Com frequência, Negromonte e a cúpula do PP se reúnem com Costa, em um hotel de São Paulo. “Costa é fiel ao PP, não age sem consultar os seus principais líderes”, explicou à ISTOÉ um influente parlamentar progressista.
O que há de real na crise
Na semana passada, o cientista político Jean-Claude Trichet, um francês de 67 anos com mais de quatro décadas de experiência no mercado financeiro, declarou que a atual crise econômica é a pior desde a Segunda Guerra Mundial. Isso nada significaria, se ele não fosse o presidente do Banco Central Europeu – e por isso suas afirmações reverberaram com a força de um tsunami. Dias antes, a agência Standard & Poor’s também havia espalhado pânico ao rebaixar a avaliação de risco dos Estados Unidos da categoria AAA para AA+. De acordo com a S&P, o país deixou de ser 100% confiável em termos financeiros, diagnóstico suficiente para provocar histeria nos investidores e desencadear perdas gigantescas nas principais bolsas de valores globais. Mas não foi só. Na lógica insana do mercado, essa entidade quase etérea que se manifesta com força máxima nos momentos de crise, o mundo estaria prestes a assistir ao início da derrocada americana. A recessão planetária seria uma questão de tempo. Além de Estados Unidos e Europa, nações emergentes como o Brasil ficariam seriamente expostas à hecatombe econômica global. Em resumo: uma tragédia anunciada e provavelmente sem antídotos para combatê-la.
Seria ingênuo afirmar que não existe crise, mas não é exagero dizer que ela certamente não é tão feia quanto parece. Basta dar uma espiada no que andam dizendo algumas das vozes mais lúcidas da área financeira. Prêmio Nobel de Economia, o americano Paul Krugman, um crítico moderado do governo Obama, chamou de “cara de pau” a iniciativa da S&P. Para quem não se lembra, essa agência foi uma das responsáveis pela crise do subprime de 2008, ao respaldar instituições que estavam à beira da falência. Ou seja, credibilidade não é um atributo que deva ser associado a empresas como a S&P. Professor da Fundação Getulio Vargas e ex-ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser Pereira define assim a decisão da agência: “A S&P agiu de forma tresloucada”, disse ele à ISTOÉ. A presidente Dilma Rousseff classificou o rebaixamento de “precipitado e incorreto” e não foram poucos os artigos publicados nos principais jornais do mundo com críticas ferozes à redução da nota.
Krugman toca em um ponto crucial para colocar a crise em seu devido lugar. “Não é a matemática orçamentária que está fazendo com que os Estados Unidos pareçam pouco confiáveis, e sim a política”, escreveu ele em sua coluna no “The New York Times”. Que a situação financeira dos Estados Unidos inspira cuidados, não é novidade. Na última década, o país sofreu uma série de turbulências, desde o estouro da bolha das empresas de internet em 2001 à concordata do centenário banco de investimentos Lehman Brothers, em 2008. O brutal aumento da dívida pública, o PIB em marcha lenta e a redução do volume de investimentos agravaram o quadro enfrentado pelo presidente democrata Barack Obama, mas o caos não tem a dimensão projetada pelos opositores ultraconservadores abrigados no Partido Republicano.
Brasileiros procurados pela Interpol
Uma rápida olhada identifica poucos rostos conhecidos. Mas na relação de brasileiros procurados pela Organização Internacional de Polícia Criminal, a Interpol, todos são igualmente perigosos. E a lista pública de criminosos pátrios no site da instituição está em plena expansão. Nos últimos dois anos, o número de brasileiros procurados praticamente dobrou, chegando a 173. Entre os fatores que contribuem para essa situação está a vulnerabilidade nas fronteiras e nos aeroportos nacionais, revelada por ISTOÉ na sua edição de 25 de maio deste ano. A reportagem mostrou que a Polícia Federal declinou parte do controle de entrada e saída do País e a emissão de passaportes para despreparados funcionários de empresas terceirizadas – o que é um prato cheio para bandidos em fuga. Mas também há um lado positivo nesse aumento, que é o azeitamento das relações entre autoridades policiais e judiciárias, regulamentado desde o final de 2010 pelo Conselho Nacional de Justiça. O órgão de controle externo do Judiciário brasileiro publicou instrução normativa que definiu regras para a emissão de mandados de prisão internacionais, colaborando para o crescimento dos avisos de foragidos à Interpol, chamada de difusão vermelha.
Com isso, o número de prisões também aumentou. “Do início de 2010 para cá, conseguimos prender 39 foragidos da Justiça brasileira, sendo 24 brasileiros”, informa o coordenador da Interpol no Brasil, o delegado federal Luiz Eduardo Navajas. “É um índice de detenções acima da nossa média histórica.” No País, a Polícia Federal representa a entidade policial intergovernamental, com sede em Lyon (França) e presente em 188 países. A maioria das prisões de brasileiros acontece na Península Ibérica (Portugal e Espanha). São os locais mais procurados pelos criminosos devido à facilidade do idioma. Com base em indícios de que o réu saiu do país em que é acusado, o juiz emite uma ordem de prisão internacional e, nesse momento, escolhe se ele fará parte ou não da lista pública do site. Portanto, há brasileiros caçados sob sigilo pela Interpol, o que deve aumentar o número do total de procurados em cerca de 30%.
Dois casos de brasileiros chamam a atenção pela notoriedade. Há pelo menos sete meses, policiais buscam pistas do paradeiro do ex-médico Roger Abdelmassih, 67 anos, condenado em primeira instância a 278 anos de prisão pelo estupro de 37 mulheres, entre os anos de 1995 e 2008, em sua clínica de reprodução humana em São Paulo. Investigações apontam que ele teria obtido um passaporte falso no Uruguai e de lá fugido para o Líbano, segundo apuração da polícia paulista. Um ótimo destino para um foragido, já que a nação do Oriente Médio não possui tratado de extradição com o Brasil. “Caso ele seja preso nesse país, a extradição pode ser pedida, baseada no princípio do direito internacional da reciprocidade”, explica Navajas.
Em situação curiosa está um habitué dos tribunais brasileiros na qualidade de réu em diversos processos por desvio de verba pública e enriquecimento ilícito. O ex-prefeito, ex-governador e atual deputado federal (PP-SP) Paulo Maluf está praticamente impedido de sair do País desde março do ano passado, quando a Justiça americana emitiu mandado de prisão contra ele e seu filho, Flávio Maluf, pelos crimes de conspiração, auxílio na remessa de dinheiro ilegal para Nova York e roubo de dinheiro público em São Paulo. “As acusações são falsas”, estrilou Maluf na época. Em tempo: o parlamentar não pode ser preso pela Interpol aqui porque a legislação não permite que um brasileiro seja extraditado do País.
CARTACAPITAL
O governo entre duas trincheiras
Ao mesmo tempo que parte da base aliada adotou uma “obstrução branca” no plenário da Câmara, em um claro boicote ao governo, parlamentares da oposição iniciaram a coleta de assinaturas para tentar criar uma “CPI mista da corrupção”. A nova tentativa de atingir o governo, lançada na quinta-feira 11, substitui a CPI dos Transportes, que chegou a ser protocolada no Senado, mas acabou engavetada. Parte dos parlamentares da base que participaram da obstrução estaria ameaçando assinar a CPI mista, numa tentativa de demonstrar força contra o governo.
A CPI mista seria encarregada de investigar todas as denúncias de irregularidades em órgãos da administração federal, sobretudo nos ministérios dos Transportes, Cidades, Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Trabalho, Turismo, além da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Valec, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
A oposição anunciou que exibirá na internet material de forte pressão no Congresso. “Os que assinarem querem investigação. Os que não assinaram estarão posando para a plateia”, declarou o presidente do DEM, senador Agripino Maia (RN). São necessárias 171 assinaturas de deputados e 27 de senadores para viabilizar uma CPI. O requerimento da “CPI da corrupção” foi fechado na quinta-feira 11, em reunião de deputados e senadores do PSDB, DEM, PPS e PSOL.
Na quarta-feira 10, o boicote resultou em nenhuma votação de projeto ou medida provisória. A obstrução foi comandada pelo PMDB, e seguida pelo PR, PP e PTB. Segundo o líder do governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), tratou-se de “um estresse na base”. Ele disse que na terça-feira 16 as votações seriam retomadas. Mas os deputados querem que o governo libere o pagamento das emendas e defina os nomeados para os cargos de segundo escalão.
Na noite de quarta-feira 10 a presidenta Dilma Rousseff pediu conselho ao ex-presidente Lula e ouviu dele que precisará “fazer uma repactuação na base” e jamais esticar a corda com o PMDB. Na terça-feira 9 o PMDB chegou a ameaçar romper com o governo depois de saber que o Ministério do Turismo, dirigido pelo partido, havia sofrido uma devassa, no rastro da Operação Voucher, da Polícia Federal.
Amorim e os EUA
Aos olhos do serviço diplomático dos Estados Unidos, em especial durante a era Bush, a posição independente do Ministério das Relações Exteriores, capitaneado por Celso Amorim, hoje ministro da Defesa, parecia uma constante provocação. Nos telegramas vazados pelo WikiLeaks, o MRE é acusado de dificultar as relações bilaterais por suas “inclinações antiamericanas”, definidas por um ministro “nacionalista” e um secretário-geral “antiamericano virulento” (Samuel Pinheiro Guimarães), e secundado por um “acadêmico esquerdista” (Marco Aurélio Garcia), conselheiro de política externa do presidente Lula. “Manter a relação político-militar com o Brasil requer atenção permanente e, talvez, mais esforço do que qualquer outra relação bilateral no hemisfério”, desabafava o embaixador John Danilovich, em novembro de 2004.
Foi ele que, numa reunião em março de 2005, tentou convencer Amorim da ameaça “cada vez maior” que a Venezuela representava à região. A resposta “clara” e “seca” do chanceler desapontou o americano: “Nós não vemos Chávez como uma ameaça. Não queremos fazer nada que prejudique nossa relação com ele”. E cortou o assunto.
O sucessor de Danilovich, Clifford Sobel, teve mais sorte. O ex-ministro da Defesa Nelson Jobim era interlocutor contumaz do embaixador, a ponto de confidenciar sua irritação com o MRE, em especial com Pinheiro Guimarães. Tornou-se peça vital em uma estratégia diplomática americana que explorava a divisão dentro do governo em proveito próprio, como revelam os telegramas.
Em fevereiro de 2009, já com Obama na Presidência dos Estados Unidos, Sobel enviou uma série de três informes, sugerindo formas de contornar o triunvirato “esquerdista” da política externa brasileira. O jeito, afirma, seria fazer aliança com o setor privado, que tem “habilidade para conseguir aprovar iniciativas junto ao governo” e tentar uma aproximação direta com Lula e outros ministros que poderiam defender a causa americana.
O anti-Celso Lafer
Já é possível traçar um retrato do novo ministro da Defesa, Celso Amorim, ainda que seja um ministro jovem no cargo. Jovem de poucos dias. Na Defesa, Amorim ganhou muito mais visibilidade do que tinha nos longos anos que comandou o Itamaraty. Funções distintas, ações distintas. Mas Amorim não retocou a forma de agir. Firme, sem ser rude, objetivo, embora diplomático, exercitou agora essas virtudes sob o fogo das críticas mais estapafúrdias. Chegaram mesmo a plantar notícias de reações nos quartéis, inventadas, em geral, por oficiais de pijama. Daqueles que reagem ao perceber que a grama já cresce à porta da casa deles.
Amorim tem mesmo vários pontos que desagradam ao establishment nacional e internacional. Isso ficou claro com o foco das perguntas ao longo das entrevistas que concedeu. Isso é atacado por argumentos tacanhos e genéricos, por se tratar de ideologia. Posições políticas contrárias às de Amorim não são ideológicas? Existiria no mundo alguém que comentasse qualquer coisa a partir de uma visão não ideológica? Foram resgatar, por exemplo, artigos escritos por ele em CartaCapital, onde ele teria exercitado “ideias mais à esquerda”.
Nesse período, exerceu o papel de um articulista livre, sem compromissos. Isto é, sem as amarras das funções públicas e, assim, apresentou discordância com a decisão do governo Dilma de apoiar a resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que instituiu um relator especial para o Irã.
Amorim, já fora do cargo e em conversas informais, explicou que era uma discordância pontual, reafirmou apoio ao chanceler Antonio Patriota e pontuou também que os dois trabalharam juntos por 15 anos. Isso gerou uma relação de absoluta confiança. O chanceler Amorim jamais tiraria os sapatos no aeroporto Kennedy, em Nova York, por exigência do protocolo imperial da segurança norte-americana. Um ritual humilhante obedecido, por exemplo, pelo ex-chanceler tucano Celso Lafer.
Nostradamus acertou? (trecho de artigo de Mino Carta)
Garantia Nostradamus: mil e mais mil. Não foram poucos os terráqueos- a esperar pelo fim de seu mundo na passagem de 1999 para 2000. Há quem tema agora um erro mínimo nos cálculos dos adivinhos, pois o apocalipse teria começado sob o nome de crise global. Só restaria identificar os quatro fatídicos cavaleiros.
Eméritos economistas, sem pretensão de cavalgar e endossar Nostradamus, enxergam nesta recaída do desastre de 2008 um momento pior, mais ameaçador, do que aquele desencadeado há três anos, e até pelo craque da Bolsa de Nova York em 1929. Não há razões para duvidar. Certo é que se as consequências do fracasso (anunciado) do neoliberalismo em 2008 foram em boa parte contidas no Brasil, capaz de crescer a taxas anuais notáveis, é inevitável uma alteração sensível do enredo nas circunstâncias atuais.
Como diz a presidenta Dilma Rousseff em uma longa entrevista a CartaCapital, por maior que seja o peso dos BRICS, os destinos da Europa e dos Estados Unidos estão fatalmente interligados aos nossos. É este, o da presidenta, o governo brasileiro chamado a enfrentar os efeitos de uma crise global que fermentou por obra e graça dos senhores do até ontem chamado Primeiro Mundo para a desgraça de todos nós.
VEJA
Wagner Rossi, o colecionador de problemas
O ministro Wagner Rossi, da Agricultura, gastou a semana passada tentando convencer a presidente Dilma Rousseff e o Brasil inteiro de que não tinha ligações com as interferências do lobista Júlio Fróes nos negócios da pasta que comanda, como havia sido revelado por VEJA. Apesar da demissão de Milton Ortolan, segundo na hierarquia e seu braço direito há 25 anos, e das provas de que Fróes tinha sala dentro da Comissão de Licitações da Agricultura, Rossi posava de marido traído. Chamado ao Congresso para dar explicações, disse que Ortolan era ingênuo, e que ele, como ministro, não podia controlar a portaria do ministério para impedir a entrada de Fróes. Sobreviveu uma semana, mas vai precisar de muito mais do que frases de efeito se quiser continuar na cadeira de ministro.
Wagner Rossi, paulistano de 68 anos, é um colecionador de problemas, um daqueles políticos que costumam deixar um rastro de histórias esquisitas por onde passam. A primeira história relatada por VEJA remonta ao tempo em que Rossi presidia a Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab, vinculada ao ministério da Agricultura. No final de 2007, a estatal doou 100 toneladas de feijão para a prefeitura de João Pessoa, então comandada por Ricardo Coutinho, do PSB, hoje governador da Paraíba. O feijão deveria ser distribuído entre famílias de baixa renda, mas como havia uma eleição municipal em 2008, o prefeito decidiu guardar parte do estoque. Funcionário da Conab há 25 anos, Walter Bastos de Moura descobriu a irregularidade e a denunciou diretamente a Wagner Rossi, em abril de 2008. Rossi prometeu tomar providências.
Como nada aconteceu, Walter Bastos passou a vigiar a mercadoria estocada. Em setembro, a poucos dias eleição, ele recebeu a informação de que o feijão seria enfim distribuído e acionou a Polícia Federal e a Justiça Eleitoral. Para evitar o flagrante, diz ele, a prefeitura decidiu sumir com as provas e despejou 8 toneladas de feijão no aterro sanitário de João Pessoa. A história chegou a ser explorada como denúncia contra o prefeito, mas era muito mais grave: tratava-se de um flagrante do uso político da Conab para favorecer aliados do governo federal. Num acesso de sinceridade, o ex-presidente da empresa Alexandre Magno Franco de Aguiar, que sucedeu Rossi na empresa e hoje é seu assessor especial no ministério, confessou a VEJA que o próprio Rossi usou o expediente de distribuir alimentos para conseguir votos, inclusive para favorecer eleitoralmente o filho, Baleia Rossi, deputado estadual e presidente do diretório do PMDB de São Paulo.
O homem forte de Marta Suplicy na cadeia
A prisão de 36 pessoas pela Polícia Federal na semana passada – das quais oito eram funcionários do Ministério do Turismo – começou a desmontar uma quadrilha que, de acordo com a PF, atuava desde o governo Lula e desviou, pelo que se sabe até agora, 5 milhões de reais. As 12 horas de gravação e as 245 páginas do inquérito da PF indicam que o rombo pode ser muito maior: o bando pode ter desviado mais de 30 milhões de reais.
Reportagem publicada em VEJA desta semana mostra que o mentor dos desvios, de acordo com as investigações, era o petista Mário Moyses. Militante do PT desde os anos 80, Moyses foi nomeado chefe de gabinete de Marta Suplicy na Prefeitura de São Paulo em 2000. Em 2004, coordenou a campanha derrotada da pestista à reeleição. Três depois, acompanhou Marta a Brasília como seu secretário-executivo no Ministério do Turismo. Foi a partir desse cargo, o segundo na hierarquia da pasta, que Moyses coordenou o esquema de desvios descoberto na semana passada, aponta a PF.
Segundo a investigação, ele ignorou as exigências legais para selecionar ONGs que fariam convênios com o ministério. A Ibrasi, por exemplo, não precisou sequer apresentar documentos básicos para embolsar os 4,4 milhões de reais de uma emenda da deputada Fátima Pelaes. Bastou “caprichar na fachada do prédio para inspirar confiança”, seguindo conselho dado pelo atual número 2 do ministério, Frederico Costa, gravado pela Polícia Federal. O Ministério Público afirma que “toda a fraude teve início com o direcionamento do convênio por Mário Moyses”.
A prisão do petista pela PF foi um tremendo choque para o PT paulista. Provas disso são as lágrimas vertidas por Marta Suplicy no plenário do Senado – assim com sua estratégia de se esconder num banheiro para fugir das perguntas dos jornalistas sobre seu ex-subordinado. E representa também um golpe nas pretensões políticas da senadora que, apesar da oposição do “dono” da legenda, o ex-presidente Lula, ambiciona disputar a prefeitura de São Paulo no ano que vem.
A impressionante lista de escândalos do governo Dilma
Em seis meses de governo, a gestão da presidente Dilma Rousseff se notabilizou pela profusão de escândalos – mais do que por medidas concretas de governo. Dois ministros foram demitidos. Outros dois trocaram de lugar. Dois se safaram por pouco. Outros dois ainda devem explicações. Antonio Palocci, chefe da Casa Civil, comandava uma consultoria bem-sucedida antes de ingressar no governo. O crescimento patrimonial espantoso levantou suspeitas de que o braço-direito da presidente autou como lobista. Quando resolveu se explicar, Palocci já era um cadáver político.
Sem o principal articulador político do governo, a presidente se viu novamente em apuros. Luiz Sérgio, ministro de Relações Institucionais, tinha poderes limitados. Dilma Roussef evitou mais uma demissão: preferiu rebaixar o petista a ministro da Pesca. Luiz Sérgio trocou de cargo com Ideli Salvatti. A paz aparente durou pouco tempo. Aloizio Mercadante, responsável pela pasta de Ciência e Tecnologia, também ficou exposto por uma revelação feita por VEJA. Foi ele quem ordenou a compra do falso dossiê contra o então candidato tucano ao governo de São Paulo, José Serra, em 2006. O episódio também respingou em Ideli Salvatti: então senadora, ela ajudou a espalhar o material para a imprensa.
Mercadante e Ideli continuam sob fogo da oposição. O primeiro deve ir à Câmara dos Deputados se explicar. A segunda é alvo de requerimentos de convocação, mas os governistas atuam para blindar a petista. O último escândalo teve um desfecho nesta quarta-feira. Alfredo Nascimento, ministro dos Transportes, deixou o cargo depois que VEJA revelou o funcionamento de um grande esquema de corrupção na pasta. Dilma ainda protelou a demissão por quatro dias.
Houve também episódios que não chegaram a derrubar ministros. Ana de Hollanda, da Cultura, foi flagrada usando verba pública para passar o fim de semana no Rio de Janeiro, onde tem casa. Devolveu o dinheiro e ficou no cargo.
Pedro Novais havia aproveitado verba da Câmara dos Deputados para custear uma farra coletiva em um motel de São Luís. Devolveu o dinheiro e ficou no cargo. Fernando Haddad, campeão de trapalhadas também no governo Lula, manteve a média na nova gestão. Defendeu a distribuição de um livro que ensina crianças a falar errado e se contradisse ao tentar justificar a distribuição do chamado “kit-gay”.
Levantamento indica que há pelo menos 87 juízes sob ameaça no Brasil
Neste momento, no Brasil, há pelo menos 87 juízes sob ameaça de morte. A informação é do Conselho Nacional de Justiça. A corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, começou a pedir há três meses aos tribunais do país dados sobre magistrados alvos de ameaças. Como o resultado é parcial, há possibilidade de o contingente sob a mira de criminosos, como a juíza Patrícia Acioli, assassinada no Rio na noite de quinta-feira, ser ainda maior. O tribunal do Rio informou que atualmente há 13 magistrados com escolta por correrem risco de morte. Patrícia, no entanto, não fazia parte dessa lista.
A ministra Eliana disse ainda que o TJ do Rio chegou a oferecer a Patrícia uma mudança de vara, mas ela própria teria recusado. “A democracia foi atingida no que há de mais importante em termos de segurança para a nação, que é o Judiciário”, lamentou Elizna Calmon.
Segundo a corregedora, Patrícia poderia ter recorrido ao CNJ ou à Corregedoria Nacional de Justiça para pedir reforço em sua segurança. Ainda de acordo com ela, esse procedimento tem sido tomado por outros magistrados ameaçados. É o caso de uma juíza de Pernambuco que está correndo perigo por julgar processos contra grupos de extermínio. Para esse caso, foram destinados, para o TJ de Pernambuco, escolta 24 horas e um carro blindado.
Projeto de lei que cria colegiados para julgar quadrilhas tramita a passos lentos desde 2005
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) tenta, sem sucesso, desde 2005 regulamentar uma lei para a institucionalização de um órgão colegiado com três redes. O objetivo é fazer com que os casos envolvendo criminosos de alta periculosidade sejam julgados por três juízes. O Projeto de Lei número 3 de 2010 propõe: “Estabelece que o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, em decisão fundamentada, com a indicação dos motivos e circunstâncias que acarretam riscos à sua integridade física”. Há seis anos, a Ajufe apresentou esse projeto para a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. A Casa aprovou o PL, mas a tramitação no Senado anda a passos lentíssimos.
O texto também prevê a criação de uma polícia judiciária composta basicamente pelos agentes de segurança presentes em todas as varas federais. Eles suprem a falta de policiais federais nas escoltas de magistrados ameaçados. “Não há efetivo suficiente da PF para assegurar a segurança dos juízes. Muito menos da polícia estadual. A maior prova disso é o assassinato desta sexta”, diz o presidente da Ajufe, Gabriel Wedy.
Um dos graves problemas da escolta feita pelos agentes concursados do Judiciário está no fato de eles não terem poder de polícia nem porte de arma. Os que possuem esse porte têm que pagar por ele do próprio bolso. Para piorar, esses agentes sequer recebem treinamento específico para o serviço, com exceção do sul do país, que recebeu ajuda pontual da polícia de Israel.