Paulo Kramer * |
Nos últimos dias aumentou o potencial de instabilidade e conflito da crise política, em razão de quatro fatores: (a) a descoberta de oposicionistas importantes na lista de pagamentos de Marcos Valério; (b) a desconfiança crescente, no Congresso e na mídia, de que o presidente da República ou seus familiares tenham sido beneficiados pelo valerioduto; (c) a disposição demonstrada por Lula de apelar para a rua na defesa de seu mandato de um possível impeachment, aí subentendido o fomento de manifestações dos setores organizados (CUT, MST) e desorganizados (classes D e E) que ainda o apóiam, contra a opinião pública de classe média, os principais meios de comunicação e o próprio Poder Legislativo; e (d) a progressiva contaminação política dos fundamentos macroeconômicos gerenciados pelo eixo Palocci/Meirelles. Leia também Em conseqüência, este analista viu-se afunilando seus cenários futuros em torno de três alternativas, a saber: (i) Lula fica até o final do seu mandato, mas desiste da reeleição; (ii) Lula renuncia; e (iii) Lula sofre impeachment. O desfecho (i) parece o mais provável, por dois motivos. De um lado, nem o PT nem a oposição conformam-se com a idéia de um José Alencar recebendo de mão beijada a presidência e passando a envergar confortavelmente a imagem do anti-Lula, uma imagem irresistível para o grande público – a do velho empresário realista e equilibrado que conquistou sua fortuna graças ao trabalho árduo e honesto de toda uma vida. E, na eventualidade de Alencar não se mostrar tão equilibrado assim e chutar o pau da barraca do malano-paloccismo, o efeito de um tsunami inflacionário não se limitaria a destruir suas pretensões reeleitorais, mas alcançaria o seu sucessor, fosse quem fosse. Inclusive o político mais temido por ser o candidato do quanto pior, melhor: Anthony Garotinho. De outro lado, o perigo de a lama que jorra do esquema valeriano emporcalhar todos os segmentos do espectro político convida governo e oposição a se mostrarem mais cautelosos e propensos a um cessar-fogo para garantir que Lula conclua seu calvário, desistindo de enfrentar uma campanha eleitoral que faria picadinho do que resta da sua lenda pessoal. A propósito, se ainda há assessores palacianos dispostos a acreditar que os elevados índices da popularidade presidencial entre os setores mais humildes e desinformados da sociedade ajudarão Lula a dar a volta por cima e quem sabe até vencer a eleição de 2006, então alguém precisa avisar a esses iluminados que existe uma fatal diferença entre a informação jornalística, contida pela etiqueta da objetividade, e a comunicação política de campanha, desobrigada dessa circunspecção. Em poucas palavras, no devido tempo, a oposição se encarregará de deixar inequivocamente claro, mesmo ao mais distraído dos eleitores, a enormidade do colapso ético do governo petista. Duas idéias que começaram a circular na bolsa de apostas da política apresentam bom potencial para servir como justificativas moralmente mais legítimas a esse pacto do me-solta-que-eu-te-largo. A primeira delas é a proposta de concertação à moda do Chile pós-Pinochet, defendida pelo senador Jefferson Peres (PDT-AM). Tomando como modelo o acordo entre os partidos democrata-cristão e socialista, o qual logrou combinar, em bases duradouras, a estabilidade política com um crescimento econômico que faz inveja ao restante da América do Sul, Peres sugere, na verdade, uma alternativa mais palatável ao déficit nominal zero projetado pelo deputado Delfim Netto (PP-SP): um orçamento para 2006 "austero e veraz" que eleve a meta de superávit primário para 5% do PIB mediante cortes impiedosos dos gastos de custeio da máquina federal (funções gratificadas, publicidade e viagens) e, se necessário, de alguns investimentos, reforçados pela renúncia de senadores e deputados às suas emendas individuais. A expectativa é de um choque de credibilidade nos mercados, tão positivo que permita a gradual redução da Selic, necessária à retomada do crescimento em um nível capaz de não só compensar aqueles cortes com um aumento de arrecadação, como também melhorar a relação dívida pública/PIB. O fruto político mais notável desse arranjo entre o Executivo e o Legislativo seria a consolidação do ministro da Fazenda no papel de homem forte do governo Lula. Para um Legislativo que até agora vem perdendo feio o duelo de popularidade com o presidente, a adoção dessa agenda mínima possibilitaria transmitir ao povo a imagem de que a Casa ficou paralisada pela crise e por um foco obsessivo nas investigações de corrupção. Caso o ritmo e a gravidade das revelações da CPI não se intensifiquem a ponto de atropelar esse arregalo, reafirmar-se-á a tese histórica, cara a este analista, de que a missão maior do parlamento no Brasil, em vez das clássicas produção de leis e fiscalização da administração pública, é desatar, pela via da negociação, os nós urdidos pelas trapalhadas do Executivo. Pelo menos, foi assim em 1961, na renúncia de Jânio Quadros, quando a adoção de um parlamentarismo improvisado permitiu contornar o veto dos ministros militares à posse do vice João Goulart. Foi assim, também, em 1992, quando o Congresso se uniu em apoio a Itamar Franco para permitir que o País superasse o trauma do impeachment/renúncia de Fernando Collor. Uma última dúvida: será que a crise do mensalão nos convencerá, de uma vez por todas, de que não existe democracia avançada sem partidos políticos fortes e representativos? A conferir. (*) Professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e analista da Kramer & Ornelas – Consultoria. |
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