Lucas Ferraz
Sempre quando é perguntado sobre a eleição presidencial, em 2010, o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), responde que a indicação para disputar o cargo mais importante da República deve ser natural. Quase uma predestinação. No fundo, Aécio sabe que precisará mais de que obstinação. Terá que vencer uma dura batalha que já vem sendo travada nos bastidores, entre ele e o governador de São Paulo, José Serra – embora os dois neguem qualquer disputa. Outro personagem tucano, no entanto, também pode entrar na disputa: o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que, apesar da derrota no ano passado, alcançou quase 40 milhões de votos no primeiro turno.
Até lá, muita água ainda vai passar sob a ponte. Afinal, como disse o ex-governador mineiro Magalhães Pinto, “política é como nuvem, está sempre mudando”. O que quer dizer também que, se não conseguir espaço no PSDB, Aécio poderia ir para uma outra legenda, na qual teria o caminho livre.
“Tenho a impressão de que ele não espera 2014, e isso pode até levá-lo a uma aliança com o PT. Não filiado ao partido, mas em algum outro menor, onde ele seria a estrela e não correria riscos”, analisa o cientista político Júlio Buére, da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Minas). Idéia que – não é de hoje – vem sendo levantada nos meios políticos.
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Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e que quer presidir o PMDB, admitiu como “uma hipótese”, em 17 de fevereiro à Folha de S.Paulo, a possibilidade de o governador de Minas se filiar ao partido, encabeçando uma candidatura própria em 2010. Pelo menos por enquanto, Aécio, que já foi peemedebista, rechaça trocar de partido.
As relações com o Partido dos Trabalhadores são boas. Ele tem bom trânsito com o presidente Lula. Quando eclodiu a crise do mensalão, em 2005, Aécio foi uma das poucas vozes da oposição a defender o presidente, dizendo que Lula não era Fernando Collor. Ao longo dos embates daquele ano, foi um dos tucanos mais moderados.
A relação dele com o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), também é boa. Barrou até a candidatura de um tucano nas eleições municipais de 2004, quando Pimentel foi reeleito. Daí surgem especulações de que, com o aval de Lula na sucessão em 2010, Aécio poderia chancelar algum petista na caminhada ao Palácio da Liberdade. Nomes não faltam: o próprio Fernando Pimentel ou o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, que já foi prefeito de BH e conta com grande aprovação na cidade.
Foto: Valter Campanato/ABr
Ó, Minas Gerais
Outra coisa que o governador não se cansa de repetir é que nenhuma decisão nacional pode ser tomada sem a participação de Minas Gerais. Não só por seu passado político e econômico, como por sua força atual. Nesse caso, até a oposição local concorda: “É tradição o governo mineiro ter um grande papel nacional, e é função do Aécio Neves ocupar este espaço nas discussões nacionais”, diz o deputado estadual petista André Quintão. “Em tese, qualquer governador de Minas bem avaliado tem condições de pleitear a disputa da presidência”, completa. O que falta a Aécio, consideram os analistas, é uma sólida base nacional, o que José Serra já possui.
Tendo a imagem de bom administrador costurada à de um perfil conciliador, herdado da velha tradição mineira, Aécio é – apesar disso – visto como uma incógnita por certos setores políticos. Até dentro do PSDB alguns dizem não saber o que pensa o governador.
Recentemente, o petista Marco Aurélio Garcia, assessor para assuntos internacionais da Presidência, perguntou a um colega mineiro: “O que pensa o Aécio? É liberal, social-democrata? Qual modelo econômico ele defende? O que ele é?”. Talvez a melhor resposta seja a de que o neto do ex-presidente Tancredo Neves amadureceu em cima de um pragmatismo político.
O secretário de Governo, Danilo de Castro, que coordenou as duas vitoriosas campanhas estaduais e que trabalha com Aécio há 12 anos, tem opinião diferente. Danilo diz que o governador não se furta de falar sobre diferentes assuntos, mas que ele tem uma típica característica mineira. “Não é do seu temperamento avançar em certas questões, ele não toma iniciativa”, conta. Para o secretário, um dos principais pontos do perfil do governador, além de sua energia, é o respeito à coisa pública. “Ele também tem um humor fino, principalmente nos momentos difíceis”, diz.
“É um conservador esclarecido”, responde o jornalista José Maria Rabelo, membro da executiva nacional do PDT. Mas, de acordo com José Maria, Aécio é nacionalista, e herdou do avô uma visão de futuro. Júlio Buére acha difícil enquadrá-lo ideologicamente, como é possível com José Serra, por exemplo. “Não dá para afirmar o que Aécio pensa. Ele não tem um posicionamento claro, não é possível identificar em seus discursos nenhum aspecto ideológico”, comenta o cientista político.
Segundo Narcio Rodrigues (PSDB-MG), deputado federal e primeiro-vice-presidente da Câmara, Aécio é a maior revelação política dos últimos 30 anos. Por quê? “Porque ele conseguiu aliar o perfil de um político habilidoso ao de bom administrador, com respeito aos princípios morais e éticos”, diz. “Essa tentativa de rotulá-lo é coisa de paulista. Basta ver o governo de Minas para saber o que ele pensa sobre economia”, afirma Narcio, referindo-se ao resgate da capacidade de investimento do Estado, com o equilíbrio das contas, ao mesmo tempo em que incentiva o setor privado.
Para o deputado estadual do PSDB Domingos Sávio, o governador está se preparando para, no futuro, se tornar um estadista. “Ele já mostra essa característica, não só pelo cargo que já ocupa, como por seu comportamento. O Aécio tem consciência de que seu futuro político não depende muito dele”. O deputado faz coro à base governista e à elite econômica do estado de que o governador está se preparando para cumprir uma grande missão – ou seja, se candidatar à Presidência.
Da praia para o gabinete
Pronto ou não para disputar o cargo, o certo é que Aécio Neves conseguiu em Minas um consenso como há muito não se via no estado. Em 2003, elegeu-se governador, ainda no primeiro turno, com 58% dos votos válidos. Ano passado, reelegeu-se com porcentagem ainda maior: 77%. Prestes a completar 47 anos (faz aniversário dia 10 de março), até os 22, Aécio Neves da Cunha nunca havia pensado em ser político.
Tinha, no entanto, dois exemplos em casa: o avô, Tancredo Neves, e o pai, o ex-deputado federal Aécio Ferreira da Cunha. Na época, pensava mais nas praias e nas possibilidades que um garotão poderia ter nas areias cariocas do que em um gabinete. Mas Tancredo, eleito governador de Minas em 1982, o levou para ser seu secretário particular.
Formado em economia pela PUC-Minas em 1984, dois anos depois Aécio, em sua primeira disputa eleitoral, foi eleito deputado federal. Foi parlamentar em Brasília por quatro mandatos seguidos, tendo ocupado a presidência da Câmara no biênio 2000-2001. Em Minas, é quase uma unanimidade. Para Rogério Corrêa, ex-deputado estadual do PT, o grande mérito do governador é o marketing. “Além de ter uma imprensa amarrada, submissa, ele conta com o apoio das oligarquias mineiras em torno de um projeto de governo”, diz.
Nilmário Miranda, presidente do PT mineiro e adversário de Aécio nas duas últimas eleições estaduais, também cita a obsessão do governador em controlar as notícias. “Isso mostra que ele tem um grande desconforto em relação às críticas”, afirma. O ex-secretário nacional de Direitos Humanos do governo Lula aponta como grande falha do governador a falta de participação popular em seu governo. “Ele dá pouca atenção ao social”.
No segundo mandato, o governo mineiro quer se tornar referência no combate às desigualdades sociais, com projetos, como por exemplo, de redução da pobreza nas áreas rurais do estado. A falha no social, contudo, é reconhecida pelos próprios correligionários do governador.
Entre a economia e o social
O “choque de gestão” e o “déficit zero”, as maiores bandeiras do governo de Minas, também são alvos da oposição. “O déficit orçamentário foi equilibrado, mais ainda há dívida. Ele compatibilizou o orçamento com a arrecadação, o que é o papel de todo governante”, comenta Rogério Corrêa.
Quando assumiu o estado, em 2003, Aécio encontrou um déficit mensal de R$ 200 milhões. Realizou o chamado choque de gestão, reduzindo o número de secretarias de 21 para 15 e cortando vários cargos na máquina administrativa, além de um rigoroso controle nos gastos e despesas. Até o salário do governador caiu, de R$ 19.500 para R$ 10.500. No final de 2004 foi anunciado, com grande divulgação nacional, o déficit zero, resultado do choque de gestão. A dívida do Estado, contudo, ainda existe.
Um dos maiores responsáveis pela implantação das medidas foi o então secretário de Planejamento e Gestão Antônio Augusto Anastasia, o atual vice-governador e que é também uma espécie de gerente-geral do governo mineiro. Anastasia faz parte, ao lado de Danilo de Casto e Andréa Neves, irmã de Aécio e presidente do Serviço Voluntário de Assistência Social (Servas), uma organização civil que trabalha com o governo de Minas, do seleto grupo de pessoas de confiança do governador.
Com um secretariado, em sua maioria, de perfil técnico, Aécio encontra tranqüilidade na condução do governo, principalmente com o apoio da elite mineira e com ampla maioria na Assembléia Legislativa – dos 77 deputados estaduais, dez (nove parlamentares do PT e um do PCdoB) fazem oposição formal.
“Com o vice-governador Anastasia tendo a função de gerir o Estado, o Aécio faz as articulações, principalmente em nível nacional”, explica o cientista Júlio Buére. Mas ele alerta: uma imagem de bom administrador somente não é suficiente para construir uma imagem nacional. “Vimos na eleição passada que o Alckmin explorou essa imagem e não foi bem-sucedido”, diz. Naturalmente, 2010 já começou para Aécio.