Um dos principais porta-vozes da oposição, Aloysio Nunes (PSDB-SP) chegou ao Congresso montado em mais de 11 milhões de votos, na condição de senador mais votado da história do país. Mas não perdeu a capacidade da autocrítica. Para ele, o PSDB precisa se reorganizar e definir imediatamente um projeto para voltar ao poder. Aliado de José Serra, Aloysio diz que os tucanos perderam para Dilma Rousseff porque foram incompetentes ao contar sua própria história. O senador acredita que a oposição deve fazer duas coisas. A primeira, pôr o dedo nas feridas do governo. “É bater, bater e bater”, afirma ele. A segunda é “formular um projeto para amanhã”. Leia a íntegra da entrevista concedida por Aloysio Nunes à Revista Congresso em Foco.
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Congresso em Foco – O senhor volta ao Congresso depois de quatro anos. Que virtudes e defeitos o senhor enxerga nesta legislatura?
Aloysio Nunes – É costume dos velhos parlamentares dizer que a legislatura anterior ou a de quando começaram era melhor. Sinceramente, não tenho essa impressão. É minha primeira experiência no Senado. Para quem gosta e tem vocação política, o Congresso é quase uma Disney World. Acho fascinante trabalhar no Congresso porque ele é um espelho do Brasil, visto por um prisma que é sempre distorcido, seja aqui ou em qualquer outro lugar da democracia representativa. Agora, é um Congresso muito submetido à pauta do Executivo, que é uma pauta pobre. Por exemplo, o projeto de lei que institui o regime complementar de aposentados e de funcionários públicos federais está empacado na Câmara. Isso é vital para a conclusão da reforma da Previdência.
Essa pobreza da pauta vem da dificuldade do governo de estabelecer uma maioria consistente?
Não. O governo tem uma maioria oceânica, mas é uma maioria defensiva.
Mas essa posição defensiva não está relacionada à heterogeneidade da base governista?
Pode ser. Mas o governo não tem uma pauta clara para o Congresso. A presidente Dilma esteve aqui na abertura dos trabalhos legislativos para ler sua mensagem. Ali, se anunciava uma série de propósitos que dependiam de implementação legislativa e que foram absolutamente postergados ou abandonados, como a reforma política e a reforma tributária, que ficaram no discurso. O governo do presidente Fernando Henrique tinha uma agenda legislativa rigorosa, polêmica e ambiciosa. Antes mesmo da posse do primeiro mandato, ele se reuniu com as bancadas que iriam lhe dar sustentação para discutir os projetos que iria mandar, especialmente as reformas constitucionais. Mesmo o presidente Lula, no primeiro mandato, procurou o PSDB para pedir apoio à continuidade da reforma da Previdência. Agora, não se vê iniciativa de fôlego.
Por quê?
Porque falta projeto. Tenho a impressão de que é um governo de continuidade que não quer ser mero continuísmo. Mas que não tem ousadia ou ideias pra avançar.
Nesse ponto, o senhor vê um retrocesso em relação ao governo Lula?
É difícil haver retrocesso em relação ao governo Lula. Estou me referindo à questão da pauta legislativa. O início de mandato é sempre o momento em que o governante chega carregado de legitimidade, com a corda toda, com grande expectativa e crédito de confiança. É o momento mais propício para tomar medidas legislativas de fôlego. E, no entanto, não é o que se vê. Abriria apenas uma exceção nesse panorama, que é a Comissão da Verdade. Um projeto que ainda é do Lula.
Quais as principais diferenças entre o governo Dilma e o governo Lula até agora?
Fui congressista apenas no primeiro mandato de Lula. Com ele, houve uma surpresa no início pelo fato de ele ter dado sequência e mantido as linhas mestras adotadas pelo presidente Fernando Henrique no que diz respeito à estrutura do Estado, à Lei de Responsabilidade Fiscal e ao regime de metas para inflação. Ele manteve os parâmetros da política econômica que eles haviam demonizado quando estavam na oposição. O exemplo mais significativo disso foi a reunião que tivemos na casa do presidente da Câmara entre o Lula e a bancada do PSDB na Câmara. Ele pediu nosso apoio para a continuidade da reforma da Previdência. E a reforma só foi possível porque nós a apoiamos.
O PSDB sempre acusou Lula e o PT de se apropriarem das bandeiras tucanas. E os petistas sempre retrucaram alegando que as políticas sociais diferenciam muito um governo do outro. Quem convence mais a população hoje?
A população aprovou o governo Lula. Ele foi reeleito e elegeu sua sucessora. Se ele se apropriou, foi porque nós nos deixamos ser levados. Não contamos direito nossa história. Nós facilitamos a vida deles.
Por quê?
Porque não se deu a polêmica necessária sobre isso. Mas a população tem bastante consciência de que há uma linha de continuidade entre as medidas tomadas pelo Fernando Henrique e pelo Lula, por mais que ele queira ter o monopólio delas. Acho que os cidadãos têm noção de que há uma linha de melhoria progressiva, aluvional, das condições de vida das pessoas, do funcionamento do Brasil. As pessoas sabem quem é quem e quem fez o quê. O povo não é besta.
Mas como a oposição pode trabalhar isso?
O que nós temos de fazer é apontar o futuro sem deixar de por o dedo nas feridas atuais da corrupção, da inépcia, dos problemas que começam a aparecer na gestão política econômica, que tem como resultado a volta da inflação. Fomos nós que fizemos a Bolsa Escola. É sempre bom lembrar.
Entre os governistas prevalece o discurso de que a oposição está sem rumo. O senhor concorda?
Não. Quem está sem rumo é o governo. O que estão fazendo em relação à Copa do Mundo, por exemplo? Nós estamos chegando ao fim do ano e até agora não temos as obras dos aeroportos. Continuamos numa expectativa de licitação que não se sabe quando vai acontecer. O governo está como uma barata tonta na gestão da política econômica.
Que rumo tem de tomar a oposição?
Precisamos basicamente botar o dedo na ferida e formular um projeto para amanhã. Apontar o problema da corrupção, da inépcia da gestão, da economia, especialmente a volta da inflação, da segurança, da saúde pública e da infraestrutura. É bater, bater e bater. Há momentos em que podemos convergir, por exemplo, em relação a pautas relacionadas à saúde e à segurança pública. Mas isso vai depender muito da proposta do governo.
Esse projeto da oposição ainda não está pronto?
Ainda não. É preciso haver um esforço intelectual, de aplicação, e um trabalho braçal de organização. Organizar diretórios, convidar gente para entrar no partido, fazer um bom licenciamento de quem e quantos somos e tapar brechas na nossa estrutura em lugares onde o partido foi praticamente dizimado.
O que falta para isso acontecer?
Nós saímos de uma eleição presidencial em que perdemos, embora tivéssemos tido um excelente resultado na eleição de governadores. Governamos hoje estados em que mora metade da população brasileira e tivemos um bom resultado nas eleições presidenciais. Estamos tendo resultados crescentes nas eleições presidenciais. Mas é obvio que depois das eleições você tem de se preparar para a travessia no deserto. É um momento realmente de reflexão e balanço que, ao meu entender, já está encerrado. Agora é hora de começar a preparar esse projeto, já tendo em vista as eleições municipais.
O ex-governador Serra criticou a antecipação do debate eleitoral para 2014 dentro do partido. O que o PSDB tem que fazer para não criar um clima de guerra interna que possa prejudicar o próprio partido?
Tem de fortalecer os mecanismos de direção criativa, reunir com mais frequência a comissão executiva nacional e o conselho político, abrir espaço para que cada um participe de acordo com a sua vocação e ambição, e não fechar portas a ninguém. Agora, a antecipação da escolha de candidato para a eleição presidencial seria profundamente negativa para o partido. E isso é opinião de todos, não é só do Serra, não.
Por quê?
Porque agora é hora de o partido se afirmar. Chamar todo mundo para dentro, para o trabalho, para a colaboração. Candidatura tem hora.
O senador Aécio antecipou o processo eleitoral ao dizer que está pronto para disputar a eleição pelo partido?
Ele disse algo que todo mundo sabe, que gostaria de ser candidato a presidente. Alguém ignora isso? Acho ótimo. Ele não anunciou nada de novo. Ao mesmo tempo, ele exprime a opinião de que essa questão deve continuar em aberto. Tanto que ele cita vários nomes que poderiam também ser candidatos.
Passou o tempo do Serra? Ou ele ainda tem força para ser o candidato em 2014?
O Serra tem muito prestígio político e força eleitoral e sabe exprimir suas ideias. Ele tem todas as condições de vir a ser candidato. Inclusive a última pesquisa feita pelo partido revela que ele teria hoje 25% das intenções de voto contra a Dilma, o que é uma proeza notável. Agora, evidentemente que todos têm de estar agora numa posição de trabalho. Não é o caso de ele se lançar candidato no momento. Mas não sei também se ele se lançará depois.
O senhor defende a realização de prévias para a escolha do candidato do PSDB à Presidência?
Prévias, claro, mas não agora. O momento da prévia é 2014. É mais perto da eleição. Para ser uma prévia efetivamente legítima, com plena legitimidade, cujo resultado seja respeitado por todos sem nenhuma contestação, para que possa servir de elemento de mobilização pré-eleitoral do partido e do nosso eleitorado, ela tem de ser bem preparada. Isso pressupõe organizar o partido. A começar por um belo recadastramento de todos os nossos militantes. Quem são os militantes do PSDB, quem são os membros do PSDB, onde eles estão, onde moram, como é que eles vão participar do debate pré-eleitoral. Que instância de discussão nós vamos criar para que os nossos filiados participem? Enfim, é todo um trabalho de participação que não pode ser feito do dia para a noite.
Que erros o partido cometeu para perder pela terceira vez seguida a disputa presidencial?
Sempre há mil hipóteses. Se eu tivesse falado isso e não tivesse falado aquilo. Se tivesse feito isso, se tivesse feito tal programa… É aquela velha história: por que o gato comeu o canário? Porque o gato estava com fome, porque a gaiola estava aberta, porque a gaiola foi não colocada onde deveria estar, porque o canário estava enchendo o saco e chamou a atenção do gato. Agora, eu quero falar sobre os acertos e sobre os resultados. Nós tivemos 44 milhões de eleitores que, no segundo turno, votaram contra o PT, a favor do Serra. Nós elegemos oito governadores, uma boa bancada de deputados federais e fui eleito senador, o que me alegra muito.
O PSDB precisa repensar também suas alianças políticas no Congresso?
Não. Nossas alianças são exatamente com os partidos que fazem oposição ao governo, o PPS e o Democratas. Essas são as alianças naturais que estão se dando na prática, no dia a dia, no trabalho parlamentar. Agora, isso não quer dizer que vamos caminhar juntos para uma mesma candidatura ou não. Mesmo que caminhemos com candidaturas diferentes em 2012 e 2014, temos um eleitorado comum. É um eleitorado que não gosta do PT, que tem mais simpatia pelas nossas ideias, pela nossa tese, pela nossa forma de atuação. Nós somos prisioneiros de um eleitorado comum. No dia a dia, nossas relações são absolutamente coordenadas, tanto na Câmara quanto no Senado. Agora, é claro que a realidade dos estados tem peculiaridades que não podem ser colocadas no mesmo molde.
Uma crítica que se faz muito é que o PSDB é um partido muito paulista, que a política local é que manda na nacional. O senhor concorda?
O presidente do partido é pernambucano, o secretário-geral é mineiro, um dos vice-presidentes é de São Paulo e o outro, do Distrito Federal. Portanto, isso é uma bobagem. Nós temos de entrar em estados que perdemos. Em alguns estados não elegemos nenhum deputado federal, o que dá a medida do desastre em certas localidades.
O que pode representar no cenário político o surgimento do PSD?
O PSD nasce como uma janela pela qual entrou quem não estava se sentindo confortavelmente instalado em seu lugar. O prefeito Gilberto Kassab foi muito habilidoso em traçar uma teia de alianças com governadores estaduais de todos os partidos, o PT, o PSB, o PSDB. Ele conseguiu encontrar na política estadual ponto de convergência ou de interesse comum com quase todos os governadores. É um partido mais dos vários governismos estaduais do que do governismo de atração pelo governo federal.
Que futuro tem o PSD?
Acho que ele pode crescer e vir a ser até um fator de ruptura da polaridade PT/PSDB. Mas depende da formulação de uma ideia, de um propósito identificável diferente dos demais e da oferta de atrativos a uma parcela significativa do eleitorado. Depende, ao mesmo tempo, de ser capaz de lançar candidatos majoritários viáveis, fortes, nos diferentes estados e até mesmo à Presidência.
O PSD tem semelhanças com o PMDB?
Parece bastante sim. Tem uma força vinculada a situações locais, regionais. A estratégia de lançamento deles corresponde à estratégia de sobrevivência e de afirmação do PMDB.
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