Convencer o Congresso a concluir a reforma tributária iniciada em 2003, forçar a União a investir mais em saúde, aumentar a fatia do bolo tributário destinada aos municípios, regulamentar a aplicação dos recursos do Fundo da Educação Básica (Fundeb) e limitar os gastos municipais com os precatórios.
Esses são os cinco principais pontos da pauta que será apresentada pelos prefeitos ao Congresso e ao governo federal, entre os próximos dias 10 e 12, durante a 10ª Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios. A mobilização, que ocorre anualmente desde 1998, reúne as reivindicações das três entidades que representam os 5.562 municípios brasileiros: a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e a Associação Brasileira de Municípios (ABM).
Hoje (3), a CNM aprova, em assembléia-geral, 52 itens que se juntarão, em um só documento, às pautas da FNP e da ABM. Alguns deles, no entanto, já estiveram nas marchas anteriores, como o aumento em um ponto percentual do repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e a revisão da partilha do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
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“A Constituição de 1988 melhorou a situação, com maior arrecadação, mas houve grande concentração de recursos na União e queda da verba destinada aos municípios”, reclama o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, ao lembrar que os municípios têm assumido crescente responsabilidade na saúde e na educação.
O secretário-executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Djalma Paes, reforça que as entidades estão juntas, “em prol da melhoria de todos os municípios brasileiros”, mas admite que há diferenças na representação de cada uma delas. “Uma [como a FNP] representa grandes capitais, as outras [a ABM e a CNM], cidades que nem têm transporte público”, observa. Cerca de 83% dos municípios brasileiros têm menos de 30 mil habitantes.
Reforma tributária
Um dos pontos defendidos pelas três entidades é a conclusão da reforma tributária, iniciada timidamente em 2003. Na ocasião, o Congresso aprovou basicamente os pontos que interessavam à União: a prorrogação da Contribuição Permanente sobre Movimentação Financeira (CPMF) e da Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 2007, o aumento da fração da Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide) destinada aos estados e a criação do Fundo de Compensação de Exportações.
Os prefeitos reivindicam uma fatia maior do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – cerne da proposta em tramitação na Câmara. Atualmente, 75% do índice são repartidos entre os municípios de acordo com o valor adicionado fiscal, o que, segundo eles, acaba provocando a concentração do tributo em algumas prefeituras. “A proposta é definir critérios de distribuição do ICMS, para que a distribuição dos recursos seja equânime”, explica o diretor-técnico da CNM, Augusto Braun, ao lembrar que o ICMS é o principal meio de arrecadação de muitas das prefeituras brasileiras.
A proposta de reforma tributária prevê a unificação do ICMS dentro de um período de transição de 11 anos, com seis alíquotas: a mínima de 7% e a máxima de 25%. A definição das alíquotas, segundo o texto, caberá ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne os secretários estaduais da Fazenda, e ao Senado, que se responsabilizará por sua aprovação. A proposta, no entanto, divide os governadores ao pôr fim à chamada guerra fiscal.
Isso tem dificultado a aprovação do texto, que também prevê o aumento em um ponto percentual do repasse do Fundo de Participação dos Municípios. O FPM corresponde a 22,5% da arrecadação da União com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o imposto de renda, o que, por mês, dá uma média de R$ 2,5 bilhões para serem distribuídos entre os 5.562 municípios. Os prefeitos estimam que, passando esse percentual para 23,5%, receberam R$ 1,5 bilhão a mais por ano.
Limite para precatórios
A limitação dos gastos das prefeituras com precatórios é outro assunto que também interessa diretamente aos municípios. No início do ano passado, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, fechou um acordo com os prefeitos e os governadores sobre uma fórmula para pagar os precatórios vencidos.
O entendimento rendeu uma proposta de emenda constitucional (PEC 12/06), apresentada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que prevê limites para o pagamento dos precatórios – dívidas da União, Estados e municípios cujo pagamento já foi determinado pela Justiça em última instância. Há um ano, o estoque desses débitos estaduais e municipais já era de R$ 61 bilhões.
A proposta estabelece que os municípios não podem gastar mais que 1,5% de sua despesa líquida primária com os precatórios – hoje não há nenhum índice estipulado –, além de mudar a ordem de pagamento, que é cronológica, para a ordem crescente de valores. Assim, as dívidas mais baixas passariam a ter preferência.
O texto ainda institui o sistema de leilões, no qual o credor que der o maior desconto terá preferência sobre os demais. Ainda segundo a PEC, União e estados destinarão o equivalente a 3% de suas despesas do ano anterior para o pagamento de precatórios.
Atualmente, as prefeituras também estão sujeitas ao seqüestro judicial de bens toda vez que não honram as suas dívidas. Com isso, argumentam as entidades municipalistas, os prefeitos vivem sob constante ameaça de perdas orçamentárias e impossibilitados de investirem em áreas vitais, como saúde e educação.
Saúde
A Constituição Federal determina que os estados têm de investir 12% de sua arrecadação líqüida na área da saúde, enquanto para os municípios esse percentual é de 15%. Mas, para a União, não há um patamar definido. Os prefeitos vão cobrar dos parlamentares a aprovação do Projeto de Lei Complementar 1/03, que fixa em 10% o percentual de gastos da União com a saúde.
A estimativa é que, com esse índice, o governo federal gaste R$ 15 bilhões a mais por ano, o que aliviaria as despesas das prefeituras. Atualmente, o governo federal gasta com a saúde o mesmo montante investido no ano anterior, corrigido pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Isso quando há crescimento.
Fundeb
Em relação ao Fundeb, são três as reivindicações das entidades que representam os municípios. A primeira é equilibrar os pesos entre as modalidades de ensino do fundo. As prefeituras, por exemplo, recebem pela manutenção das creches percentual menor que os estados, geralmente responsáveis pelo ensino médio e fundamental.
Dessa forma, dizem as entidades, os estados receberiam do Fundeb 40% a mais que os municípios, o que significa, por ano, quase R$ 1 bilhão. A proposta é reduzir essa diferença.
O segundo ponto é garantir recursos para o transporte escolar. Segundo a CNM, as prefeituras ficam responsáveis pelo transporte de alunos da rede municipal e estadual. Mas apenas alguns estados repassam aos municípios parte do dinheiro gasto com o transporte escolar. A terceira e última reivindicação é que os municípios possam receber uma verba do fundo para subsidiar as creches comunitárias, que hoje não são contempladas.
Com previsão de beneficiar 48,1 milhões de estudantes em todo o país a partir do quarto ano de funcionamento, o Fundeb foi aprovado no ano passado pelo Congresso como sucessor do antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). O governo mandou uma medida provisória (MP), que atualmente tranca a pauta da Câmara, para regulamentar a distribuição dos recursos.
Estados x municípios
Antes do Fundeb, os governos estaduais, as prefeituras e o DF contribuíam com 15% da arrecadação de cinco tributos para o extinto Fundef. Com a mudança, eles terão de repassar agora 20% da receita de oito tributos para o novo fundo.
Prevendo a polêmica, a MP transferiu para uma comissão formada por representantes dos estados, dos municípios e do próprio governo federal a responsabilidade de definir, a cada ano, os valores mínimos a serem investidos em cada uma das etapas: ensino infantil (creche e pré-escola), fundamental, médio, educação de jovens e adultos e ensino especial.
A MP estabelece uma escala que servirá de base para a distribuição dos recursos. Ela vai de 0,7 a 1,3. O ensino fundamental (1ª a 8ª séries) terá peso um na distribuição de recursos. A disputa, no momento, é grande para saber qual dos demais níveis de ensino receberá mais verbas: se as creches (zero a três anos), o ensino infantil (quatro a seis anos) ou o ensino médio (alunos de 15 a 17 anos).
Os governadores querem que a maior fatia do bolo seja destinada para o ensino médio, área de sua responsabilidade. As prefeituras, que são responsáveis pela educação infantil e respondem com os governos estaduais pelo ensino fundamental, não aceitam.
Os prefeitos querem que o fator de 1,3 seja aplicado para o ensino infantil e fundamental. Eles temem que os valores a serem repassados este ano sejam menores do que os recebidos em 2006 por meio do Fundef. A relatora da MP, deputada Fátima Bezerra (PT-RN), promete apresentar hoje um projeto de conversão para afastar esse risco.
A programação da 10ª Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios inclui reuniões dos prefeitos com as bancadas estaduais na Câmara e no Senado, debates sobre as crises dos municípios, as reformas tributária e política e a aprovação de uma carta a ser encaminhada ao Congresso e ao presidente Lula, com as principais reivindicações das prefeituras. Veja aqui a programação da Marcha dos Prefeitos.
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