Ignorando as ameaças de um grupo da extrema direita uruguaia, o brasileiro Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), desembarca em Montevidéu na próxima terça-feira, 20, sob a proteção de uma medida cautelar solicitada por ele à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Krisckhe é uma das treze pessoas (além de um francês, uma italiana e dez uruguaios) envolvidas na investigação de crimes da ditadura que imperou no país entre 1973 e 1985 e mencionadas numa lista de alvos a serem mortos por um certo “Comando General Pedro Barneix”.
No final de janeiro, o brasileiro e outras 12 pessoas, incluindo o atual ministro da Defesa, Jorge Menéndez, receberam em seus computadores um e-mail ameaçador, anunciando: “O suicídio do general Pedro Arbeix não ficará impune, não se aceitará nenhum suicídio mais por injustos processamentos. Por cada suicídio de agora em diante, mataremos a três escolhidos aleatoriamente da seguinte lista”… O e-mail foi enviado pelo servidor Tor, uma rede anônima de internet que triangula o emissário em vários países, inviabilizando sua identificação.
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A mensagem relacionava, além de Krischke e do ministro da Defesa, juízes, procuradores, advogados, investigadores e ativistas de direitos humanos comprometidos na punição a torturadores e na investigação de crimes relacionados à Operação Condor, a multinacional da repressão que aterrorizou o Cone Sul nos anos 1970.
Um dos ameaçados de morte é a ex-procuradora de Justiça Mirtha Guianze, diretora da Institucíon Nacional de Derechos Humanos, onde será lançada na terça-feira (20) a edição em espanhol do livro Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios, do jornalista brasileiro Luiz Cláudio Cunha. Krischke assina a contracapa do livro, que será publicado pelo SERPAJ, Servicio Paz y Justicia do Uruguai, com financiamento da Fundação Rosa Luxemburgo e do Ministério de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha.
O general suicida
Pedro Barneix, o general que dá nome ao comando de morte, era o então capitão responsável pela repressão em Colônia do Sacramento, em fevereiro de 1974, quando chegou ao quartel do Batalhão de Infantaria nº 4 um novo preso, Aldo Perrini, um sorveteiro de 34 anos, pai de três filhos, simples eleitor da Frente Ampla de esquerda, sem militância política. Perrini morreu dias depois sob intensa tortura, segundo a autópsia. Barneix, seu interrogador, foi denunciado pela justiça em 2012.
Em setembro de 2015, a polícia foi à sua casa para levá-lo ao tribunal para depor. O general pediu licença para trocar os chinelos por sapatos, subiu as escadas, pegou a pistola no quarto e disparou contra a cabeça. Tinha 69 anos.
Dois anos depois, apareceu o “Comando Pedro Barneix”, disparando ameaças e prometendo mais, após listar os 13 alvos: “Já temos vários (nomes) mais, cujos domicílios e hábitos já levantamos”. Informado da ameaça, Krischke pediu formalmente a medida cautelar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no início de junho, para interceder junto ao governo de Tabaré Vásquez para garantir sua segurança, alegando: “Estarei em Montevidéu para participar do lançamento do livro Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios, tema que certamente não goza da simpatia dos responsáveis pela ameaça”.
25 anos de cadeia
Dos 13 ameaçados, apenas um (o juiz francês Louis Joinet) não participou da Jornada sobre a Operação Condor, promovida no ano passado em Montevidéu pela Universidade de Oxford, sob coordenação da investigadora italiana Francesca Lessa, outro dos 13 nomes da lista de morte. Krischke, um dos integrantes destacados da jornada, foi o responsável central pela localização no Brasil e pela extradição para a Argentina do coronel uruguaio Manuel Cordero Piacentini, 79 anos, da equipe de torturadores da Automotores Orletti. Era o único estrangeiro entre os 18 condenados, no ano passado, na Megacausa da Operação Condor, merecendo a maior pena da Justiça argentina: 25 anos de prisão.
O ativista brasileiro, por tudo isso, não é persona grata aos nostálgicos da ditadura. A discreta gestão da CIDH, órgão autônomo da OEA sediado em Washington, fez efeito em Montevidéu. O cônsul do Brasil na capital uruguaia, Anuar Nahes, foi informado oficialmente pela Dirección General de Información y Inteligência Policial que, desde o aparecimento do e-mail do comando clandestino, está investigando o caso relacionado a Krischke.
No Brasil, o Itamaraty foi instado a tomar providências de segurança em ofício enviado em 7 de junho passado pelas duas Comissões de Direitos Humanos do Congresso – no Senado e na Câmara dos Deputados. O Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos, anunciou um dia antes a Krischke que estava fazendo “articulações institucionais”, supostamente junto ao governo uruguaio, para reduzir o “contexto de risco e vulnerabilidade” que cerca a viagem de Jair Krischke.