A comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) criada com o propósito de investigar desmandos do Grupo JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, tornou-se um quartel general em que a tropa de choque do presidente Michel Temer, denunciado por liderar organização criminosa e obstruir a Justiça, concentra-se em retaliar investigadores e delatores. Com presidente e relator leais a Temer – o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO) e o deputado Carlos Marun (PMDB-MS), respectivamente –, o colegiado centra fogo nos responsáveis por ter tornado o peemedebista, o “quadrilhão do PMDB” e outros políticos de vários partidos oficialmente investigados: além dos Batista, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, o ex-diretor de Relações Institucionais da JBS Ricardo Saud e o ex-procurador da República Marcello Miller.
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O foco das investigações, feitas com estrutura do Senado e pagas com dinheiro público, deixou de ser os ilícitos do conglomerado empresarial, até pouco tempo atrás um dos mais rentáveis do país. Segundo reportagem da revista Época deste fim de semana, os personagens acima listados foram alvos de 22 requerimentos de convocação para que compareçam à comissão e deponham. O outro propósito não revelado da CPMI, diz a publicação, é expor Janot e os demais envolvidos nas acusações contra Temer e demais políticos suspeitos de corrupção – e, claro, blindar o presidente, o primeiro da história a ser denunciado por ato praticado no exercício do mandato.
“Nos corredores do Congresso, o comentário entre os parlamentares é que, como acabaram as flechas de Rodrigo Janot, que deixou o cargo de procurador-geral da República, são deputados e senadores os donos do bambuzal. A produção de flechas já começou. De 228 requerimentos já apresentados, 108 foram apreciados pelo colegiado em apenas três reuniões. Nenhum deles envolve a convocação ou investigação de políticos delatados pelos irmãos Joesley e Wesley Batista e os executivos da JBS – isso apesar de mais de uma centena deles ter sido beneficiada com propina. O foco é outro”, diz trecho do texto assinado pelos repórteres Débora Bergamasco e Mateus Coutinho.
Ainda segundo a revista, o PMDB não está só na tarefa de investigar que antes investigava. A presença de petistas teria como missão blindar pessoas que desempenharam funções estratégicas nos governos Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) – como o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, personagem citado em um episódio do colegiado, na última quinta-feira (21), e descrito pela reportagem.
“O deputado Paulo Pimenta, do PT do Rio Grande do Sul, se insurgiu contra a convocação de Luciano Coutinho […]. Pimenta, um aguerrido defensor da tese de que Dilma Rousseff sofreu um ‘golpe’, não um impeachment, foi rapidamente acalmado pelo relator da CPMI, deputado Carlos Marun […]. Ao notar a exaltação do colega, Marun abandonou seu assento na mesa da Comissão e caminhou até a cadeira do petista. Sussurrou-lhe ao pé de ouvido. Sorriram. Conseguiu acalmá-lo. Marun voltou para seu lugar e disse que não via a necessidade de Coutinho ser convocado, ou seja, com obrigação de comparecer; mas, sim, que poderia ser convidado”, descreve a reportagem.
A revista lembra que o “casamento” entre o PMDB e o PT na comissão foi apontado por um de seus componentes, o senador oposicionista Randolfe Rodrigues (Rede-AP). “Essa CPMI tem uma aliança inusitada: estão juntos do mesmo lado Marun, o PMDB de Temer, e o PT. O que os une? Retaliar quem quer investigá-los. Marun e PT estão tão íntimos, entrelaçados, que não é mais nem namoro, mas um casamento”, criticou o parlamentar amapaense, para quem o objetivo da CPMI jamais foi investigar malfeitos da JBS, mas “retaliar o Ministério Público Federal”.
“CPI Chapa-branca”
Antes mesmo do início dos trabalhos, a CPMI da JBS tem sido acusada de servir aos planos do governo Temer. Para parlamentares da oposição, que reclamaram da escolha de Marun para relatar os trabalhos, trata-se de uma comissão “chapa-branca” para subverter o papel de uma comissão de inquérito, que é justamente investigar suspeitos de corrupção, e não investigadores. Os governistas negam a acusação e dizem que mesmo os membros do MPF não podem ficar livres de eventuais investigações.
Diante da celeuma, parlamentares começaram a abandonar a composição do colegiado – mesmo governistas, como o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES). Um deles, o senador Otto Alencar (PSD-BA), saiu da reunião da CPMI de 12 de setembro batendo a porta da sala e vociferando contra o comando da comissão. Além da indicação de Marun, causou revolta em Otto o fato de o presidente da CPMI ter se reunido com Temer antes do início dos trabalhos de apuração.
“Dentro desta farsa desta CPMI chapa branca, eu estou pedindo a retirada do meu nome para não participar de uma CPMI dessa natureza. Eu não me proponho a isso. Não sou homem para me propor a isso, porque isso é uma farsa chapa branca para fazer aquilo que o Palácio do Planalto deseja e quer. Portanto, estou pedindo a retirada do meu nome. E me retiro agora da sala envergonhado com o procedimento tanto de vossa excelência, que foi lá ao Palácio do Planalto, como também a indicação do deputado Carlos Marun”, disse Otto, levantando-se de sua cadeira depois de chamar Marun de “testa de ferro” de Temer.
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