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As emendas apresentadas à PEC acarretam três principais consequências para o reajuste dos altos postos da administração pública federal – com o chamado “efeito cascata” (aumentos decorrentes da relação hierárquica) estendido ao Legislativo, Executivo e Judiciário de estados e municípios. A primeira implicação prática é a alteração do inciso 11 do artigo 37 da Constituição, que veta o acúmulo de rendimentos de forma a extrapolar o teto – “a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos […] e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos ministros do STF”.
Confira a íntegra do texto aprovado na comissão
Ao excluir a expressão “cumulativamente ou não”, deputados abriram a possibilidade de que servidores possam receber integralmente a soma de dois ou mais proventos, de fontes pagadoras diferentes, mesmo que esse valor ultrapasse o teto do funcionalismo. A brecha é reforçada com outro dispositivo apresentado à PEC, este revogando o parágrafo 11 do artigo 40, que obriga o corte, em observância ao teto, considerando-se a soma dos rendimentos – “aplica-se o limite fixado no art. 37, XI, à soma total dos proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da acumulação de cargos ou empregos públicos […]”.
Ou seja, ao revogar aquele dispositivo constitucional, a PEC permite que o corte salarial imposto a determinado servidor seja executado em cada fonte pagadora – um juiz aposentado que ganhe, por exemplo, R$ 30 mil, e seja eleito deputado federal (R$ 27,6 mil), terá corte de R$ 2,4 mil em sua aposentadoria, podendo manter seus rendimentos acumulados em R$ 55,2 mil (R$). Exatamente o dobro do teto atual. A alteração é tão significativa que, na hipótese de uma terceira fonte pagadora, a remuneração não será somada para efeitos de corte, desde que permaneça no limite do teto.
Impacto em tempos de crise
“Isso tem um efeito em cascata muito preocupante para a administração pública. É uma mudança forte, de impacto bastante significativo para as folhas salariais Brasil afora”, disse à reportagem o professor José Matias Pereira, doutor em Ciência Política da Universidade de Brasília, referindo-se à aplicação das novas normas constitucionais também para estados, municípios e Distrito Federal. Para o especialista, trata-se de uma decisão “perigosa” em pleno cenário de crise internacional. E que, na esfera política, cabe ao governo rediscutir os termos da PEC, valendo-se de sua maioria no Parlamento.
“É uma questão que precisa ser negociada, o governo tem de acompanhar de perto e avaliar o impacto. Imagino que uma PEC como esta não esteja sendo aprovada sem que tenha havido entendimento. Ela não está sendo aprovada por acaso. Se houvesse resistência das lideranças, não prosperava. A base tem uma maioria gigantesca”, avaliou o cientista político, para quem a discussão vai ser intensificada quando o texto da PEC chegar ao Senado.
A segunda mudança é que os deputados também adicionaram ao texto original da PEC emenda que retira do presidente da República o poder de definir o valor do maior salário praticado na administração pública. De acordo com a proposta, a prerrogativa agora é exclusiva do Congresso, por meio de instrumentos legislativos adequados, sem que a deliberação sobre a fixação do teto tenha de ser submetida a sanção ou veto presidencial.
Em terceiro lugar, o texto aprovado elimina os limites de vencimentos fixados para servidores estaduais e municipais pela Constituição. Com a alteração, abre-se a possibilidade de que servidores de carreira passem a ganhar mais do que governadores ou prefeitos – medida vista pelo professor da UnB como eleitoreira, ainda mais em ano de eleições municipais.
Aumento à vista
Por enquanto, a equiparação dos salários é regulada por um decreto legislativo aprovado em 2010. Com uma possível promulgação da PEC, deputados e senadores pretendem acabar com a controvérsia sobre o tema. A PEC 5/2011, aprovada em comissão especial, será encaminhada ao plenário da Câmara para votação em dois turnos, com exigência de 308 votos favoráveis para seguir tramitando. Depois, seguirá para a apreciação do Senado, onde repete o procedimento de turno e returno, com a obrigação de receber 49 votos de senadores antes da promulgação.
Paralelamente à aprovação da PEC 5/2011, a Câmara também dá andamento ao projeto que aumenta o subsídio dos magistrados – logo, determinando novo teto para o funcionalismo público. Em maio, os membros da Comissão de Trabalho da Casa aprovaram aumento de quase R$ 6 mil nos rendimentos do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) – dos atuais R$ 26,723,13 para R$ 32.147,90 (reajuste de 20,2%), com pagamento retroativo a 1º de janeiro de 2012. A ideia dos deputados é colocar o texto do projeto em vigência antes que entre em vigor a vinculação prevista na PEC 5/2011, para que o subsídio dos parlamentares seja igualmente reajustado.
Os termos da PEC foram defendidos nesta quinta-feira (21) pelo presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS). “Você tem que estabelecer regras para que os estados possam organizar sua política salarial. Nós podemos, até pela composição do Brasil, dar aos estados o direito de regular o seu funcionamento, qual vai ser o teto do governador ou o pagamento de salário nos estados […] Um funcionário público que se aposentou pelo teto e é requisitado a prestar algum serviço para o Estado precisa receber algum tipo de remuneração, que será acima do teto. Caso contrário, ele estaria trabalhando de graça”, argumentou o petista, acrescentando que ainda não há encaminhamento da votação em plenário – embora deputados estejam empenhados em concluir o quanto antes a tramitação na Câmara.
Marco Maia disse ainda que não estava plenamente informado sobre a votação na comissão especial, dizendo-se surpreendido com a aprovação. “É estranho que um presidente da Câmara, com a dimensão que tem a Casa, não tenha conhecimento da votação de uma matéria dessa magnitude. Isso mostra que ele está mal assessorado ou mal informado”, observou o professor José Matias, que também é economista e bacharel em Direito.