Osiris Lopes Filho *
Estranhamente, o governo Lula, que na verdade é uma mescla de partidos populares e conservadores, tem sido o instrumento para a desfiguração das conquistas do povo brasileiro. Conquistas que foram introduzidas na Constituição de 1988.
Uma dessas conquistas, talvez a mais bem estruturada, foi a criação da seguridade social com uma autarquia constitucional, o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Entretanto, o órgão, que recebeu fontes autônomas de recursos tributários e orçamento próprio, sofre a investida aniquiladora da atual proposta de reforma tributária. A matéria está sendo discutida na Câmara por meio da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 233/08.
Na verdade, o que se tenta fazer agora não é surpresa. Trata-se de uma conseqüência da criação da SuperReceita, que incorporou a contribuição previdenciária ao elenco de tributos administrados pela Receita Federal; extinguiu a Secretaria da Receita Previdenciária; e retirou da competência dos procuradores do INSS a execução dos seus devedores. Devedores, diga-se de passagem, de bilhões de reais.
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A PEC 233/08, em oportunismo político, extingue as contribuições poderosas (PIS, Cofins e CSLL) que fornecem recursos à seguridade social. Além disso, a proposta também mata as fontes autônomas de recursos e cria um bolão a ser distribuído.
Se a reforma passar, todo o trabalho de assegurar constitucionalmente um modelo de seguridade forte, robusto, eficaz, vai para o saco das manipulações e alquimias da tecnocracia servil dos interesses das organizações internacionais e dos poderosos economicamente.
Em outubro, deveria ocorrer os festejos dos 20 anos de vigência da Constituição de 1988. A ambiência, se não é ainda de velório, parece mais a que acompanha a agonia dos padecentes de moléstia grave, desenganados.
Com efeito, as forças conservadoras do neoliberalismo estão aproveitando a ocasião para, a propósito do que seria a comemoração da Constituição cidadã, fazer-lhe virulenta crítica, compensando as pesadas derrotas que estão sofrendo nos mercados financeiros dos países centrais.
A realidade é que, nesses 20 anos de existência, a atual Constituição, de caráter eminentemente social, tem sofrido permanente erosão, mediante mais de 60 emendas constitucionais.
Alguns dos atentados aos direitos e garantias que ela assegura ainda se encontram em fase de articulação, não ousando os seus líderes partir para o confronto aberto, pois não há garantia prévia de vitória. A incerteza sobre o resultado da empreitada retarda a ação demolidora.
Sabiamente, as forças trabalhadoras melhoraram a qualidade dos seus direitos. Promoveram a Consolidação das Leis do Trabalho e conseguiram dar guarita a essas conquistas na Constituição. Daí a dificuldade de promover a sua castração. A reforma trabalhista, nome eufêmico para a poda dos direitos do trabalhador, aguarda melhor estação para a realização.
Mas esse quadro catastrófico à seguridade social não é desesperador. Se os partidos da esquerda de outrora permanecem estáticos diante da investida castradora, há resistências bem organizadas e ativas.
A Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social (Anasps) acaba de publicar O livro negro da Previdência – 2008. Constitui a 6ª edição dessa obra, de caráter anual, analisando o que ocorreu no âmbito da Previdência no ano de 2008.
A obra denuncia as mazelas, irregularidades e distorções que povoam essa instituição, tão estratégica para o povo brasileiro. Trata-se de um trabalho exemplar de crítica e colaboração para o aperfeiçoamento da Previdência Social, leitura obrigatória para quem preza o papel do seguro social. Em suma, um exemplo de atuação associativa que visa preservar uma instituição que tem sido administrada caoticamente.
A técnica expositiva é clara e completa. As sugestões são as de quem quer o melhor. Governo sério, preocupado com o bem-estar do povo, não pode ignorá-las, sob pena de não preservar o que é essencial para o povo brasileiro. A Previdência Social oficial, base do futuro tranqüilo para gerações de brasileiros, perdeu o rumo, assaltada por piratas, pilotada por arrivistas incompetentes. É preciso mudar, para sobreviver e servir ao povo trabalhador.
* Osiris de Azevedo Lopes Filho é advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário da Receita Federal.