Especial para o Congresso em Foco
Desde que foi afastado das atividades no Ministério Público, em outubro de 2012, o ex-senador Demóstenes Torres (GO) já recebeu R$ 2,6 milhões sem trabalhar, considerando-se o salário de procurador mais os benefícios como gratificações natalinas e férias, além de indenizações e outros pagamentos extras. Uma média de R$ 45 mil por mês.
Como mostrou ontem o Congresso em Foco, ele vai pedir ao Senado para que anule sua cassação por envolvimento com Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, porque a Justiça considerou nulos os grampos telefônicos que embasaram os processos criminais e o seu julgamento político. Inelegível até 2027, o ex-senador quer retomar o direito de se candidatar já em 2018 a uma vaga na Câmara dos Deputados. As chances de o Senado considerar o pedido, porém, são mínimas.
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Em nome da mulher, Flávia Coelho Torres, o ex-senador abriu um restaurante e um escritório de advocacia, ambos em bairros nobres de Goiânia. A preferência de Demóstenes pela advocacia tem muito a ver com a rejeição que ele enfrenta entre os colegas do MP-GO. Em agosto de 2012, 82 promotores de Justiça, procuradores do Trabalho e procuradores da República em Goiás assinaram manifesto pedindo ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em caráter liminar, o afastamento dele em razão das acusações que o derrubaram no Senado.
O Ministério Público goiano é comandado atualmente pelo procurador Benedito Torres, irmão de Demóstenes. A relação entre os dois ficou abalada desde o escândalo do caso Cachoeira. Segundo relatos de amigos, o ex-senador cassado não perdoou até hoje as declarações dadas na época pelo irmão na tentativa de se distanciar das denúncias. Na ocasião, Benedito também era o procurador-geral de Justiça de Goiás, cargo que exerceu pela primeira vez entre 2011 e 2013.
Também citado em gravações telefônicas, o procurador-geral de Justiça teve processo disciplinar arquivado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) em 2013. Prevaleceu entre os conselheiros o entendimento de que os autos não traziam indícios de que ele cometera falta funcional. O irmão do ex-senador foi inocentado pelo TJ-GO em dezembro de 2012.
PublicidadeDepois de deixar a Procuradoria-Geral de Justiça, Benedito emplacou um aliado como sucessor e foi eleito presidente da Associação Goiana do Ministério Público (AGMP) por três vezes. Em fevereiro deste ano, teve a maior votação na lista tríplice do MP-GO e foi alçado novamente ao cargo pelo governador Marconi Perillo. Um das propostas de Benedito para o novo mandato é ampliar o combate à corrupção e ao crime organizado, reforçando a equipe responsável pelas investigações e a estrutura nessa área.
Em seu escritório, Demóstenes também tem recebido políticos. Em maio, o vereador mais antigo da Câmara de Goiânia, Anselmo Pereira (PSDB), ex-presidente da Casa, o visitou “em encontro amigável para discutir assuntos da Região Metropolitana”, conforme divulgou o tucano nas redes sociais. O vereador é mais um entusiasta da volta do ex-senador à política. Anselmo abrigou parte da equipe de Demóstenes na Câmara Municipal depois da cassação no Senado.
Novo abrigo
O ex-senador já poderia ter se filiado a algum partido, mas, segundo amigos, ele aguarda o desenrolar da crise política no país para ver como as legendas vão se sair das denúncias. “Ele não tem pressa. Tem muita coisa acontecendo e ninguém sabe como ficará o cenário para o ano que vem”, diz Chiquinho. Já houve convite oficial de pelo menos três siglas pequenas (PMN, PHS e PSL) que confirmam o interesse. Mas Demóstenes fala em várias ofertas, inclusive para presidir diretórios.
Ao que tudo indica, a opção será por um partido da base de apoio do governador Marconi Perillo (PSDB), com quem mantém boa relação, embora com um “pé atrás” das duas partes. “É uma relação em que ninguém confia em ninguém”, resume um jornalista ligado ao ex-senador. Em entrevista conjunta ao jornal O Hoje e à Rádio 730, de Goiânia, em outubro do ano passado, Demóstenes fez elogios ao candidato da base à sucessão de Marconi, o vice-governador José Eliton (PSDB), e disse que o governador tem vaga garantida no Senado nas eleições do ano que vem. Mas, em conversa com aliados, ele reclamou de cortes na entrevista e os atribuiu à influência do governo na imprensa goiana.
Na ocasião, Demóstenes afirmou que acreditava ter 80% dos votos que alcançou quando foi eleito pela primeira vez, em 2002. Em sua estreia nas urnas, depois de deixar a Secretaria de Segurança Pública na primeira gestão de Marconi, ele recebeu 1,2 milhão de votos. Votação que quase dobrou oito anos depois, com 2,1 milhões de votos, um recorde no estado. O ex-senador alega que a população compreendeu que sua cassação foi uma “artimanha” de inimigos políticos, especialmente o PT e o ex-presidente Lula, seus principais alvos quando era parlamentar. Não foi o que acharam seus colegas de partido, que exigiram sua saída do DEM na época, nem do então bloco oposicionista no Senado. Ele foi cassado, em votação secreta, por 56 votos a 19.
Aliados do ex-senador alegam que o caso envolvendo seu nome virou fichinha perto dos escândalos revelados a partir de 2014 com a Operação Lava Jato. Dizem, ainda, que ele tem em mãos pesquisas que indicam boa aceitação pelo eleitorado em Goiás. Esses números, porém, nunca vieram a público. Em pesquisas de 2013 para o Senado realizadas pelo instituto Serpes para o jornal O Popular, de Goiânia, o nome dele era lembrado sempre por menos de 1% dos entrevistados nos levantamentos espontâneos. Percentual bem inferior ao dos principais adversários.
Viagens à Itália
Com as atribuições no restaurante e no escritório, a família Torres diminuiu o ritmo de viagens, intenso nos últimos anos. Em janeiro de 2014, imagens dele circulando de mãos dadas com a esposa Flávia pelas ruas de Florença, na Itália, viralizaram na internet, despertando comentários sobre a impunidade no Brasil. No ano passado, a advogada, com quem está casado desde 2011, e a chef de cozinha Aline Torres, filha do primeiro casamento dele, inauguraram o restaurante Viela Gastronomia em um casarão no Setor Sul, um dos bairros mais tradicionais da capital goiana. Aberto primeiramente como espaço de eventos, funciona agora para almoço e jantar, tendo a cozinha italiana como especialidade. Em releases, o estabelecimento promete aos clientes “uma verdadeira viagem à Itália sem sair de Goiânia”.
Foi lá que Andressa Mendonça, mulher de Cachoeira, comemorou o aniversário de 35 anos, em março. No mês seguinte, Aline deixou a sociedade para cuidar de outros projetos e ter mais tempo disponível para viagens e estudo, de acordo com informações de assessores. Segundo amigos mais próximos e funcionários do restaurante, Demóstenes anda sorridente e voltou a fazer piadas e gracejos como era bem comum antigamente.
Briga com Caiado
Mesmo tendo caído em desgraça, ele coleciona poucos desafetos na política em Goiás. O principal é o senador Ronaldo Caiado (DEM), que sucedeu Demóstenes como uma das principais vozes da oposição ao PT no Senado. O ex-senador, que era considerado afilhado político de Caiado, rompeu o silêncio que durou quase três anos em um artigo publicado no jornal Diário da Manhã, em março de 2015, com ataques ao ex-padrinho político. Ele acusou o atual líder do DEM de fazer parte da rede de amigos de Cachoeira, sugerindo que ele havia recebido dinheiro do contraventor. E envolveu até o presidente nacional do DEM, José Agripino Maia (RN). O artigo, em tom agressivo, foi uma resposta à entrevista de Caiado à revista Veja, em que dizia que Demóstenes era a grande decepção em sua vida e “um traidor”.
À época, Caiado interpelou judicialmente o ex-senador, que não respondeu ao pedido de esclarecimentos. Embora a assessoria do senador tenha dito na ocasião que prepararia queixa-crime por calúnia, injúria e difamação e ação por danos morais, não houve ação na Justiça. O gabinete de Caiado informou que ele registrou representação no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o que trouxe mais desgastes para o ex-senador no colegiado. Nos bastidores, aliados do líder do DEM apostam que a chance de Demóstenes retomar a elegibilidade para disputar ano que vem é zero. E chamam de “lorota” a tentativa de recuo do Senado.
Súplicas não atendidas
Até surgirem gravações e outros indícios de que atuava em defesa dos interesses de Carlinhos Cachoeira, Demóstenes era um dos nomes mais respeitados do Senado brasileiro. Um empedernido defensor da ética na política e duro combatente da corrupção. Destacava-se no bloco dos senadores considerados éticos à época como Pedro Simon (PMDB-RS), Jefferson Peres (PDT-AM) e Eduardo Suplicy (PT-SP). Assim que surgiram as primeiras denúncias de envolvimento dele com o contraventor, 44 colegas se revezaram no plenário para defendê-lo. Mas o apoio se esvaiu à medida que as investigações apontavam que a relação entre os dois extrapolava a amizade.
Três meses depois, o ex-líder do DEM foi cassado pelo plenário, acusado de mentir, receber vantagens indevidas e utilizar o mandato em favor de Cachoeira. Implacável com parlamentares suspeitos de irregularidades, Demóstenes provou do próprio veneno. Em seu discurso de defesa no plenário, pediu perdão àqueles que ofendeu, segundo ele, de maneira leviana. “Por favor, me deem a oportunidade de provar que sou inocente, não acabem com a minha vida, não me deixem disputar outra eleição em 2030 para senador.” De nada adiantou a súplica.
O caso rendeu uma CPI no Congresso e denúncias contra os governadores Marconi Perillo e Agnelo Queiroz (PT-DF), além de outros deputados. Acusado de explorar uma rede de caça-níqueis e jogos de azar e de fazer lobby para empreiteiras, Cachoeira, acumulou condenações e prisões desde então. Tornou-se personagem frequente de operações policiais.
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