Em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, o candidato tucano Geraldo Alckmin deixou claro ontem que os problemas do presidente Lula não terminarão com uma reeleição que as pesquisas de intenção de votos dos diversos institutos apontam como bastante provável. Segundo o ex-governador paulista, a oposição não vai dar trégua ao presidente Lula depois das eleições e continuará a cobrar dele explicações sobre os escândalos e acusações de corrupção que envolvem membros de seu governo.
Como a imprensa teve acesso à gravação, a declaração correu os portais e sites – incluindo este Congresso em Foco – antes mesmo de o programa ir ao ar (às 22h40 de ontem). "O PT não pode exigir da oposição impunidade. Querer que a oposição seja conivente, querer impunidade, aí não", disse Alckmin. Sem admitir em nenhum momento a possibilidade de ser derrotado na eleição do próximo domingo, ele ressaltou que o papel da oposição é fiscalizar. "Quem ganha governa, quem perde fiscaliza. Não querer que se fiscalize é não ter apreço pela democracia", afirmou.
As afirmações de Alckmin coincidem com declarações feitas por outros políticos do PSDB e do PFL, os dois partidos que integram a coligação que apóia sua candidatura. Em entrevista publicada ontem pelo jornal O Globo, o presidente nacional do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), previu por exemplo que o clima de confronto contra o governo Lula "pode perdurar" após as eleições.
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O "terceiro turno"
Movida ou pelos ressentimentos com a derrota eleitoral ou pelo legítimo direito de apurar (e punir) irregularidades cometidas pelo PT e por membros do governo Lula e ainda não esclarecidas, a promessa da oposição aumenta os temores de que, confirmada a reeleição, o presidente pode enfrentar pela frente o que vem sendo chamado de "terceiro turno". Isto é, um conjunto articulado de ações dos partidos oposicionistas com o objetivo de manter Lula e seus aliados sob fogo cruzado.
Esse movimento incluiria, de um lado, os esforços para investigar e reverberar o possível envolvimento do Palácio do Planalto com o chamado dossiê Vedoin. Nesse particular, tudo leva a crer que os resultados do inquérito da Polícia Federal oferecerão pouca chance de uma ofensiva mais violenta contra Lula. Em razão das dificuldades para determinar a origem do dinheiro, por conta das complexas e nebulosas operações que o mercado de cambio permite, dificilmente as conclusões atingirão diretamente o presidente.
Mais preocupante, no entanto, é que a oposição também crie embaraços à governabilidade, principalmente na aprovação de matérias no Congresso. A cúpula petista espera contar com o apoio dos dois principais governadores eleitos pelo PSDB, José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), para dissipar o clima de revanche. Potenciais candidatos às eleições presidenciais de 2010, eles não têm nenhum interesse na política arrasa-quarteirão.
Outras dificuldades
Setores da oposição admitem o diálogo com Lula, mas cobram uma mudança de atitude do presidente. Até aqui, amparado por seu indiscutível prestígio popular, ele demonstrou muito pouca disposição para reconhecer erros e corrigir rumos, alegam tais políticos.
Eles também advertem que a insistência nessa estratégia pode resultar no retumbante fracasso de um segundo governo Lula. Sobram, afinal, obstáculos pela frente. Além das já mencionadas dificuldades no plano político, aos quais se soma a necessidade de composições para ter maioria no Congresso, são gigantescos os desafios nas áreas administrativa e econômica.
O maior deles é o ajuste das contas públicas. Há consenso entre os economistas de que até mesmo o controle da inflação pode ser colocado em risco se o governo não fizer cortes em seus gastos, que não páram de subir. Sem isso, argumentam, será impossível o país voltar a crescer em patamares significativos (no governo Lula, como ocorreu na era FHC, o Brasil sempre cresceu abaixo da média mundial e latino-americana).
Nesse aspecto, Tasso Jereissati afirmou ao jornal O Globo: "Meu receio é que vá se agregar uma situação econômica difícil. O governo gastou mais do que podia, deu aumentos maiores do que podia, se comprometeu com obras que não existem e não vão ser feitas por falta de recursos e quem quer que assuma o governo vai ter de consertar esses desvios feitos no ano eleitoral".
O que mais Alckmin disse
Na avaliação do ex-governador paulista, o presidente Lula não soube aproveitar a oportunidade dada pelos eleitores brasileiros em 2002. "Com um time novo, a gente pode dar um empuxo maior", afirmou.
Ele voltou a afirmar que vai cortar gastos caso seja eleito, mas não vai eliminar recursos da área social. "O Brasil precisa de 34 ministérios? O Brasil precisa de corrupção? Não vou cortar na área social, vou gerar emprego, abrir espaço para cortar impostos e investir", afirmou.
Mas, tanto quanto Lula, Alckmin parece pouco disposto a fazer com a profundidade necessária a reforma fiscal mais reclamada pelos especialistas no assunto, a reformulação do deficitário sistema previdenciário brasileiro. O candidato disse que o governo Lula falhou ao não regulamentar a reforma da Previdência aprovada pelo Congresso em 2004. "Existem pessoas que querem acabar com o déficit da Previdência acabando com o piso do salário mínimo. Existem pessoas que querem estabelecer idade mínima, em um país em que a expectativa de vida é bem diferente entre ricos e pobres. Quem morre cedo não recebe benefícios", acrescentou Alckmin, dizendo ser contra as duas medidas. Para o candidato, a receita para acabar com o déficit é reduzir a informalidade, o que melhoraria a arrecadação da Previdência.
No Roda Viva, o tucano voltou classificou como "mentira do Lula" a informação de que pretender vender a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e a Petrobras. O tucano citou como exemplo o banco do Estado de São Paulo, a Nossa Caixa, que, segundo ele, não foi privatizado e sim fortalecido. E lembrou que o presidente vendeu os bancos do Maranhão e do Ceará.
Após a gravação, o candidato acusou também o PT de ter um "viés autoritário" ao ser questionado sobre a possibilidade de uma trégua entre tucanos e petistas após as eleições. "Nós (PSDB e PT) tendemos a ser dois grandes partidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, tem dois grandes partidos. Mas o PT tem um viés autoritário", criticou.
O programa, apresentado por Paulo Markun, teve em sua bancada de entrevistadores os jornalistas Kennedy Alencar (Folha de S. Paulo), Tereza Cruvinel (O Globo), Lourival Sant’Anna (O Estado de S. Paulo), Cristiano Romero (Valor Econômico), Alexandre Machado (TV Cultura) e Denise Rothenburg (Correio Braziliense).