Lucas Valença, da Agência de Notícias UniCeub
Cassado pelo Senado em julho de 2012 por quebra de decoro parlamentar, acusado de favorecer o bicheiro Carlos Augusto Ramos (o Carlinhos Cachoeira), o ex-senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) também foi afastado do cargo de procurador de Justiça em Goiás em outubro do mesmo ano. De lá para cá, no entanto, o ex-líder do DEM tem recebido o salário e os retroativos funcionais do Ministério Público mesmo sem trabalhar. A soma dos valores recebidos por Demóstenes, de novembro de 2012 a outubro de 2016, passa de R$ 2,28 milhões, de acordo dados disponíveis no site do Ministério Público de Goiás (MP-GO).
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Nesse valor, estão incluídas as somas dos salários brutos (total de R$ 1.629.060,24) e dos chamados retroativos (que somam R$ 659.745,18), que equivalem aos auxílios-moradia, alimentar e de transporte, além da Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), que, segundo o Ministério Público de Goiás, são recebidos em razão da equiparação de direitos com a magistratura do Estado, referentes ao período de 1994 a 2000. A legislação garante a promotores, procuradores, juízes e desembargadores a continuidade do recebimento de seus vencimentos quando estão afastados dos cargos, quando respondem a processos, e também no caso da aposentadoria compulsória, determinada como punição. O ex-senador cassado já apelou à Justiça para retornar ao trabalho, mas o pedido foi negado.
Auxílios
A situação de Demóstenes Torres é um exemplo de como os chamados “auxílios” acabam por elevar os valores recebidos por membros do MP e da magistratura. No caso do ex-senador, os valores alcançaram R$ 659.745,18. Segundo o Ministério Público de Goiás, além do PAE, estão incluídos na conta os recursos para alimentação, transporte e moradia.
O advogado e especialista em Direito Público, Eduardo Mendonça, explica que essas remunerações possuem uma natureza indenizatória, não sendo justo que o servidor público pague o ônus caso ele seja realocado para uma cidade que não seja a que possua uma residência fixa, por exemplo. No entanto, a “banalização” desses benefícios gerou um problema ao erário público. “O problema não é o auxílio em si. Há uma deturpação, para tratar como se fosse indenizatório, um monte de coisas que não são indenizatórias de verdade e, portanto, estão sendo feitas para burlar o teto constitucional”, esclarece.
Frederico Tomé, professor e historiador, diz que os pesos e contrapesos, respaldados pela Constituição, não têm funcionado. “O controle dos poderes (da República), se acontecem com os dois primeiros (Executivo e Legislativo), não acontece com o Judiciário”. Ele entende que, cada vez mais, o Judiciário não tem respondido por seus atos. “No caso do Judiciário há um controle que não é muito efetivo (CNJ). Convenhamos, é um artefato recente na estrutura do brasil”, lembra.
“Decisão controversa, mas com fundamento”
Para o advogado Eduardo Mendonça, a situação não é simples. Ele conta que a demora de três anos para julgar o caso, já é um problema em si. Seja porque o serviço público depende do trabalho do membro afastado, seja pelo pagamento de qualquer valor no decorrer do processo. “É preciso que haja uma definição mais rápida dessas questões para que o Estado não seja prejudicado. Alguém afastado durante tanto tempo, sem que haja uma definição, é muito prejudicial”, explica.
O jurista lembra que a decisão da Justiça em pagar os honorários do procurador afastado, Demóstenes Torres, é controversa, porém possui fundamento. Ele esclarece que, às vezes, o afastamento do membro do MP para investigação pode se prolongar por um período longo, o que pode gerar danos à pessoa que ainda não teve uma condenação em definitivo. No entanto, o advogado defende que, caso o servidor público receba os vencimentos e acabe sendo condenado na Justiça, o valor pago no período seja ressarcidos aos cofres públicos.
Privilégios
Do ponto de vista ético é “abominável”, é em que acredita a professora e filósofa Gilvaci Rodrigues. Ela lembra que, embora a medida possua respaldo legal, é imoral. Ela também defende que se o procurador não está cumprindo o trabalho, não é justo que ele receba por isso. “O que a gente precisa é questionar a Justiça, a lei, pois ele não está recebendo na ilegalidade”. Para ela, a legislação deveria ser alterada com mais justiça e equidade.
“Se não é possível universalizar, então ele está tendo um privilégio”, explica a professora. Para ela, casos como esse exemplificam como alguns “grupos da sociedade” recebem privilégios exagerados. “O que a gente vê é que para a maioria do povo brasileiro, o que vale é a lei. Já para um grupo minoritário, o que vale são os privilégios”.
Na mesma linha de pensamento, o historiador Frederico Tomé acredita que a continuidade da remuneração de juízes e procuradores de como punição revela como a atual legislação favorece a defesa dos “interesses corporativos”. “Servidores, uma vez cassados, perdem a remuneração, no caso dos juízes e dos membros do MP, há toda uma justificativa para garantir a isonomia e a proteção, o que, ao meu ver, não seria uma solução”. Segundo o pesquisador, a lei precisa ser revisada, pois representa um escárnio às instituições sociais. “Há uma descrédito total da população com relação a esses abusos, justamente porque existe uma impunidade”, ressalta.
Explicações e sigilo
Em nota enviada por e-mail à reportagem, o Ministério Público de Goiás explicou que os processos administrativos e criminais que envolvem Demóstenes Torres estão sob sigilo. Ressalta também que os pagamentos salariais do ex-senador “são apenas o que a lei garante ao membro” do MP.
Em decisão tomada no final de outubro, o Supremo Tribunal Federal considerou ilegais as escutas que envolveram o ex-congressista e embasaram a cassação de seu mandato. O advogado criminalista de Demóstenes, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirmou que está confiante de que o ex-senador será inocentado das acusações ainda em curso contra ele na Justiça e que resultaram em seu afastamento do Ministério Público. A reportagem procurou o ex-senador, mas não houve retorno.
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