Fábio Góis
Antes de desembarcar na Argentina, nesta segunda-feira (31), em sua primeira viagem internacional oficial, a presidente Dilma Rousseff falou à imprensa portenha. Em entrevista coletiva concedida aos jornais El Clarín, La Nación e Página 12 no terceiro andar do Palácio do Planalto, Dilma disse que pretende ter “uma relação muito próxima” com outra chefe de Estado, a presidente argentina Cristina Fernández de Kirchner.
“Dilma confessa que Buenos Aires a encanta e fala sobre o prazer que é ‘se perder’ pelas ruas portenhas”, destacou o Clarín, na introdução da entrevista, contextualizando que agora não será a Dilma cidadã comum que chegará ao país. “Mas desta vez não poderá deter-se em sebos de livro, sua paixão. Dezenas de agentes de segurança a seguem.”
Sob os olhares de outra mulher, a ministra Helena Chagas (Secretaria de Comunicação), e do porta-voz da Presidência, Rodrigo Baena, Dilma falou sobre a relação entre os dois países e com nações como Cuba e Venezuela, de direitos humanos, do risco de sobrevalorização do Real – temido pelo país vizinho – e do papel do Brasil diante de nações inimigas como Estados Unidos e Irã, entre outros assuntos. E, obviamente, comentou o fato inédito de duas mulheres chefiarem os dois países mais importantes da América do Sul.
“É algo para se comemorar, uma demonstração de como essas sociedades evoluíram na superação de preconceitos arraigados contra as mulheres”, disse Dilma, mencionando ainda a eleição de um índio (Evo Morales, na Bolívia) e um ex-metalúrgico (Lula) para chefiar seus países, exemplo de “maior democratização”. “A América Latina está dando um exemplo ao mundo inteiro, de que determinados preconceitos e bloqueios sociais e econômicos estão sendo superados.”
Cuba e Venezuela
A presidente brasileira ressaltou a importância de Brasil e Argentina em aumentar a presença da América Latina no cenário internacional. Nessa linha, Dilma defendeu a inclusão da Venezuela no Mercosul, bloco comercial de países sul-americanos, dizendo ver “com excelentes olhos” a participação do país vizinho – medida que foi firmemente criticada pela oposição durante o governo Lula. “É importante que a Venezuela ingresse no Mercosul, é bom para o bloco que outros países o integrem. Isso muda o nível do Mercosul. A Venezuela é um grande produtor de petróleo e gás, tem muito a ganhar no Mercosul e também teremos muito a ganhar com ela no bloco”, declarou.
Na manhã da segunda-feira, Dilma se encontrará com representantes do grupo Mães e Avós da Praça de Maio, na Casa Rosada (sede do governo argentino). A reunião foi incluída na agenda oficial a pedido da própria Dilma. Será um encontro de vítimas do arbítrio ditatorial: as Mães da Praça de Maio, símbolo da luta pelos direitos humanos no país vizinho, são senhoras que tiveram familiares mortos pela ditadura militar. Pela primeira vez na história, receberão uma chefe de Estado que foi militante de grupos insurgentes e torturada nos porões da ditadura.
Ditadura que, para muitos, ainda existe em Cuba, onde os críticos vêem seguidos desrespeitos aos direitos humanos. “Com a liberação dos prisioneiros políticos, Cuba deu um passo adiante. Tem que continuar trabalhando nisso, dentro do processo de construção de melhores condições econômicas, democráticas e políticas do país. Respeito o tempo deles, há que entender que a política tem o seu ritmo”, ponderou Dilma, referindo-se ao país que, em seus tempos de militante, era modelo revolucionário a ser seguido pelos jovens comunistas.
“Não negociarei com direitos humanos, não farei concessões nessa área. Tampouco aceito que os direitos humanos possam ser vistos como restritos a um país ou região – isso é uma falácia. Devemos observá-los tanto em nosso país como no resto do mundo. Não se pode adotar dois pesos e duas medidas. Os países desenvolvidos também já tiveram problemas terríveis, em Abu Ghraib, em Guantánamo… mas também creio que apedrejar uma mulher não seja algo adequado”, observou, em referência à prática de punição no Irã, país com que o Brasil buscou aproximação no governo Lula. “Ter uma posição firme nos direitos humanos não significa apontar o dedo a outros países que não os respeitam.”