Rudolfo Lago e Edson Sardinha
Em 1998, na reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, o PFL tinha 105 deputados. Hoje, o DEM tem 43 deputados. Ou seja: em 13 anos, de nome novo e na oposição, o partido reduziu-se a menos da metade do que foi em seu auge. E a perda pode ser ainda maior com o assédio que o DEM vem sofrendo após a criação do PSD. Uma das estrelas do partido, administrador da maior vitrine que restou ao DEM, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, deixa o partido para criar sua própria legenda. E leva com ele, entre outros, uma estrela em ascensão: o candidato a vice-presidente da República na chapa oposicionista de José Serra, Índio da Costa (RJ).
Kassab em São Paulo era a vitrine que restava ao DEM depois da prisão e renúncia do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, que arruinou seu governo e a reputação do seu partido em Brasília ao ser flagrado liderando um dos maiores esquemas de corrupção de que já se teve notícia no país.
Problemas pelos estados. Crises herdadas da gestão anterior no partido, de seu primo em segundo grau, deputado Rodrigo Maia (RJ). Desde que assumiu o partido, tentando apagar com a sua experiência os diversos focos de incêndio que encontrou, o senador José Agripino Maia (DEM-RJ) não tem conseguido um minuto de sossego. O emagrecimento do DEM oposicionista em oposição ao PFL governista o amargura. ?No Brasil, infelizmente, partidos de oposição têm bem menos chances de sobrevivência?, constata. ?Esse é o preço que nós pagamos por sermos oposição?, diz ele.
Para Agripino, porém, não há outra opção para o DEM senão seguir no caminho oposicionista. E aprofundá-lo da melhor forma possível. Na avaliação do senador, o erro cometido foi justamente querer abrandar o discurso e as diferenças do DEM como partido. A própria troca do nome, que tirou da sigla a referência de que o partido defende o liberalismo econômico. Ou seja: defende a interferência mínima do Estado na economia, um capitalismo exercido sem maiores barreiras, uma máquina pública enxuta. Ao trocar de sigla, o DEM escamoteou as suas convicções ideológicas. ?Eu sei que essas ideias correspondem ao modo de pensar de um nicho da sociedade. Nós temos que representá-los?, defende Maia. É por esse caminho que o presidente do DEM pensa reerguer seu partido e tirá-lo da atual rota de emagrecimento constante. Na manhã da última segunda-feira (11), foi o que José Agripino Maia defendeu, em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco:
Congresso em Foco ? Desde que se tornou um partido de oposição, o DEM vem perdendo quadros. Por quê?
José Agripino Maia ? O DEM sempre foi um partido de oposição. Ele não se tornou um partido de oposição.
O DEM é o PFL com outro nome. Antes do governo Lula, o PFL era um partido governista. Então, tornou-se oposição.
O Brasil, lamentavelmente, é um país em que os partidos sobrevivem mais quando estão no governo. É, infelizmente, uma constatação que eu faço. Exercer a oposição não é tarefa fácil. E nós estamos exercendo a oposição com muita determinação. Cumprindo o papel democrático ao qual estamos destinados pelo resultado das urnas. É um dever de coerência. O Democratas tem a consciência de que está cumprindo o papel que a democracia lhe reserva. Se é mais fácil você se preservar no governo do que na oposição, estamos pagando o preço de ser oposição.
É por não querer pagar esse preço, de ser oposição, que está sendo criado o PSD, com dissidências vindas do DEM, principalmente?
Se José Serra tivesse ganho a eleição presidencial, esse PSD não estaria em cogitação. Como nós perdemos, o prefeito Kassab está abrindo essa perspectiva, em função de um interesse legítimo que ele tem na política paulista para se fortalecer através de um partido que ele deseja criar. Interesse legítimo, repito. Um partido que deseja criar aproveitando o quê? Um, atraindo pessoas que desejam migrar para a estrutura governista. Dois, atraindo pessoas que têm problemas regionais e que não saem dos partidos em que estão por conta da legislação eleitoral, que tem uma cláusula chamada fidelidade partidária, que impede a migração partidária. O que o governador do Amazonas [Omar Aziz, do PMN], anunciado como prócer do PSD, tem a ver com Kassab? O que o vice-governador da Bahia [Otto Alencar, do PP], umbilicalmente ligado a Jaques Wagner, do PT, tem a ver com Kassab?
O senhor citou dois políticos que não são do DEM …
Há pouco, foi feita uma festa de adesão ao PSD em Minas Gerais. Quem foi para lá foram basicamente políticos que já estão na base do governo. Incomodados com seus partidos, visando alternativas melhores no PSD. Em São Paulo, por exemplo, saem do DEM e seguem com Kassab dois deputados federais e um estadual. De 14, seguem três. O PSD é um partido que está sendo feito por Kassab, mas que vai ter integrantes não apenas do Democratas, mas de várias outros partidos. Até porque, como Kassab mesmo disse, não é de direita, nem de esquerda, nem de centro. Enfim, é um partido sem nitidez ideológica. Isso não lhe garante muito futuro. E isso vai ficar claro logo.
E o DEM tem nitidez ideológica?
Sempre teve. É só você voltar a vista lá para trás. O PFL foi criado a partir do grupo de governadores do PDS que rompeu com o governo para possibilitar que os seis votos do Colégio Eleitoral de cada governador fosse dado a alguém comprometido com a eleição direta para presidente da República. E esse alguém era Tancredo Neves, não Paulo Maluf. Então, a história do nosso partido se mantém. As conquistas do partido são visíveis. O partido foi quem lutou de verdade contra o aumento da carga tributária, com um ícone visível, que foi a derrubada da CPMF. Se não fosse a ação do Democratas, na época PFL, a CPMF estaria aí até hoje. E a sinalização de que existia um partido político que jogava todas as suas fichas contra esse aumento da carga tributária. O único partido. Porque os outros vieram depois, quando nós já tínhamos fechado questão. A economia brasileira deve muito à queda da CPMF. Não simplesmente pela queda de um tributo. Mas pela sinalização clara de que havia na sociedade um desejo de evitar um aumento de carga tributária. E que havia um partido que jogava todas as suas fichas nessa tese. Nós vamos persistir nas nossas teses a partir de agora. E mostrar aos outros que nós temos as nossas teses. Perguntar aos demais partidos claramente: quais são os seus símbolos. E desnudá-los nesse sentido. Mostrar que nós temos os nossos. Por isso, eu creio que a perspectiva futura para o Democratas, com o aprofundamento das suas teses, com o aumento da nitidez sobre suas bandeiras, é até de crescimento.
No momento da troca do nome, de Partido da Frente Liberal para Democratas, há quem indique um movimento que vai na contra-mão do que o senhor vem defendendo: tirou-se da sigla o que havia de nitidez ideológica para se adotar um nome genérico …
Para ir direto ao ponto: eu acho que foi um grande erro trocar o nome do partido. Hoje, eu tenho plena convicção disso.
Perdeu a identidade?
Não perdeu a identidade, porque se você mantém o discurso inteiro não vai perder a identidade só porque trocou de nome. Você perde identidade quando perde os valores. Quando a luta é mantida, você não perde a identidade. Mas não havia necessidade de trocar o nome. Trocou-se o nome sem se obter com isso qualquer vantagem.
Que outros erros foram cometidos pelo Democratas?
Não foram exatamente erros. Mas o partido que tem uma bandeira, uma linha ideológica muito nítida, de repente em vez de dar ênfase absoluta à defesa das suas teses, colocou na frente os interesses dos seus líderes. O Democratas tem um trunfo nas mãos. Quem no Brasil não critica o inchaço da máquina administrativa? O tamanho da máquina pública? O aparelhamento do Estado? Quem não apoia a meritocracia? Quantos não pensam como nós? Nós temos que retomar as nossas teses! Mas isso tem de voltar a ser prioridade. É carro-chefe do partido lutar contra o aumento de impostos. E não os interesses de A, B ou Z! A luta contra o gigantismo do Estado, o gasto público de má qualidade. A falta de investimento. A não provisão da infra-estrutura em decorrência disso. O partido que luta contra o aumento da carga de impostos, porque torna o Brasil incompetitivo, ineficiente. Depois da crise nos Estados Unidos, ficou, para mim, claríssimo: vão vencer no mundo os mais eficientes. Os mais eficientes passam por segurança jurídica, por carga tributária baixa, passam pelo tamanho do Estado. Por educação. Se você não tiver quem defenda a compatibilização da defesa do meio ambiente com desenvolvimento, você não terá um país competitivo. O partido precisa colocar suas ideias na frente dos seus líderes. Os líderes precisam ser arautos das ideias do partido, e não o contrário. Aí, haverá compreensão por parte da sociedade da existência de um partido que tem nitidez ideológica.
Os interesses dos líderes ficaram, então, acima das ideias?
Como em qualquer outro partido brasileiro. Temos ideias muito claras, que cabem claramente num nicho da sociedade. Cabem no pensamento de muita gente no Brasil. Mas a prioridade ficou dada a figuras. Como acontece com as figuras do PT, com as figuras do PMDB. Agora, nós queremos nos diferenciar pelas nossas ideias.
Há quem avalie que foi justamente esse debate de modelos, esse debate de ideias, que faltou nas eleições do ano passado …
Admito que sim. O que faltou no caso de Serra foi uma nitidez maior no campo da oposição das ideias. Mas não adianta fazer agora uma avaliação do passado.
E o que se projeta, então, para a frente, no caso das oposições?
Tudo o que vai pra frente vai ser função do que vai acontecer pra frente. Você não consegue prever. Como o governo estará daqui a um ano? Ninguém consegue prever. Nós temos hoje um recrudescimento claro da inflação. Em função da gastança no ano eleitoral. Por não estar agora usando os remédios corretos.
O governo está falhando no combate à inflação?
O governo insiste em combater a inflação elevando as taxas de juros e com cortes de investimentos. Não vai ao ponto. O ponto é cortar gasto público de má qualidade. É baixar a carga tributária. O ponto é tornar o país eficiente para gerar emprego para as pessoas. Ter produtividade e ter uma inflação sob controle de forma sustentada. Quem é que me assegura ? infelizmente, eu espero que não ? que a inflação não vai voltar? E aí, o que o governo vai fazer? O governo está sustentado numa boa herança recebida dos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, com o Plano Real, com a inflação sob controle e com o procedimento correto de manutenção do equilíbrio fiscal. Só que agora, na última eleição, uma gastança desmesurada provocou o recrudescimento da inflação. O governo não está fazendo o que devia fazer. O Plano Real foi obtido à custa de choques pesados. A política de responsabilidade fiscal, principalmente. Isso impôs à economia restrições fortes. O governo ainda não ministrou nenhum remédio amargo para conter a inflação. Está com medidas periféricas. Como o governo vai enfrentar esses problemas? Vai continuar artificialmente no mar de rosas em que esteve até agora? E a oposição, vai fazer o quê?
A oposição vai fazer o quê?
A oposição vai combater os erros e vai propor coisas e modelos. Quantos brasileiros não acharam que estávamos certos ao propor como fizemos no apagão do setor aéreo um modelo de parcerias público-privadas, que até agora não foram feitas? Nós vamos continuar denunciando e propondo.
Além da questão do controle da inflação, que avaliação o senhor faz desses primeiros cem dias do governo Dilma?
Houve erros e acertos. Ela cometeu acertos na diplomacia, na política internacional. Ela tem sido moderada no plano pessoal. Mas tem sido leniente nas medidas que precisam ser tomadas para combater a inflação. Os mesmos remedinhos, a mesma Cibalena. A hora não é de Cibalena. A hora é de antibióticos pesados. Ela prometeu coisas e fez o contrário. Prometeu que não ia cortar o PAC, e cortou o PAC. Anunciou um corte de R$ 50 bilhões em investimentos. Prometeu recuperação do salário mínimo e, pela primeira vez, você teve um reajuste de salário mínimo inferior à inflação do período.
O discurso do senador Aécio Neves na semana passada, como se posiciona dentro dessa estratégia que o senhor propõe para o DEM e para a oposição?
Foi o discurso de um homem civilizado. Um homem consagrado no governo de Minas Gerais. O que ele propôs, ele praticou no governo de um enorme estado brasileiro. É um homem que sabe conviver pela via da cordialidade. Mas que tem atitudes e coragem para tomá-las. Foi um primeiro momento de oposição. Eu espero que o governo ? que elogiou o discurso e fez apartes favoráveis – ouça com atenção o que a oposição tem a dizer. O importante não é o debate. O importante é que do debate se produzam resultados.
Duas coisas chamaram a atenção no discurso: um retorno à valorização do que foi feito nos governos anteriores ao governo Lula e a crítica ao PT, de que em vários momentos se omitiu …
Foi a constatação de verdades. Alguém rebateu que o PT votou contra o Plano Real? Alguém rebateu que o PT cumpriu a formulação vinda de Itamar e Fernando Henrique? Alguém rebateu que o país lucrou com as privatizações feitas nos governos passados? O que ele fez foi a constatação de verdades, que não foram refutadas. Que há méritos no governo Lula, é evidente que os há. Mas há equívocos também. Neste momento, estamos assistindo aos efeitos desses equívocos. Pela perigosa e lamentável retomada da inflação.
Ficou estabelecido, a partir do discurso, que Aécio Neves é o candidato das oposições nas próximas eleições?
Claro que não. É o discurso de um líder importante da oposição. De convivência muito agradável conosco, Democratas. Mas o tema definição de candidaturas para 2014 não é ainda tratado. Até porque você estaria desconhecendo que existem dentro dos partidos pretensões legítimas e disposição de ter candidatos próprios. Não há por que antecipar agora um debate que, neste momento, não tem consequência agregadora. O que a oposição tem que buscar agora são temas agregadores.
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