O consultor de orçamentos Osvaldo Maldonado Sanches somava uma aposentadoria pelo Senado, concedida desde o início dos anos 1990, com um trabalho comissionado na Câmara. Com a soma dos salários nas duas Casas, recebeu em setembro R$ 78 mil bruto – R$ 46 mil líquidos. Na folha de outubro, paga na última semana do mês, passaria a ganhar R$ 21 mil líquidos caso continuasse no batente com as novas regras para acabar com os megacontracheques.
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Em entrevista ao Congresso em Foco, Sanches disse que se aposentou por dois motivos. Primeiro, por ter completado 70 anos, marca temporal da aposentadoria compulsória. Depois porque sairia perdendo. “Eles não permitem que se acumulem duas aposentadorias”, afirmou. Especialistas em folha de pessoal ouvidos pelo site explicaram que, se continuasse a trabalhar, ele ganharia o mesmo salário que receberia como aposentado. No entanto, o consultor recém-aposentado preferiu a segunda opção. “Não sei se seria bem assim.”
Se continuasse trabalhando, Sanches passaria a receber R$ 28 mil brutos a partir deste mês. Na última folha, com verbas rescisórias, chegou aos R$ 72 mil brutos, sendo R$ 60 mil líquidos. Em 2009, o TCU identificou 464 funcionários do Senado com vencimentos acima do teto. Sanches encabeçava a lista como servidor aposentado recebendo R$ 45 mil em agosto daquele ano ao acumular os rendimentos da Casa com os da Câmara.
Assim como o ex-consultor do orçamento, a ex-secretária geral da Mesa Sarah Abrahão, 87 anos, continua recebendo os R$ 58 mil brutos. Mas, com as normas para o abate teto, seus rendimentos líquidos caíram. Foram R$ 36.852,05 em setembro, última folha antes da decisão do TCU. Em outubro caiu quase pela metade: R$ 19.697,99. Ela disse à reportagem que vai se aposentar assim que sair de férias. “Não vou aguentar mais”, explicou Sarah ao site.
Críticas
Sanches reforçou nota enviada ao site há dois anos, quando defendeu que políticos, como o senador José Sarney (PMDB-AP), com duas fontes de renda também tivessem seus contracheques cortados. “É uma questão política”, disse o consultor de orçamentos. Na terça, o site mostrou que o corte atingiu pelo menos 528 servidores, resultando numa economia de R$ 1,3 milhão.
De acordo com a Constituição, nenhum funcionário público pode ganhar, mesmo acumulando dois cargos públicos, mais que o teto, fixado hoje em R$ 28 mil. A exceção são cargos de professor na rede pública ou, para o caso dos magistrados, do temporário trabalho na Justiça Eleitoral.
Apesar disso, Sanches é um crítico dos supersalários. “Eu não defendo nada disso. O perfil salarial brasileiro é muito alto pelo PIB que temos”, afirmou o consultor à reportagem. Advogado, mestre em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-diretor de orçamento do governo do Paraná, ele dedicou 49 anos ao serviço público. Agora, vai parar. “Já dei minha contribuição. E ainda atualizei o ‘Dicionário de orçamento e planejamento’”, contou.
Na decisão tomada no fim de setembro, o TCU não determinou apenas o corte dos supersalários em 30 dias. Os ministros endureceram a posição e determinaram a devolução dos valores pagos irregularmente nos últimos cinco anos. Isso não aconteceu no julgamento da Câmara. Ele acredita que o Senado vai descumprir a ordem da corte de contas. “Recebi dentro do que era legal”, afirmou Sanches.
Movimento
Vários servidores nas condições de Sarah e Sanches podem se aposentar do Congresso ou deixar cargos de chefia. Isso porque, com a aplicação de regras antes ignoradas pelas duas Casas, financeiramente deixa de ser interessante continuar no cargo. Por outro lado, em tese, funcionários com rendimentos menores que os R$ 28 mil podem almejar alcançarem esses postos, visando não só compensação financeira mas também reconhecimento profissional.
Como o Senado não divulga uma relação de todos os servidores com seus nomes, matrículas e remunerações, não é possível saber com certeza quem é o dono do maior salário da Casa hoje. Além disso, mesmo na lista de rendimentos sem nomes, não existe a consolidação dos pagamentos do mês, que costumam ser feitos em duas folhas, a normal e a suplementar. Seria preciso somar as duas folhas para se chegar ao salário correto. Mas sem a conferência de nomes e matrículas, isso se torna inviável.
Como o site mostrou ontem, apesar de cortar a maioria dos supersalários na última folha de pagamento, o Senado ainda manteve 27 servidores com salários superiores ao teto constitucional, fixado em R$ 28 mil. A Casa não explicou o motivo do grupo manter a benesse.
Relação
Há dois anos, o Congresso em Foco revelou quem eram os funcionários do Senado que ganhavam até R$ 45 mil por mês. Os dados, de 2009, mostram salários bem acima o limite de remuneração da época, que era de R$ 24,5 mil. Veja a lista
A Revista Congresso em Foco trouxe novas informações posteriormente. Mostrou que, em 2011, graças ao plano de carreira obtido pelos funcionários do Senado, os salários subiram bastante. Batiam nos R$ 55 mil na maioria dos meses, chegando a R$ 106.649,69, em alguns deles.
Outras reportagens da série dos supersalários do site revelaram que os megacontracheques não se limitam ao Legislativo. São pagos a políticos, autoridades, magistrados e servidores de todos os Poderes, dentro e fora de Brasília. No Congresso, até o ex-presidente do Senado José Sarney recebe acima do teto.
Com cerca de 7 mil funcionários efetivos, o Congresso tinha 1.588 (quase um quarto) servidores ganhando mais do que prevê a Constituição em 2009 e 2010. Três anos depois, a quantidade quase dobrou, chegando a 2.914 segundo nova auditoria do TCU. São 714 no Senado e 2.200 na Câmara, como revelou o jornal O Estado de S.Paulo.
Por publicar listas com nomes de servidores do Congresso donos de megacontracheques, o Congresso em Foco foi alvo de 50 ações judiciais de funcionários do Senado, 47 delas patrocinadas pelo sindicato deles, o Sindilegis. Duas pediram a censura prévia das reportagens. Todos os processos julgados foram considerados improcedentes pela Justiça. Só restam três ações em andamento.