Osiris Lopes Filho *
2008 inicia-se marcado por fato memorável na história tributária do país. O nosso povo está livre do padecimento de um tributo perverso e enganoso. Na véspera, quando findava o ano anterior, também se extinguiu a vida provisória da CPMF, com muito choro de algumas autoridades governamentais, desacostumadas de cumprir a Constituição.
Em realidade, há alguns séculos, um ministro da Fazenda disse para o rei uma frase que sintetiza o drama atual da permanente elevação da carga tributária: “Os sonhos de hoje são os tributos do amanhã”. Vale dizer, a incorporação ao elenco de atribuições do poder público de um novo encargo, não previsto anteriormente, será necessariamente coberto pela criação de uma nova incidência tributária.
No Estado moderno, os recursos indispensáveis ao cumprimento de suas funções são obtidos mediante os tributos, nas suas várias espécies, contribuições, impostos e taxas. Daí o Estado intervencionista buscar novos recursos pela criação ou aumento constante de tributos.
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Fato pouco conhecido pelo povo brasileiro é o de que, no plano federal, a principal fonte de recursos tributários localiza-se, hoje, nas contribuições. Mais de 70% da arrecadação federal decorrem dessa modalidade tributária. Os impostos são minoritários, embora significativos, no bolo da receita federal.
Daí o trauma que desequilibrou o bom senso de ministros da área econômica, quando o Senado negou prorrogação à CPMF, pois acreditavam que a navalha colocada na carótida dos senadores produziria resultado, no sentido de ser aceita a eternização da CPMF, em face da destinação que alardeavam, como se fosse a efetiva – a saúde do povo brasileiro, que ficaria prejudicada sem a continuidade desse tributo.
A saúde não era o destino único da arrecadação da CPMF. Realmente, havia uma distribuição da sua receita para a saúde, correspondendo a vinte centésimos, por meio do Fundo Nacional da Saúde; dez centésimos para o custeio da Previdência Social; e oito centésimos para o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (Bolsa Família). O que nunca foi enfatizado na abordagem da matéria é que, antes dessa partilha, aplicava-se a Desvinculação da Receita da União (DRU), pela qual 20% da arrecadação da CPMF eram retirados para atender aos gastos gerais da União, colocação elegante para camuflar a realidade de que esse dreno na arrecadação destinava-se a compor os recursos alocados ao superávit primário, bolo de receita vinculado ao pagamento dos encargos da dívida pública da União.
O fato real é que o naco maior da arrecadação da CPMF era direcionado para engordar os rentistas, os credores da União, em nome do equilíbrio financeiro e da contenção da inflação, o que garante ao governo Lula ganhar do FMI certidão de bom comportamento financeiro, por pagar os encargos da dívida pública.
A oposição, tão criticada por zelar pelo cumprimento da Constituição, extinguindo a CPMF, deu tranqüilidade orçamentária ao governo Lula ao manter a DRU. Os ajustes nas fontes da receita devem perder, conforme determinação do presidente Lula, o alarmismo histérico de se compensar eventual perda de arrecadação pela elevação de impostos.
O incremento da receita da União pode ser obtido mediante o crescimento da nossa economia; e a revogação de incentivos, isenções e de reduções de tributos, em suma, das renúncias à arrecadação que perderam sua eficácia original. E que se realizem cortes nas despesas supérfluas, inúteis, não prioritárias. Vale dizer: que o governo funcione normalmente no plano orçamentário, ajustando as despesas à disponibilidade de recursos, decorrente de boa administração tributária. Finalmente, que se resista aos burocratas, que, na sua mediocridade, só imaginam obter incremento de arrecadação por aumento de impostos. Rua para essa gente!
* Osiris de Azevedo Lopes Filho, advogado e professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB), foi secretário da Receita Federal.
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