Nas últimas semanas, as lideranças do Governo Temer no Congresso vinham correndo contra o tempo para tentar votar na Câmara, ainda em 2017, sua proposta de reforma da Previdência. O texto, bastante criticado por entidades sindicais e movimentos sociais, tem entre seus méritos o de procurar reduzir algumas regalias que vêm sendo sustentadas com dinheiro público. Porém, combater a cultura do privilégio no Brasil implica um desafio ainda maior do que conseguir maioria para aprovar um projeto polêmico. Privilégios estão enraizados em todos os segmentos e setores, no público e no privado.
A proposta da reforma da Previdência passou a estabelecer, em novembro, regras diferenciadas para o tempo mínimo de contribuição dos trabalhadores do serviço público e da iniciativa privada. A mudança no texto original da reforma foi feita ao tempo em que o Banco Mundial divulgou um relatório em que apontou a diferença entre os salários dos servidores públicos e privados como, não o único, mas um dos principais indícios da ineficácia dos gastos públicos no Brasil.
De acordo com o documento, os servidores públicos federais do país ganham 67% a mais do que aqueles que trabalham no setor privado em função semelhante, com a mesma formação e experiência profissional. Num universo de 53 países pesquisados pelo Banco Mundial, o Brasil é aquele em que essa discrepância é mais elevada. É o chamado “prêmio salarial” do funcionalismo brasileiro – segundo o banco, um dos responsáveis pelo aumento crescente da desigualdade social no país.
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No entanto, apesar dessas evidências e de todas as negociações feitas com parlamentares, o governo não conseguiu os votos necessários à aprovação da reforma da Previdência, e a apreciação da proposta ficou para fevereiro de 2018. Isso porque, de acordo com a imprensa, muitos dos deputados temiam desagradar suas “bases”.
Ora, que “bases” são essas?
Base é algo que sustenta uma estrutura. Se as bases tremem, a estrutura fica ameaçada. Pois o atual sistema político brasileiro está sustentado na cultura da troca de favores: eu garanto os seus privilégios desde que você não ameace a manutenção dos meus.
Assim, em nome de benefícios privados, quem se cristalizou no poder perde a conexão com a vida real, com o cotidiano de uma maioria que precisa da priorização dos recursos públicos. Isso vale para parlamentares, servidores, gestores e empresários.
Só que esse modo de operar a política não é mais sustentável. O acesso às tecnologias tem capacitado cada vez mais gente a buscar soluções que não passam pelas vias tradicionais de poder. Prova disso são as inúmeras entidades de controle social espalhadas pelo país, muito bem representadas na capital pelo excelente trabalho do Observatório Social de Brasília. Ou as comunidades de troca de experiências e formação de servidores públicos, como a Vetor Brasil. Não é mais possível garantir tantos ouvidos moucos com tanta informação disponível.
Não há mais espaço para os protecionismos corporativistas. O Brasil continua tendo uma das piores distribuições de renda do planeta, a síntese imperfeita da cultura do toma lá, dá cá. Alterar esse quadro é responsabilidade de todos nós, especialmente aqueles que lidamos ou pretendemos, em algum momento da vida, lidar com a coisa pública.
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