Em entrevista concedida ao jornalista Vinicius Queiroz Galvão, da Folha de S.Paulo, o vice-presidente da República, José Alencar, que está em Nova York (EUA) para a retirada de um tumor no abdômen, falou sobre sua doença, da perspectiva após a reeleição e comentou, até mesmo, a existência do mensalão.
“Não posso negar a existência do mensalão. Ficou provada a existência. Não digo o mensalão, mas um sacolão enorme ficou provado. Então, sempre fui muito a favor que as investigações sejam rigorosas”.
Durante a entrevista, o vice-presidente também queixou-se da taxa de juros e assegurou que não é contra o sistema de metas da inflação. "O regime de juros no Brasil significa um dos entraves para o desenvolvimento da economia. Esses juros são um despropósito. Têm de cair", disse.
José Alencar completou 75 anos de idade no último dia 17 e já passou por várias cirurgias. Há cerca de dez anos retirou tumores malignos no rim direito e no estômago. Em 2000, fez tratamento para um tumor da próstata. Em 2004, extraiu a vesícula. E no ano passado, submeteu-se a uma angioplastia, para desobstruir uma das artérias do coração.
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Nesta terça-feira, Alencar enfrenta a quinta cirurgia para retirada de tumores. Ele será operado pelo especialista em tumores de tecido mole Murray F. Brennan, no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center. O vice ficará 14 dias em observação antes de voltar ao Brasil, no fim do mês. "Estou muito tranqüilo", afirmou. Leia a entrevista:
Como o senhor recebeu a notícia de que tinha câncer?
O câncer para mim não é novo. Fui operado em 1997, no dia 23 de dezembro, antevéspera do Natal, de um tumor no rim direito e outro no estômago, ambos malignos. Câncer para mim é coisa antiga, não é nada novo. Estou tranqüilo.
O que a equipe de médicos americanos disse ao senhor?
Tive muito boa impressão da estrutura do hospital. O dr. [Murray] Brennan, especialista nessa área, foi de uma atenção a toda prova comigo. E estou muito tranqüilo. Vou ser operado pelo papa do assunto.
O senhor vai passar por quimioterapia?
Radioterapia. Haverá uma aplicação intraoperatória.
O senhor tem falado com o presidente Lula?
Depois que eu cheguei, não. Eu respeito o presidente porque ele é muito ocupado. Ainda não liguei. Não tenho novidades.
O senhor é hipocondríaco, como dizem?
Não. Não tenho nada disso, graças a Deus [risos].
Há uma cena engraçadíssima no filme "Entreatos" em que Palocci, que é médico, prescreve um remédio para a rinite de Lula. Aí o sr. diz: "Ah! Eu também quero!". E logo pergunta: "O que é mesmo rinite?" O cinema inteiro ri nessa hora…
Aí é brincadeira: toda mundo sabe que rinite é inflamação renal [mais risos].
O senhor é um milionário. Por que quis ser vice-presidente?
Fui para vida pública porque sempre tive sentimento público. Depois que meu filho havia assumido responsabilidades maiores nas empresas, achei que poderia ingressar num partido político. Isso foi em 1993. E acabei disputando a primeira eleição em 1994, como candidato a governador. E não fui eleito. Em 1998 disputei como candidato ao Senado, e fui eleito senador por Minas Gerais. E depois, em 2002, todos os meus amigos queriam que eu fosse vice. Aí fiz aliança com o PT. E fui candidato a vice do Lula, com muita honra. Não ingressei na política por outra razão senão tentando levar alguma contribuição oriunda da minha experiência do setor privado. Não tenho nenhum outro interesse, muito menos pecuniário, na vida pública. Nesse particular é um sacrifício. Mas é um sacrifício honroso.
E o que é melhor, ser empresário ou vice-presidente?
Depende. Na vida, é melhor fazer o que o realize, do ponto de vista espiritual. Eu toda a vida me realizei do ponto de vista material e espiritual na empresa. Hoje, na vida pública, tenho também me realizado espiritualmente. O que tenho recebido de mensagens de solidariedade do Brasil inteiro pelo meu estado de saúde é admirável. É uma coisa muito bonita.
Como empresário o senhor ganhou mais dinheiro nos anos FHC (1995-2002) ou no governo Lula? Não sei, ainda não fiz as contas. Isso é uma boa pergunta. Tenho de ver, não tenho como responder. Mesmo porque no governo Lula nunca fui empresário, fui vice-presidente da República.
Vamos falar de um tema que o senhor adora comentar: juros.
O regime de juros no Brasil significa um dos entraves para o desenvolvimento da economia, por uma razão muito simples. Enquanto as atividades produtivas não puderem remunerar com vantagem os custos de capital, é claro que os investimentos ficarão muito aquém da potencialidade de crescimento da economia.
O senhor é contra o sistema de metas de inflação?
Não. O sistema de metas de inflação é um dispositivo iminentemente técnico, de que se utiliza a equipe do Banco Central. Mas o BC não pode ter apenas o objetivo de controle da inflação. Tem de ter também o objetivo da potencialidade de crescimento da economia do país. Além disso, tem também de estar compromissado com o aumento do emprego. É preciso investimento em atividades produtivas capazes de gerar oportunidades de emprego. E também o controle da inflação, a vigilância da moeda. Sou muito a favor da responsabilidade fiscal. Para isso, é preciso que as taxas de juros caiam para patamar de padrão internacional. Esses juros são um despropósito. Têm de cair. Se fossem a metade, hoje em 13,75%, ainda assim seria alguma coisa acima, provavelmente o dobro, da taxa média do mundo. Isso não tem sentido. E o que se joga pela janela de recursos públicos para pagamento desses juros é em benefício do sistema financeiro e dos rentistas. Isso está errado.
Quais foram os erros do governo Lula?
O governo Lula tem erros e acertos. Contivemos a inflação de 12% para menos de um quarto disso. A dívida pública líquida externa, indexada ao dólar, era muito alta. Hoje, é negativa. Agora, tudo isso poderia ter sido feito com taxas de juros mais baixas. Teríamos feito uma economia muito grande. Ou reduzido ainda mais a dívida em relação ao PIB, ou teríamos realizado muitas obras em saneamento, energia, estradas.
O senhor também nega a existência do mensalão?
Não posso negar a existência do mensalão. Ficou provada a existência. Não digo o mensalão, mas um sacolão enorme ficou provado. Então, sempre fui muito a favor que as investigações sejam rigorosas.
O que tem de mudar num segundo mandato?
Daqui para frente é crescer. Crescer com justiça social, com distribuição de renda. Investindo também em educação de qualidade.
As cúpulas do governo e do PT caíram. José Dirceu, Antonio Palocci, José Genoino, Ricardo Berzoini, Delúbio Soares, Sílvio Pereira. Até ministros bem avaliados, como Luiz Furlan, devem sair. Quem sustenta o segundo mandato de Lula?
Aconteceu o que aconteceu, muitos deles ficaram desgastados. Mas o propósito do presidente é constituir um governo com forças que lhe derem apoio. Mas dentre os nomes oferecidos é preciso uma escolha rigorosa.
Quem está cotado para o ministério?
Por uma questão de praxe, não se fala. Até porque o ministério é uma atribuição do presidente da República.
O presidente pede seus conselhos?
Considero Lula um irmão. Tenho grande admiração e respeito. Ele é uma inteligência privilegiada. E possui um dom político.
Mas o que o senhor diz a ele?
Não posso me lembrar de tudo que tenhamos conversados. Mesmo se lembrasse, não iria dizer. Conversa entre presidentes não se conta.
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