Antonio Vital*
A inflação está subindo. O preço dos alimentos está subindo. E muitos países estão enfrentando o problema, mundial, com medidas localizadas que podem vir a agravar a situação, como barreiras comerciais e medidas protecionistas. O Brasil, de cima de seu enorme potencial agropastoril, tem tudo para tirar proveito da crise. Mas na noite de terça-feira (10), em debate no programa Expressão Nacional, da TV Câmara, o representante da Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentos (FAO) José Tubino fez um alerta.
"O Brasil tem que ser cuidadoso nas suas políticas ambientais", disse. Tubino se referia aos dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) de que 24% da expansão da área de cultivo da cana-de-açúcar no ano-safra 2007/08 ocorreram sobre terras antes dedicadas a soja, milho, café e laranja na região centro-sul do país. As conseqüências ambientais dos biocombustíveis, segundo o representante da ONU, têm sido usadas como justificativas para um retrocesso de conseqüências imprevisíveis no processo de liberalização do comércio mundial.
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O presidente Lula sentiu isso de perto duas semanas atrás, ao participar da cúpula da FAO em Roma, quando havia no ar um evidente movimento de condenação dos biocombustíveis, abortado pela diplomacia brasileira. Em compensação, o documento final também não condenou os subsídios e as barreiras comerciais.
Tubino debateu a inflação e a crise mundial de alimentos com os deputados Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB-ES), presidente do Instituto Teotônio Vilela; Pedro Eugênio (PT-PE), presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara; e o economista Roberto Ellery, da Universidade de Brasília (UnB). Poucas horas antes do programa, o IBGE divulgou o aumento de 5,8% do PIB no primeiro trimestre, que tornava recorde o crescimento econômico dos doze meses anteriores. E horas depois saía o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que subiu 0,79% em maio, o maior valor desde abril de 2005, o que somava uma inflação recorde de 5,58% nos doze meses anteriores.
A diferença é que o crescimento econômico apresenta tendência de queda – se considerado o trimestre anterior, que registrou aumento maior ainda, de 6,2%. E a inflação está longe de estar sobre controle. Não só no Brasil.
A alta do preço dos alimentos atinge mais os pobres. Isso vale para o Brasil e para o mundo. Desde 2004, o índice de preços dos alimentos da FAO subiu 90%. A partir do final do ano passado, o que era apenas estatística e assunto de economistas ganhou as ruas. Houve revoltas, tumultos e protestos, às vezes com mortes, no Haiti, Egito, Índia, México, Moçambique, Iêmen, Uzbequistão, Peru, Mauritânia, Camarões, Egito, Mongólia, Bangladesh, Senegal, Costa do Marfim e na Argentina.
No Brasil, só o arroz aumentou mais de 20% este ano. Na América Central, o milho, ingrediente principal da dieta da população, subiu 100% em um ano.
Como muita gente culpa os biocombustíveis por esse fenômeno, o alerta de José Tubino ao Brasil faz sentido. "Por isso eu defendo um zoneamento agroecológico que impeça o avanço da cana-de-açúcar sobre a Amazônia", disse Pedro Eugênio.
O governo já está preparando algo parecido, um mapa de limites para cada tipo de cultura. O da cana-de-açúcar deve ficar pronto em julho de 2008. O problema, segundo muitos especialistas, é que a cana pode empurrar outras culturas para a região amazônica, risco que existe, apesar da posição oficial do goverrno brasileiro de que a alta dos alimentos é causada pelos subsídios dados aos biocombustíveis feitos a partir do milho nos Estados Unidos.
Mas os biocombustíveis não são os únicos ingredientes da inflação mundial, que subiu para uma média de 5,5%, o nível mais alto desde 1999 – no Brasil, o centro da meta é de 4,5%, com tolerância de dois pontos para mais ou para menos. Também alimentam esse fogo o crescimento da demanda por alimentos em países como o Brasil, a China e a Índia. Sem contar a especulação dos grandes fundos de hedge, que apostam na alta para obter lucros, expectativa que se alimenta de si própria para manter os preços altos.
Michael Masters, diretor e sócio da Masters Capital Management (empresa amerciana de hedge), em depoimento ao Comitê de Segurança Interna e Assuntos Governamentais do Senado dos EUA, disse que entre o fim de 2003 e março de 2008 os ativos aplicados nas estratégias de especulação com índices de commodities passaram de US$ 13 bilhões para US$ 260 bilhões.
A essa altura, cabe a pergunta: adianta um país implantar medidas restritivas ao crédito, como as seguidas altas da taxa básica de juros pelo Banco Central do Brasil, se o fenômeno da inflação é mundial?
"A política monetária não pode ser a única resposta à inflação", disse Vellozo Lucas. "O governo deveria fazer a sua parte e adotar uma política fiscal mais agressiva", concluiu. Ellery, especialista em macroeconomia, concordou: "Os gastos do governo são um fator importante na inflação", disse.
O programa sobre inflação e alimentos será reprisado sexta (13), às 4h e às 11h30; sábado (14), às 12h; domingo (15), às 9h30; e segunda (16), às 6h e às 10h.
Na próxima terça-feira (17), às 22h, o Expressão Nacional vai debater ao vivo um dos mais polêmicos projetos em tramitação na Câmara, o PL 29, que permite a entrada das empresas de telefonia no setor de TV a cabo e obriga a adoção de cotas para produtos nacionais na programação. Sugestões e perguntas podem ser enviadas pelo email expressaonacional@camara.gov.br ou pelo telefone gratuito 0800-619619.
* Antonio Vital é apresentador do programa Expressão Nacional, da TV Câmara.
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