José Cruz *
A articulação do governo para anistiar a dívida fiscal dos clubes de futebol, conforme reportagem de Afonso Morais no Congresso em Foco, insere-se no contexto do programa maior da Copa do Mundo no Brasil.
Ex-presidente da CPI da CBF/Nike, em 2001, o deputado e agora ministro do Esporte, Aldo Rebelo, entendeu que, além do forte e histórico apelo cultural, futebol tem por trás uma imensa indústria geradora de empregos. Daí o interesse do governo em não deixar “falir” essa instituição devedora há duas décadas de “míseros” R$ 3 bilhões ao fisco federal.
Bobagem. Mesmo devedor, o futebol jamais vai falir. A televisão, em particular, empresários, torcedores e consumidores de produtos de clubes do coração estão aí para manter a rodada nossa de cada semana. Além disso, futebol é um jogo de gestores espertos que faz casamento muito fiel entre cartolas e políticos.
Um recente trabalho de especialista do Banco Central identificou, com base em dados oficiais, “que o mercado de futebol no Brasil é bastante vulnerável à lavagem de dinheiro”. Mais: “A quantidade crescente tanto de transações como a soma dos valores envolvidos deveriam causar preocupação para as autoridades brasileiras”. Sobre isso ainda escreverei artigo específico.
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Aldo Rebelo sabe disso. Com base em documentos oficiais ele conheceu o submundo do futebol, uma imundície. É, segundo um relatório da ONU, “a maior lavanderia a céu aberto do mundo”. E por que um político com perfil de Aldo, até então irretocável, se envolve nesse ambiente de negócios suspeitos?
PublicidadeO governo como um todo viu na Copa do Mundo um evento de visibilidade mundial para vender a imagem do Brasil e projetar seus gestores, internamente. O tiro saiu pela culatra, porque ninguém contava com a reação de torcedores anônimos e sem bandeira partidária que foram às ruas pedir que os serviços públicos no Brasil também tenham “padrão Fifa”.
Inauguração de estádios, “legados…”, recepção a jogadores famosos, discursos, exposição na mídia e, quem sabe, uma conquista do Brasil na Copa 2014, estavam no roteiro do candidato Aldo Rebelo à Câmara Federal, na eleição do ano que vem. Porém, o torcedor que fica fora do estádio quer saber, antes, da segurança pública, da qualidade do ensino e da eficiência no serviço médico. Sem isso, não há emoção futebolística que o motive a validar voto no político que fez da Copa do Mundo peça de campanha.
Ao analisar os recentes movimentos de rua, Aldo caiu na real. O jogo da Copa saiu pela culatra. Tanto que cogitou se afastar do ministério para cuidar de sua imagem junto ao eleitorado de São Paulo, o que seria um desfalque e tanto para a presidente Dilma. E, depois de defender ardorosamente a anistia fiscal, Aldo Rebelo começa retroceder na proposta.
Em recente reunião com políticos, seus representantes sugeriram que a proposta de “anistia” saísse de um projeto de lei e não de medida provisória, como chegou ser anunciado, medida que inclusive já estaria em análise no Ministério do Planejamento. O deputado Deley reagiu: “O governo tem que colocar sua cara nesse projeto e não deixar o ônus antipático do perdão da dívida para o Congresso”.
O quadro se agrava contra a intenção dos clubes com a entrada em campo das santas casas de misericórdia. Elas também são devedoras do fisco, quase três vezes mais que o futebol, R$ 11 bilhões. Com a diferença que prestam serviços públicos e são mal remuneradas pelo Estado.
É nesse panorama que Aldo Rebelo atuará como mediador no segundo semestre. Ou defende os clubes devedores, de gestão financeira suspeita, ou volta-se às necessidades do eleitorado, ansioso pela atuação do político em favor de políticas públicas eficientes, antes de favorecer o insistente fraudador do fisco, vulgo caloteiro. Se sair bem dessa articulação, torcerá para que a Seleção de Felipão conquiste o título em 2014 e justifique o bilionário investimento do governo na Copa. Caso contrário…
* José Cruz é jornalista especializado em esporte e política esportiva.
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